Saber ler
Ouvi por aí, ontem, que cerca de um milhão de portugueses é analfabeto.
Um milhão é 10% de nós todos. É impressionante.
Num flash-back afectivo e emocional, recordo que um dos momentos em que me senti mais feliz na minha vida, foi quando peguei num livro de histórias, dos que a minha mãe costumava ler para mim, e percebi que estava a ler o que lá estava, sabia o que aqueles sinais diziam. Parecia que voava. Foi há tanto tempo e a sensação ainda cá vive. Alegria, independência, felicidade. Tinha como que entrado num mundo mágico.
Nunca perdi essa sensação. Desde esse momento que para mim ler é como que mais um sentido. E até sinto que mais importante do que algum deles, o olfacto, por exemplo. Portanto desde pequenina que me parece que quem não sabe ler tem menos um sentido, uma espécie de deficiência, coitadito.
É certo que para amenizar as coisas se insiste em que esses números têm a ver com o facto de haver pessoas já velhinhas e vivendo em locais isolados, que ainda são de um tempo onde não se valorizava a escola. É aliás por muitos desses analfabetos serem já idosos e irem entretanto desaparecendo que se explica parte da descida do número de analfabetos em Portugal.
Não sei. Ainda encontro muitas vezes no supermercado pessoas que me pedem para ler algumas etiquetas porque não trouxeram os óculos. E pode ser verdade. Contudo muitas vezes essas pessoas quelêem vêem mal sem óculos, ao chegar à caixa fazem os seus trocos com as moedas mais pequeninas...
A História de Embrulhar Castanhas, de Domingo, vem ao encontro desta dúvida, afinal a cena passava-se com alguém ainda relativamente novo e com certeza autónomo em muita coisa.
Fico a pensar. E sobretudo, faz-me pensar mais no caso porque sei que há muito quem saiba assinar o nome, ou fazer contas simples, quem tenha tirado «a quarta classe» há um ror de anos, que possivelmente até nem entre na classe dos analfabetos, mas na prática seja um analfabeto funcional. Até pode conseguir ler, mas sabe interpretar aquilo que lê?
Sabemos que a fonte de informação e distracção mais geral é a tv, as informações são ditas e mostradas. Depois temos telenovelas faladas em português ou brasileiro o que dá o mesmo. E, de vez em quando, oiço pessoas a trocar argumentos sobre algumas situações utilizando até um vocabulário um pouco difícil. Paro admirada até entender que estão simplesmente a repetir palavra por palavra o que ouviram noutro local. A capacidade de análise do que se disse é mínima.
Lembro-me de quando andava na escola, a professora me mandar «dizer por palavras minhas» qualquer coisa que tivesse aprendido. Era um importante exercício.
Mas seja pela tal iliteracia, seja por aquilo que for, cada vez oiço menos dizer-se «por palavras nossas» seja o que for. Repete-se. E com as-palavras-dos-outros, o que não me parece bom sinal. Porque o analfabetismo não é só não saber escrever o seu nome. É não saber interpretar aquilo que lemos, nem o 'traduzir' para o nosso quotidiano. Eu posso estar a papaguear palavras complicadas e nem por isso sou mais erudita, nem tenho um vocabulário mais rico.
Afinal posso estar até a mostrar a tal iliteracia...
Um milhão é 10% de nós todos. É impressionante.
Num flash-back afectivo e emocional, recordo que um dos momentos em que me senti mais feliz na minha vida, foi quando peguei num livro de histórias, dos que a minha mãe costumava ler para mim, e percebi que estava a ler o que lá estava, sabia o que aqueles sinais diziam. Parecia que voava. Foi há tanto tempo e a sensação ainda cá vive. Alegria, independência, felicidade. Tinha como que entrado num mundo mágico.
Nunca perdi essa sensação. Desde esse momento que para mim ler é como que mais um sentido. E até sinto que mais importante do que algum deles, o olfacto, por exemplo. Portanto desde pequenina que me parece que quem não sabe ler tem menos um sentido, uma espécie de deficiência, coitadito.
É certo que para amenizar as coisas se insiste em que esses números têm a ver com o facto de haver pessoas já velhinhas e vivendo em locais isolados, que ainda são de um tempo onde não se valorizava a escola. É aliás por muitos desses analfabetos serem já idosos e irem entretanto desaparecendo que se explica parte da descida do número de analfabetos em Portugal.
