Outros tempos, ou outros feitios
Tenho andado há alguns dias a pensar numa coisa.
Eu ainda sou do tempo (e talvez vários dos que me lêem) em que grandes figuras do pensamento, da arte, da ciência, enfim daquilo que era ‘inteligência’ em Portugal, se via obrigada a imigrar por não ter cá as mínimas condições de trabalho, quando não teriam até que fugir devido a perseguições que lhes faziam.
Tantos e tantos nomes. Atrevo-me até a dizer que o contrário era raro: um grande intelectual, digno desse nome, e que estivesse bem integrado no Estado Novo, fosse por ele apoiado, e tivesse grandes facilidades. Esses casos contavam-se pelos dedos.
Todos os outros lutaram com grandes dificuldades. Lembro-me de figuras bem gradas que foram viver para França, para a Itália, para a Inglaterra, para os Estados Unidos, para o Canadá, para o Brasil... E, lá longe, quase sempre continuavam o combate por uma maior liberdade, por mais dignidade, pelo direito de opinião. Não me estou a lembrar de nenhuma dessas figuras de exilados contra sua vontade, que publicamente renunciasse à nacionalidade portuguesa por estar em desacordo com o governo deste país, nesse tempo. Creio que alguns até optaram por dupla nacionalidade, mas não sei de quem se tenha voluntariamente excluído da sua pátria de origem, quem por discordar do Salazar decidisse que já não queria ser português.
As notícias informam-nos agora que a pianista – brilhante, sem dúvida – Maria João Pires, que tem já duas nacionalidades vai renunciar à nacionalidade portuguesa e passar a ser apenas brasileira. Está tão zangada com as maldades de que tem sido vítima por parte de quem toma decisões na terra onde nasceu que não apenas se foi embora como nem sequer quer continuar a ser portuguesa. Na base desta decisão, dizem estar a falência do seu projecto de Belgais, sobre qual não tenho muita informação.
Muitos artistas são famosos pelos seus caprichos. Maria João abusa desse estatuto.
Da única vez em que estive mais próxima dela do que numa sala de concerto, foi certa vez em que estive na organização de uma festa onde ela tocaria uma ou duas obras, um evento onde a colaboração era «pro bono» E, alguns de nós, encarregues do apoio necessário, que ia desde levar para lá o piano (que tinha de ser de determinada marca e estar numas certas condições, o que se entende apesar das especificações serem de um enorme pormenor) àquilo que era indispensável estar no camarim, que era um rol bem comprido. Nessa altura fiquei com a ideia de que todos os artistas eram assim, mas mais tarde percebi que ela era especialmente caprichosa…
Quanto a Belgais já disse que não tenho muita informação sobre isso. Acredito que ela se sinta muito frustrada, se foi um sonho que não se realizou. Até aí consigo sentir empatia porque que também tenho lutado com muitas frustrações que me deixaram bem infeliz.
Mas, sinceramente, faz-me muita impressão que, por esse motivo, se dê uma bofetada desta violência em todo um povo - considerado não ser digno de ela ser sua compatriota - por uma pessoa que se sente maltratada pelo Governo Português.
É uma grande artista, de enorme sensibilidade.
Talvez demais.
Eu ainda sou do tempo (e talvez vários dos que me lêem) em que grandes figuras do pensamento, da arte, da ciência, enfim daquilo que era ‘inteligência’ em Portugal, se via obrigada a imigrar por não ter cá as mínimas condições de trabalho, quando não teriam até que fugir devido a perseguições que lhes faziam.
Tantos e tantos nomes. Atrevo-me até a dizer que o contrário era raro: um grande intelectual, digno desse nome, e que estivesse bem integrado no Estado Novo, fosse por ele apoiado, e tivesse grandes facilidades. Esses casos contavam-se pelos dedos.
Todos os outros lutaram com grandes dificuldades. Lembro-me de figuras bem gradas que foram viver para França, para a Itália, para a Inglaterra, para os Estados Unidos, para o Canadá, para o Brasil... E, lá longe, quase sempre continuavam o combate por uma maior liberdade, por mais dignidade, pelo direito de opinião. Não me estou a lembrar de nenhuma dessas figuras de exilados contra sua vontade, que publicamente renunciasse à nacionalidade portuguesa por estar em desacordo com o governo deste país, nesse tempo. Creio que alguns até optaram por dupla nacionalidade, mas não sei de quem se tenha voluntariamente excluído da sua pátria de origem, quem por discordar do Salazar decidisse que já não queria ser português.
