A questão da saúde mental
Por um lado não me apetece tocar neste assunto que é demasiado angustioso e sem solução à vista. Mas o certo é que comecei por escrever alguma coisa, depois apaguei tudo e recomecei a escrever sobre outro assunto menos ‘pesado’ mas reflecti que era uma atitude de avestruz - não era por mudar de assunto que deixava de me preocupar, e cá volto.
Li no jornal que está em curso - ainda e sempre - a «reforma da saúde mental». Tanto quanto me lembro, e já ando por cá há uns anos, temos andado sempre a tratar da reforma da saúde mental. Já muitos psiquiatras, dos que mais lutaram por isso, se reformaram e outros até morreram e continuamos a tratar da abençoada reforma.
A verdade é que se fecham hospitais psiquiátricos, o que não é nenhum mal. Sabe Deus as condições que muitos deles tinham, e decerto que a ideia de que um doente mental ficará melhor enquadrado num ambiente «normal» está correcta. Desde que lhe sejam dadas condições !!!
Esse é o ponto chave.
Não é de hoje que há planos e até existem casas, com o apoio da Segurança Social, umas pequeninas ‘repúblicas’ com meia dúzia de quartos, onde outros tantos doentes mentais ‘estáveis’ fazem uma vida normal, desde que haja um vigilante que pernoite lá e vigie os medicamentos.
Mas são umas ilhas.
Umas pequeninas ilhas no imenso oceano estagnado dos cuidados de saúde mental.
A verdade é que, na generalidade, como esses doentes não podem (nem devem, creio) ficar hospitalizados mas por outro lado é impossível se na família todos trabalham ficaram na sua casa, a solução encontrada é enviá-los para lares.Quando no final do mês passado a comunicação social falou no encerramento de um Lar na zona de Rio Maior, fiquei siderada. É que eu conhecia pessoalmente esse Lar por lá terem estado duas familiares minhas. Foi há mais de dois anos mas o Lar tinha sido sinalizado na altura por uma assistente social do Hospital de Santa Maria, ou seja julgávamos que havia garantias.
Mas o certo é que apesar das instalações serem boas, sentimos logo que havia muito falta de pessoal e estas minhas familiares queixavam-se exactamente de que eram incomodadas por pessoas desequilibradas que até as assustavam bastante. Quer eu quer a filha tentávamos aligeirar a coisa e aconselhar a que não ligassem importância mas era muito desagradável.
Bem, por aquilo que li na primeira notícia, esses doentes mentais foram agora para o Pisão. E aqui, num quarto de 4 estão 12. «As pessoas são despejadas e abandonadas à sua sorte. É pouco mais do que um albergue para comer e dormir» dizem.
Parece um ciclo infernal, não é?
Saem de um mal para passarem para outro igual. É esta a reforma da saúde mental?
23 comentários:
Émiele começo por te pedir desculpa pelos meus desabafos, sei que não o devo fazer, mas ficaste admirada com o peso das placas e eu tambem,chama-se pedra de Siracusa e tem garantia de 50 anos!!Vê só o que eu vou deixar aos herdeiros...
Agora vou ao post de hoje que acho muito oportuno e chocante. São "campos de concentração" que se adaptaram á democracia.
Situações sempre com promessas em épocas de eleiçoes e sempre adiadas
Aqui no Porto o hospital Conde Ferreira acho que está praticamente desactivado e outrora tinha toda uma equipa que funcionava bem ou pelo menos duma forma aceitável.
Houve guerras internas e com essas teorias de os integrar noutros sitios e até enviarem-nos para as familias, estamos a cair neste descalabro que hoje relatas
Doi a alma ver pessoas tão indefesas, em situações destas.
Não há dinheiro para coisa alguma, por isso de restrigem os custos que começam nos recursos humanos e sem isso nada feito..
Mas como diz o Medina Carreira
o País é um BPN em ponto grande,
e contra isso o Pais vai ter de ir á luta, é o que me parece!!!
Dada a importância do tema e a impossibilidade temporal de a ele me referir como gostaria, assinálo a minha passagem e volto a outra hora.
Tens razão, tema «pesado» mas existente. A verdade é que as famílias que têm um problema desses vêem bem aflitas mas para grande parte da população (penso eu) é um assunto para as páginas interiores dos jornais.
Imagino como te sentiste se conhecias mesmo ao vivo esse Lar que ocupou o primeiro lugar nas notícias há um mês. e por aquilo que sei, a 'empresa' que era dona desse Lar tem mais. Era uma máquina de fazer dinheiro... Mas se esse foi denunciado, tenho quase a certeza de deve haver centenas de outros de vários tamanhos (esse era grande) espalhados por aí fora em condições muito parecidas.
O impressionante é saber-se que se o Pisão fosse inspeccionado pela ASAE também fechava!
Estou um pouco como o José palmeiro, acho que não tenho agora tempo para fazer um comentário como merece.
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Que a solução não são os hospitais psiquiátricos é sabido. Também é sabido que tudo isto é um «negócio da China» porque esses hospitais apesar de velhos estão em sítios bem centrais onde o metro de terreno vale um balúrdio! Olha o Miguel Bombarda, quase no centro histórico de Lisboa. Imaginem ali um condomínio de super-luxo quanto não vale!!!!