Não sei. Ainda encontro muitas vezes no supermercado pessoas que me pedem para ler algumas etiquetas porque não trouxeram os óculos. E pode ser verdade. Contudo muitas vezes essas pessoas que
A História de Embrulhar Castanhas, de Domingo, vem ao encontro desta dúvida, afinal a cena passava-se com alguém ainda relativamente novo e com certeza autónomo em muita coisa.
Fico a pensar. E sobretudo, faz-me pensar mais no caso porque sei que há muito quem saiba assinar o nome, ou fazer contas simples, quem tenha tirado «a quarta classe» há um ror de anos, que possivelmente até nem entre na classe dos analfabetos, mas na prática seja um analfabeto funcional. Até pode conseguir ler, mas sabe interpretar aquilo que lê?
Sabemos que a fonte de informação e distracção mais geral é a tv, as informações são ditas e mostradas. Depois temos telenovelas faladas em português ou brasileiro o que dá o mesmo. E, de vez em quando, oiço pessoas a trocar argumentos sobre algumas situações utilizando até um vocabulário um pouco difícil. Paro admirada até entender que estão simplesmente a repetir palavra por palavra o que ouviram noutro local. A capacidade de análise do que se disse é mínima.
Lembro-me de quando andava na escola, a professora me mandar «dizer por palavras minhas» qualquer coisa que tivesse aprendido. Era um importante exercício.
Mas seja pela tal iliteracia, seja por aquilo que for, cada vez oiço menos dizer-se «por palavras nossas» seja o que for. Repete-se. E com as-palavras-dos-outros, o que não me parece bom sinal. Porque o analfabetismo não é só não saber escrever o seu nome. É não saber interpretar aquilo que lemos, nem o 'traduzir' para o nosso quotidiano. Eu posso estar a papaguear palavras complicadas e nem por isso sou mais erudita, nem tenho um vocabulário mais rico.
Afinal posso estar até a mostrar a tal iliteracia...
18 comentários:
Se bem entendo o que afinal dizes é que «saber ler» não é só saber ler...
Agravando o caso de haver quem não saiba ler nada, nem o que está escrito, nem o que isso quer dizer.
Adorei a imagem final que, cá por mim, interpretei como o abraço entre «dizer por palavras nossas» e aquilo que nos quiseram dizer.
Ah, quanto às pessoas que não conseguem ler porque se esqueceram dos óculos, se isso também acontece (e eu que o diga!...) também concordo que é a justificação mais airosa para quem tem vergonha de confessar que não consegue ler. Porque como disseste para coisas que não sejam letras, até vêem muito bem!!!
Ainda existe um milhão de portugueses analfabetos e são e ainda os tais velhinhos, do inicio de sec XX?
E a longevidade é recente? Hum!
Aos seis anos já lia e quando entrei na escola, fui um sucesso!!
Achei graça á metáfora de considerares a iliteracia uma deficiência.
Tens toda a razão, só é pena que essa não surja por via de um erro da natureza , mas tão só por via de quem nos governa.
Saber ler, não significa saber interpretar, como bem dizes, pois já implica um desenvolvimento de racicinio adquirido fundamentalmente pelo estudo e leitura e a propósito , mais uma vez, a ilustração deixada no post, é muito bonita.
Gostei!!
Não apenas um milhão é muita gente, como até em relação ao resto da Europa estamos mal colocados. E amanhã é o Dia Mundial para a Alfabetização.
E, como dizes, não é apenas de falar nos analfabetos isso é a ponta do iceberg - temos também a maior taxa de abandono escolar. Ou seja, sabe-se ler e escrever, mas mais nada!
Olá Joaninha entramos ao mesmo tempo, não havia nada e quando entrei já cá estavas..
Quando entrei na escola, aos 6 anos, já era totalmente alfabetizada, o que destoava do grupo... Nas férias, a professora me presenteou com um livrinho que eu li em quatro horas e descobri as delícas de ler, maior que o olfato, como voce disse. Na verdade, eu acho que eu deixei passar o café da tarde. :)
Agora, se em Portugal existe esse problema, tente imaginar por aqui... Embora uma cidade, como São Paulo, exista mais gente precisando de óculos em supermercado, que gente que assuma que não consegue distinguir um 9 de um a. ;)
beijos
Deixa-me começar por referir a ilustração que escolheste para o escrito. Optima!