As notícias informam-nos agora que a pianista – brilhante, sem dúvida – Maria João Pires, que tem já duas nacionalidades vai renunciar à nacionalidade portuguesa e passar a ser apenas brasileira. Está tão zangada com as maldades de que tem sido vítima por parte de quem toma decisões na terra onde nasceu que não apenas se foi embora como nem sequer quer continuar a ser portuguesa. Na base desta decisão, dizem estar a falência do seu projecto de Belgais, sobre qual não tenho muita informação.
Muitos artistas são famosos pelos seus caprichos. Maria João abusa desse estatuto.
Da única vez em que estive mais próxima dela do que numa sala de concerto, foi certa vez em que estive na organização de uma festa onde ela tocaria uma ou duas obras, um evento onde a colaboração era «pro bono» E, alguns de nós, encarregues do apoio necessário, que ia desde levar para lá o piano (que tinha de ser de determinada marca e estar numas certas condições, o que se entende apesar das especificações serem de um enorme pormenor) àquilo que era indispensável estar no camarim, que era um rol bem comprido. Nessa altura fiquei com a ideia de que todos os artistas eram assim, mas mais tarde percebi que ela era especialmente caprichosa…
Quanto a Belgais já disse que não tenho muita informação sobre isso. Acredito que ela se sinta muito frustrada, se foi um sonho que não se realizou. Até aí consigo sentir empatia porque que também tenho lutado com muitas frustrações que me deixaram bem infeliz.
Mas, sinceramente, faz-me muita impressão que, por esse motivo, se dê uma bofetada desta violência em todo um povo - considerado não ser digno de ela ser sua compatriota - por uma pessoa que se sente maltratada pelo Governo Português.
É uma grande artista, de enorme sensibilidade.
Talvez demais.
Desterrados, há de muitas qualidades...
22 comentários:
Olá Emiéle, bom dia!
Este fim-de-semana não pus cá os pés (quero dizer, nem toquei no teclado...) andei a desanuviar um pouco. E agora já não vou la atrás que para a frente é que é o caminho.
Beeeeeeeem....
Devo dizer que quando li fiquei assim a modos que confusa. Tenho bastante admiração pela Maria João Pires. Uma excelente executante, tanto quanto eu sei apreciar porque não sou nenhuma entendida. Mas olha lá, ela não é uma criativa, é uma interprete, uma executante, não é?... No campo da música (para ficar nesse) vem-nos logo à ideia o Lopes Graça, por exemplo, que até deixou uma grande obra e teve a vida que sabemos.
Tal e qual como lembras. Não amuou e rasgou o BI. Aquilo é uma atitude de birra e afinal fica mal é a ela.
Acho eu.
Aqui a «nosso comunidade» está um tanto murcha... Ao fim-de-semana felizmente tivemos o Zé Palmeiro e a Maria para salvar a honra do convento, mas hoje os madrugadores (como eu!) estão ocupados noutras áreas...
:)
A dita senhora em mau feitio. É um dado mais que sabido. Desta vez isto até parece assim com que um golpe publicitário, a mim que tenho a mania de ver coisas...
Gralha! Queria dizer tem mau feitio como se calcula e não em mau feitio. Em? A gente já fala à brasileira, mas aqui nem fazia sentido.
Ela vai passar a 'tocar à brasileira'?...
Tambem não gostei da atitude dessa senhora, uma grande interprete, que como alguns portugueses de valor, têm muita falta de humildade.
Se o projecto faliu o Estado, NÓS , não devemos continuadamente a subsidiar os caprichos da senhora.Afinal de contas prova com esta renúncia de nacionalidade, que provavelmente o governo terá alguma razão.Não gosto de pessoas assim e tenho muito pouco respeito por elas.Que seja feliz no Brasil e não lhe vão lá faltar companhias. O MST tb vai. Boa viagem para ambos a mim não me fazem falta..
Sabes Kika (olá! de novo na 'nossa companhia'? bem regressada!) o ir embora muita gente pensa nisso e até não direi que eu também se fosse mais nova não pensasse também. Mas uma coisa é ir viver noutro sítio, outra, completamente diferente, renunciar à nacionalidade.
E, é curioso, que há tantos brasileiros, todos orgulhosos da ascendência portuguesa!!!!!
Claro que uma coisa é «ir embora», afinal somos um país de imigração, desde sempre. Começou-se nos descobrimentos e nunca parámos. Mas tanto quanto os conheço os imigrantes têm sempre imensas saudades, não tem nada a ver com esta atitude.