É um assunto muito importante.
Não sei se o sem-nick tem razão e se há assim tanta gente que não sinta directa ou indirectamente esse problema.
Nem sabia que estavam pensadas essas respostas sociais, de casas 'normais' onde os doentes pudessem ficar com alguma autonomia...
Este é um tema que me interessa muitíssimo. Aqui tocas em duas coisas que estão associadas mas não deveriam estar: a questão dos idosos e o apoio que se lhes deve dar, e os doentes mentais. A verdade é que há muitos idosos que TAMBÉM são doentes mentais. O Alzheimer cada vez aparece mais e é ou era uma doença da idade e a própria aterosclerose implica confusões e uma espécie de demência muitas vezes.
Mas um esquizofrénico pode ser um jovem, e tantas vezes é!
Tudo isso é muito complicado porque se é uma violência fechar um louco como se fazia nos séculos passados, também me parece errado deixá-lo «à solta» com perigo muitas vezes para a vida alheia e sobretudo dos seus familiares.
Agora o Pisão é mesmo um horror! Ali é que afinal é mesmo um asilo como era dantes.
Ou seja a resposta social em Portugal muitas vezes parece do 3º mundo.
JBD
Olha "anónimo JBD", eu creio que há mais de um Pisão.
Há o Pisão de Cascais sobre o qual a Emiéle há bastante tempo até deixou um post pedindo ajuda porque aquilo era uma miséria. Mas é uma espécie de Lar.
Mas também há o Pisão, num Centro de Saúde que não sei se tem internamento. Ao princípio até pensei que fosse este, mas é mais natural que seja o de Cascais. Vou ver melhor a notícia.
OK, OK, fui ver é mesmo do Pisão de Cascais que se trata.
E se assim é, é de fugir!!!!
Lembro-me bem do apelo da Emiéle, pedindo cobertores, roupa interior, artigos de higiene, porque tinham falta de tudo, se agora vêm mais ainda deve ser o inferno...
Lembro-me muito bem desse apelo da Emiéle porque até mandei para lá umas coisinhas. Não encontro o post (este blog tem tanta coisa que encontrar algo com mais de um ano é uma avaria!!!) mas encontrei aquilo que lhe deu origem, acho eu, é AQUI.
Impressionante!
Quando a saúde se torna um negócio... é isto que acontece.
MCF reduziu, em duas linhas, as ideias de todos nós.
Os exemplos que citam, multiplicados por tudo o que neste país acontece, é um martírio que nos irá presseguir, por todo o sempre. No estadio actual da humanidade, não vejo como dar a volta!
É claro que a Saúde um um negócio, a educação é um negócio, há direitos humanos fundamentais que são negócios, mas esta questão da saúde mental é mais subtil.
Notem que quanto à Saúde «normal» quem pense que o deve fazer e tiver dinheiro pode fazer um Seguro de Saúde e, de certa forma, ter o seu bem-estar assegurado. Tenho amigos que têm bons seguros, pagam bastante mas estão sossegados, de cirurgias a doenças complicadas sabem que têm resposta. Até lhes pagam uma consulta no estrangeiro se for caso disso.
Mas quanto à Saúde mental, que eu saiba, não é coberta por nenhum seguro... Mesmo as psicoterapias muito raramente são cobertas pelos seguros quanto mais aquilo de que aqui se fala!
Emiéle, a tua imagem como quase sempre é muito boa. Essa espécie de anjo desfocado, diz tudo.
Muito bom este post.
Deixa-nos a pensar.
Bom "post", Emiéle sobre a velha "questão"!
Longe vão os tempos do Prof. Egas Moniz (prémio Nobel) grande investigador em neurologia, muito já se evoluiu desde então...
Mas, há sempre qualquer pormenor a atrapalhar...
O assunto é demasiado sério mas o tom, talvez, irónico, é para desanuviar.
A um ano do termo do actual “Plano Nacional de Saúde 2004-2010” onde está incluída a tal "reforma" - a situação diagnosticada e avançada no papel para plano de actuação, até, do que li, me pareceu bem-intencionada. Como estamos habituados mas não resignados, (eu não estou, mas sim um pouco cansada) penso - mas afinal, baralharam e voltaram a dar, "é infernal", como dizes e, digo eu, de boas intenções está o inferno cheio!
Com as famílias dos doentes mentais sobretudo crónicos, nunca foi muito fácil contar-se, eu num período muito curto da minha vida frequentei a consulta externa de psiquiatria do Júlio de Matos porque sofri de uma depressão aos 27 anos, motivada por um desgosto, então a minha médica, Dra. Ana Diniz (óptima), para eu não pagar consulta via-me no hospital, lembro-me de ao princípio me fazer alguma confusão sobretudo os jovens (era o ano de 82) a serem tratados da toxicodependência. Quanto aos outros que por lá circulavam no jardim eu já estava habituada porque apanhava um autocarro na Av. do Brasil todos os dias para casa e foram tantas as vezes que me pediram cigarros e para os levar a casa porque a família os esperava, pais, mulheres e filhos uma vez um pôs dentro do táxi comigo e eu levei-o a dar um pequeno passeio e voltei ao hospital ele ficou tão contente e não falou mais da família.