Tem graça,escrevi a palavra à luz do novo acordo, "ótima", mas não gostei, por isso voltei à forma antiga. Depois, bem, depois a arrepiante história da "Castanha", infelizmente, não tão rara como poderá parecer. Por fim a volta que deste ao texto, para chegares à "tua" história".
Tens toda a razão, cada vez há mais gente a falar com as palavras dos outros, descontextualizadas, fruto de uma formatação que nos tem sido inculcada, ao longo dos anos. Essa dos óculos ou da falta deles, infelismente, é mais normal que se possa pensar.
Essa iliteracia, é também, totalmente real. No meu tempo de "vida militar", apareciam muitos soldados que nunca tinham visto uma letra. Eram encaminhados para as escolas regimentais, onde uns sargentos mais aptos, lhes ensinavam umas letras e uns resquicios da matemática, sendo mais tarde, submetidos a exame com o Delegado Escolar, essa figura ímpar, do antigo regime, e atribuía-se o diploma que os habilitava à 3ª ou 4ª classe, conforme as provas. No entanto, com a voracidade da Guerra Colonial, todos eram precisos e não restava tempo para esse benefício que era aprender a "juntar as letras" e tudo foi por água abaixo.
Não duvido que essas pessoas , com esses graus tão baixos de informação ao caírem nesta "vida", com tantos estímulos, como referes, nunca mais consigam ler ou mais, entender, drama que se estende, por aí fora, e, a quem duvide que a iliteracia é um facto, basta assistir, ao preenchimento de uma qualquer ficha de inscrisão, para candidatura a um emprego, por exemplo. Não me refiro aos idosos, porque esses, com o seu desaparecimento, vão desaparecendo das estatísticas, como bem afirmas.
Para terminar, deixa-me citar Goethe: " As pessoas não sabem, em geral, quanto esforço e tempo se requer para aprender a ler e a tirar proveito do que se leu; para isso necessitei eu de oitenta anos."
Muito bom o «comentário» do Zé Palmeiro. Só ele é já quase outro post.
Do que escreveste é quase impossível não enfiar a carapuça relativa às eleições que se aproximam. É onde mais se encontram clichés e frases feitas, e oiço a torto e a direito repetir-se (papaguear-se) afirmações que parecem ecos. Ecos dos ecos dos ecos e sem a menor reflexão séria ou análise do que se está a dizer. Se foi dito pelo senhor X do partido Y é de certeza bem (ou é de certeza mal, isso tanto faz) sem se reflectir. Interessa apenas QUEM disse e não O QUE disse.
Big mistake, como dizia o outro :)
Como quase sempre, um belo post, minha amiga. Bem escrito e que faz pensar. Como observou muito bem o Zé palmeiro «deste uma volta ao texto» e encaixaste vários aspectos importantes.
E o menor não será essa coisa de 'encontrar as nossas próprias palavras' para dizer o que queremos.
Tal como tu, na escola incentivavam-me a dizer as coisas por 'palavras minhas', mas já com os meus filhos, eles insistiam que os professores queriam que dissessem 'como vinha no livro'. Tive algumas discussões com eles até aceitar que até tinham razão! E depois é por aí fora: falar no «esférico» em vez de dizer «bola»... É mais chic!
Sabe bem ter uns visitantes como vocês! Dá gosto ter este blog por ter tido a sorte de apanhar comentadores assim :)
Olha, Senhora, pelo meu lado não ia 'adiantada' quando entrei na escola. Os meus pais lá achavam que eu devia aprender lá pelo método da professora e não estimularam especialmente a minha aprendizagem. Mas sei que aprendi realmente muito depressa, porque recordo esse episódio do primeiro livro que li e ainda era bem pequenita.
Zé Palmeiro, esta coisa na nova ortografia vai dar muito que falar... Eu sei que as opiniões estão divididas, a nossa Saltapocinhas, por exemplo, gosta que desapareçam as letras mudas. Mas nem sei porque se embirra assim tanto com as letras mudas, afinal que o inglês quer o francês estão cheiinhos de letras duplas e mudas!!!! Por mim, sei que me vai se difícil adaptar-me.
E fico contente que todos vocês tenham «apanhado» a mensagem que eu queria passar: o analfabetismo mais importante é capaz de não ser aquele que se mede com a frequência escolar. O não saber de todo ler para mim é uma espécie de deficiência, como aqui escrevi. Mas o que me aperta o coração é os que sabem juntar as letras mas lhes falta a alma, o entenderem em profundidade o que lá está. E, como disse o Palmeiro, muitas vezes é a prática e a experiência que nos faz dominar essa arte. Sem se continuar a praticar, voltamos ao zero.