Com o «estado» em que está hoje o país, entendo bem que se procure outro lugar. Sobretudo gente nova sem trabalho nem perspectivas disso (apesar de não ser exactamente para o Brasil, afinal os brasileiros estão a imigrar para cá...) mas uma coisa é ela estar zangada e aborrecida com a falta de resposta às suas propostas, etc, outra esta atitude drástica de renúncia à nacionalidade.
Caiu muito mal!
Eu penso que foi só uma ameaça.
Tal como aqui se disse «uma birra» de vedeta.
Não acredito que vá mais longe - afinal já tem nacionalidade brasileira....
Olha Joaninha a ida do MST saiu-me por acréscimo.Eu tambem ía , claro!! Não sei se para o Brasil, que não me atrai minimamente...
O que me incomoda é esta subsidio-dependência dos agentes culturais , que na minha opinião deve ter limites, que parece ser o caso.
Renunciar á nacionalidade é muito forte e revela muita coisa,de que não gosto...
Obg por notares o meu regresso
Só fui de férias e sem net , fez-me bem esta libertação de rotinas!!
Quando soube da notícia, escrevi sobre a mesma, na "sesta", pois fazia-me confusão o desenvolvimento desta situação.
Concordo, na essência com o teu escrito e, é fácil lembrarmo-nos de Jorge de Sena, Agostinho da Silva, Vieira da Silva, (Maria Helena), cuja nacionalidade é ainda disputada por Portugal e pela França e tantos tantos outros que seria impensável passá-los aqui, um por um.
Como diz a Kika, ela é uma "diva" e à boa maneira de "diva", faz as sua exigencias, excessivas para a maioria das pessoas, nas quais eu me inclúo. Lembro que o agora falecido Mickael Jhonson, quando esteve a actuar em Portugal, exigiu um "túnel" do camarim ao palco, que lhe permitisse um isolamento de tal forma total, que nem o empresário que o contratou, conseguiu chegar à fala com ele. São os chamados caprichos de vedeta. Também há, e são muitos e muitas, aqueles que sem qualquer merecimento, não deixam de fazer exigências, absolutamente incríveis para acturarem em qualquer lado, seria fastidioso enumerá-las.
A questão da nacionalidade é evidentemente uma birra entre ela e o poder político e agora que as eleições se aproximam, não podia deixar de ser a melhor altura para o desencadear. Por mim, que estou por fora de tudo é o que me parece ser e se ela quer ser brasileira, que o seja, felismente tem "LIBERDADE" para isso, sem publicidades sem birras, antes com a dignidade de um Agostinho da Silva, porque não?
O projecto Belgais, que pela amostra me parecia BOM, irá aguardar mais tempo, até que os senhores e senhoras de "LISBOA", (aqui como sede do poder absoluto), resolvam entender que o "Interior", também é PORTUGAL. Se alguma coisa está mal, emende-se mas não se destrua!
Tanto quanto vou lendo nas notícias, aquilo em Belgais parecia ser um «elefante branco» gerido sem grande jeito... E, pelos vistos, sem pagar a quem lá trabalhava! Por algum motivo o Tribunal decretou a arresto.
A gente sabe que os senhores das Finanças e os dos Tribunais no que toca a dinheiro, não são meigos e exageram muito. Sei de casos de dívidas bem pequenas que para as pagar foi suspenso todo o ordenado de uma pessoa.
Mas a dívida existia, não? Pelo que li, o Ministério da Educação até financiava o projecto, era até a única fonte de financiamento.
Que grande confusão!!!!!
...........
Se fosse a ela que devessem os tais 78 mil euros não devia estar lá muito feliz.
Olha, o comentário do Zé entrou quando estava a escrever o meu...
Por acaso não me referi ao resto da atitude, falei só do projecto, que pelos vistos foi mal gerido.
A verdade é que o Ministério da Educação (que por acaso até protege o que é privado...) financiava aquilo e não em tão pouco como isso!
Se tinha 40 alunos e recebia 170 mil euros, afinal o que são os tais «associados»? Se não davam dinheiro, davam o quê? Trabalho?
Lá isso...
Numa visão contabilística, o ano lectivo tem 10 meses, o que daria uma média de 17 mil euros por mês. Como aquilo tinha 40 crianças, dá mais de 400 euros por mês, por criança. Isso é uma boa escola privada completamente subsidiada.