Lembro-me de ter visto, no quarteto, nos anos 80 o filme sobre uma certa ala do mesmo hospital Júlio de Matos e aí sim fiquei impressionadíssima!
Já há uns anos é considerado um bom hospital e com boas práticas, falo também do núcleo de cultura e da utilização da arte como psicoterapia, nomeadamente o Grupo de Teatro que vem desenvolvendo um bom trabalho.
Grande lençol e talvez um pouco confuso mas estou com tempo escasso e a este "post" não queria falhar.
Também me parece muito bom este post e não resisto a deixar aqui a minha opinião (talvez seja a primeira vez)
Espevitou-me a franqueza da Maria ao falar no verdadeiro nome da sua médica. É que também conhecia a Dra Ana Diniz e acho-a impecável, tão humana que é raro encontrar uma pessoa assim. Essa coisa de ires ao Hospital para ser mais barato é mesmo dela! Quando a gente conhece casos onde vigora exactamente o oposto - dizem que lá não têm tempo e mandam-nos para os consultórios!
Quanto à famigerada Reforma, vai-se andando, muuuuito lentamente mas vai. Apesar de tudo não se compara o que se faz hoje e o que se passava há 40 ou 50 anos! mas anda-se aqui a partir pedra à tempo sem fim.
Foi interessante entrelaçares a questão da saúde mental e o problema dos velhos. Parece que não mas tem muita coisa a ver um caso com o outro. Afinal são as nossas políticas sociais. Porque o problema na Saúde Mental não é tanto o tratamento em si, mas sim o seguimento e o apoio social necessário.
Olá Zé que coincidència interessante, conheceres também a Dra Ana. Nunca mais soube dela
(em 1982 era uma senhora na casa dos quarenta e muitos anos) dede que uma vez anos depois a encontrei na rua, aproximei-me dela e ela conheceu-me ou fez que, não interessa...ah agora me lembro, conheceu-me sim - eu na altura fazia tapeçaria e tinha-lhe oferecido um pequeno trabalho e quando nos encontramos perguntou-me como ia a minha actividade.Uma médica e mulher que nunca irei esquecer!
Está reformada, é claro mas mantém o consultório para os clientes mais, mais, mais antigos, «ameaçando» sempre que vai deixar de vez mas sem ser capaz de deixar de trabalhar.
Admiro-a muito :)
A boa imagem que deixaste revela exactamente a confusão mental. Nunca percebi porque é que os hospitais psiquiátricos não são solução como a Joaninha refere e que quase toda a gente é unânime.
Volto cá porque tb me lembrei do trauma que me causou na minha infAncia ver uma esquizofrénica á solta . Tinha um medo terrivel escondia-me o mais que podia!
Estas pessoas não podem estar nas familias. Não há condiçoes.
O que não podem é ser é metidos em "prisões" pois apenas, são doentes e merecem o tratamento devido e não só drogas
A psicoterapia é um luxo, o que é lamentável, mas ao menos alguma dignidade e nunca os casos que focaste hoje.
BFS para todos
Anónimo ... kika
Beeem, em pleno Agosto ter aqui uma caixa com 20 comentários é de pasmar! 'Brigada minhas gentes!!!
Pois tens razão Kika, (não em relação aos teus desabafos, porque isso a gente até gosta!) o adiamento sucessivo de soluções é enervante. Evidentemente que sei que se anda a tratar disso, da famosa reforma, estranho seria que o não fizessem, mas anda-se a passo de caracol, e de vez em quando até há uns passinhos atrás, como tenho testemunhado.
Maria, gostei imenso do teu grande comentário com o relato da tua experiência pessoal. Claro que o Júlio de Matos é quase um exemplo do que pensamos, afinal o Bombarda está menos 'visível'. O Júlio de Matos tem um bom espaço, os jardins (que já nem o são) os pavilhões afastados, mas aquilo é muito difícil de gerir. Não sei se se lembram que aquilo dantes até tinha a residência do director lá dentro...
Por acaso também conheço a psiquiatra de que falam (o Zé já por aqui tem passado, creio eu, ou é o nome que é comum) e é excelente.
MFC, claro que tens razão. Mas neste caso é ainda mais complicado, porque como o RS disse, da doença mental até os seguros fogem!
Obrigada à Mary e Joaninha pelos links. Tenho umas leitoras fenomenais!!! Até ajudam a escrever o blog
:)
Zé Palmeiro, agradeço que mesmo com as férias com a família e tudo ainda consigas passar por cá. E eu que não retribuo a gentileza... Desculpa!
E abraços a todos os outros, sem-nick, estrela, gui, jbd, rs, TODOS.
Fico bem contente que o tema os tenha interessado como me interessa a mim.
E seriam mais se eu pudesse escrever qualquer outra coisa para alem do que já disseram
E eu, atrasadésima! Com o computador fazendo chantagens comigo... ;)
bjs
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