Mas agora há quem pense que sabe ler e escrever porque domina a técnica do sms
:)
Aliás lêem e escrevem que se fartam!!!!
Também li e comentei no blog da Castanha (Mariquinhas é o meu nick só no blog da Castanha por aproximação ao “estilo” de resto sou Maria e é meu nome próprio, aliás não tardará e revelarei a minha identidade) - aquela “história” foi um murro no estômago…
Não nos podemos esquecer que foi só em 1960 que, para as mulheres, foi instituída a escolaridade obrigatória (4 anos) e para os homens não era difícil contornar o assunto - justificando com a necessidade de ir trabalhar para o sustento da família e com apenas 7 anos de idade. Nada disto é novidade, pelo menos para os do meu tempo, sabemos que durante o “estado novo” não se estimulou o ensino, antes pelo contrário defendeu-se e promoveu-se a ignorância das populações – “herança” pesada que ainda hoje se reflecte, digo eu, nos mencionados 10% de analfabetos. Agora, como dizes e bem, não chega perceber-se o “código” é preciso aprender a interpretá-lo e será sempre um processo em aberto, inacabado que, evoluindo nos vai dando competência - autonomia necessária à não exclusão social, no mínimo e a isto julgo ser o que se dá o nome de “literacia”, porque de resto o caminho será sempre feito à procura de mais saber - aprendermos a dizer pelas nossas próprias palavras.
O meu comentário está escrito há horas, porventura desactualizado e não irá dizer muito mais, mas…vou aproveitar uma aberta e enviá-lo mesmo assim:))
Estou no meu refúgio com “net” portátil - não sei porquê, hoje, estou a ter imensa dificuldade em aceder à rede.
Muito bom este post e os comentários, reveladores de uuma muito completa literacia,e o boneco tambem de salientar.Realmente acho muita a longevidade mas, quando faço parte de mesas eleitorais, é espantoso o número de pessoas que são ou alegam o analfabetismo. Só tenho duvidas, por mais efeitos "perversos" que tenham, se os sms não pressupoem um razoavel grau de literacia.
fg, explica-te melhor, isto é, subtrai a ironia (?) e diz tudo. Eu tenho a tua opinião muito bem "cotada", já agora, para usar um termo muito consensual na actual literacia.
Infelizmente ainda há muita gente completamente analfabeta.
Na minha escola há 2 encarregadas de educação, uma delas bastante nova, que não sabem ler (já sem falar nos ciganos).
Ainda hoje uma colega comentava como ficou impressionada porque tinha ido fazer análises e estava lá uma senhora que nem sabia ver o número da senha de atendimento!
Depois há os analfabetos que andam - ou andaram - na escola, mas isso é outro assunto!
Só agora li o resto dos comentários e tenho de acrescentar que incentivo os meus alunos a dizerem por palavras deles aquilo que leram.
Também me fizeste lembrar a história que o meu marido conta que quando ele tirou a carta de condução o código era uma prova oral e havia examinadores que exigiam que as pessoas respondessem tal e qual como estava nos livros!!!
Sobre o acordo, que venha depressa que já vem tarde! :)
(o que não quer dizer que não me vai custar a adaptar e que vou estranhar as palavras!!)
A Saltapocinhas tinha de passar por cá, até levava a mal !!! :(
E é interessante o seu testemunho, que vem sublinhar tudo aquilo que se disse: se é certo que pode haver gente mais velha que no tempo do «Estado Novo» não era incentivada a ir à escola, é também certo que esses serão cada vez menos que o 25 de Abril já foi há mais de 30 anos!!! a Saltapocinhas conta que duas mães de alunas dela (decerto jovens para terem filhos pequenos) são mesmo analfabetas! E volto a bater na mesma tecla - custa-me, mesmo quando se «lê» a mensagem escrita depois não a saber entender bem.
E o fj também trás o seu testemunho quanto ao número de votantes (e estamos a falar de Lisboa ou periferia, não é o «Portugal profundo»)! que se apresentam como analfabetos.
De resto o terem aqui lembrados os sms, é importante. É certo que mal ou bem, o dominar essa escrita é um avanço. é um modo de comunicar por escrito, mesmo que não seja o que se aprendeu na escola.
(aqui o meu receio é que se confundam as duas linguagens; e se a dos sms é muito típica, não serve para generalizar)
Li essa história e comovi-me também.
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