Huuummm...
Ui, sem-nick e Mary, não sei se as contas podem ser assim tão secas.
Mas realmente é uma questão que fica no ar: afinal, os que faziam esses «associados»?!
Kika, não foi só a Joaninha que notou a tua falta, lá para baixo houve mais quem estranhasse, mas tinhas avisado que ias de férias.
Pelos vistos foram bem boas!
Eu, só lá para Agosto!
Só uma nota engraçada, não é a primeira vez que o pensamento me ocorre:
Em França, Rodin esculpiu O Pensador».
Em Portugal, Soares dos Reis, «O Desterrado»
.........
Será que significa alguma coisa? os franceses pensam e nós vamos para longe?
Isto já deve vir de "coisas" anteriores.O comportamento divânico está bem acentuado anteriormente.Mas gostava de saber concretíssimamente o que se passou em belgais.
A atitude de deitar fora a nacionalidade parece-me pouco bonita.
Agora parece aqui o dito por não dito, reina a confusão. No «i» podemos ler que afinal ela só queria ficar com as duas nacionalidades
Coisa estranha e que parece um rápido golpe de rins ensinado por advogado, porque pela notícia anterior tudo indicava que isso já ela tinha...
De resto a confusão de Belgais seria bom ser esclarecida, não é?
Também ouvi essa espécie de rectificação, mas há qualquer coisa que não bate certo....
Quanto ao Brasil, também duvido se iria para lá que a vida é muito complicada apesar de a terra ser linda. Agora do que gosto é do bom humor dos brasileiros. É incrível como aquela gente com tantas e tão grandes dificuldades consegue ver as coisas tantas vezes pela positiva.
FJ, de facto a telenovela de Belgais está muita mal contada! Por todos. Cada um a puxar à sua sardinha e acabamos por não entender o que se passou. Caía bem agora um comunicado ou coisa assim mas com dados, sem ser paleio.
Também, não tive acesso à internet este fim-de-semana (deliberadamente) e só ontem à noite vim cá espreitar; trouxeste o "Magritte", motivo mais que suficiente para eu ter gostado de comentar, é dos pintores "surrealistas" que mais aprecio.
Bom, mas, em relação ao "post", de hoje, já todos "puseram o dedo na ferida" e, eu não tenho mais nada a acrescentar, aguardo melhor esclarecimento em relação a "Belgais"...( tenho um amigo músico que fez lá residência artística, ficou muito bem impressionado com o projecto, foi no logo no ínicio do mesmo. desde então só sei o que vem na comunicação social) Sublime seria a "Artista",digo eu, com uma atitude diferente.
Olá a todos e também ao anónimo (que se calhar é dos que não sabe como deixar o nome sem url...)
Bom, como mostra o link do King, parece que agora os seus representantes dão o dito por não dito, etc e tal.
OK, OK...
Precipitou-se foi o que foi!
Caro anónimo, espero bem que não! A gente também pensa, né? Pelo menos alguns de nós!!!!
Deixa ir a senhora... Quem não está, não faz falta!
Mas eu também me "passo" com pessoas que dizem mal do país, dizem mal de tudo e de todos e em vez de lutarem para que ele melhore, optam por ir embora, ou mudar de nacionalidade.
Ela vai ser brasileira mas nós temos o Deco e um outro de que não me lembro agora o nome..
também o querido MS Tavares diz que está farto disto e que vai morar para o Brasil. A esse só um recadinho: já vai tarde!!
Saltapocinhas, este caso foi mais chocante não apenas por ir embora (aí é natural, afinal grande parte da sua vida foi passada no estrangeiro) nem por pedir uma outra nacionalidade (poderia ser mais fácil para tratar de algumas coisas) mas por declarar que renegava a que tinha.
E ela podia estar desiludida - quem o não está?! - mas comparado com os exemplo do «antigamente» a verdade é que tinha meios de protestar...
Até o Deco, pelo que sei, fomos nós que oferecemos a nacionalidade. E, já agora, ... ele perdeu a outra?!
Atenção, dei agora uma volta por aí, li umas coisas e quase me arrependo de ter escrito este post. Não levantei a menor sombra ao facto da Maria João Pires ser uma excelente artista e de a proposta de Belgais tanto quanto sei, ser uma ideia muito boa. Li umas opiniões aqui e ali que me deixaram estarrecida com o receio de entrar para aquela companhia que não desejo. Só me chocou a atitude de birra que me pareceu ter sido a dela, mais nada!
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