terça-feira, julho 14, 2009

Liberdade de escolha

Testamento Vital - ainda não foi desta.
Imagino que venha haver muita discussão e muitos exageros. É fácil confundir «testamento vital» com eutanásia e sabemos o choque que estes conceitos provocam entre certas áreas da sociedade. Prevejo facilmente que, na próxima legislatura, quando vier a debate a aprovação desta lei a discussão seja acesa. E, em certa medida, compreendo que o PS não se arriscasse a aprovar a lei já na recta final da legislatura, em vésperas de eleições, poderia muito facilmente virar-se contra ele – embora por outro lado fosse até um bom trunfo.
Mas é das tais coisas que, devagarinho, mas vamos chegar lá.
Como em todas as outras áreas dos direitos individuais. Tantas coisas que eram inconcebíveis há 100 anos e hoje são quase consensuais. A orientação sexual, por exemplo, hoje até é penalizado quem pratica descriminação com base nesse dado que se considera do foro de cada um, mas implicava prisão pela antiga lei. A interrupção voluntária da gravidez, cuja despenalização é tão recente. E agora o «testamento vital» que, mais tarde ou mais cedo, virá a ser aprovado, porque é o respeito pela vontade de cada um, o direito a uma morte digna decidido em plena lucidez quando ainda se tem saúde, mas actualmente levanta tantas objecções.
Posso estar enganada, mas creio que quando uma pessoa está lúcida é ela que aceita ou recusa um tratamento. A lei permite obriga a levar-se isso em conta. Para além da muito falada recusa das transfusões por parte de algumas crenças religiosas, pode por exemplo propor-se a um doente uma operação que ele, conhecendo ou receando o risco, é livre de recusar. Sei por experiência própria, fiz há uns anos uma operação e tive de assinar um documento em como concordava com ela.
Se assim é, porque é que não se aceita que a decisão do prolongamento artificial da vida se tome com antecedência?...
Entendo bem que, antes da lei ser aprovada, se oiçam vários pareceres. Correcto. É uma decisão grave e devem ouvir-se as comissões de ética. Mas já não entendo bem, que se cite "algumas personalidades, como representantes da Igreja, [...]".
Representantes da Igreja porquê? A Igreja pode aconselhar os seus fieis a usarem ou não esse direito - tal como com o divórcio, por exemplo - e os crentes devem aceitar o que ela diz. Mas só isso. A que título é que a Igreja vai decidir sobre aquilo que posso ou não fazer?

Não posso deixar de associar à lei religiosa muçulmana que condena barbaramente as mulheres pelo crime de usarem uma roupa não aceite pela religião. São religiões diferentes e a outra é hoje em dia mais brutal, mas o que está na base não é tão diferente – a recusa, por motivos religiosos, de uma escolha livre.


21 comentários:

Anónimo disse...

Emiéle, hoje cheguei muito cedo porque só cá posso voltar muito mais tarde, (um dia lixado!) mas este tema é tão sério que não posso deixar de o assinalar.
De realçar o teu toque sobre o papel da Igreja quando falas no divórcio. Muito bem apontado como exemplo! É um caso típico onde a lei civil o permite mas a lei da igreja não, portanto um autêntico católico fica casado para sempre, mas isso não quer dizer que o resto da população a isso seja obrigada. Tal e qual.

sem-nick disse...

Estou como o King – logo hoje que estou com pressa é que deixas um tema destes. Mas ‘marco lugar’ para depois do almoço.
Inté!

estrela-do-mar disse...

É inevitável. É o sentido da História. Os países mais avançados da Europa já o legalizaram e assim vai ser. Só pode ser!!!
A vida de cada homem e mulher deve pertencer-lhe. Assim como se acabou com a pena de morte se deve acabar com a pena de vida, que é o que certos prolongamentos terríveis afinal são.
Por mim, assim que for legal vou fazer o meu!

fj disse...

A nossa igreja, no fundo é tão teocrática como a muçulmana, basta ver como pretendem transformar em lei as suas crenças.É constante o apelo á desobão,ediência civil.E os "esforços" eleitorais quando é caso disso e até quando não era ).A sociedade é que vai mudando mais rápidamente e,expressament ou não,vai cortando certas veleidades ( na realidade não tenho muita fé no que escrevi, parece que só estou na crista do mar, e que falta profundidade mas para já vai assim).

Anónimo disse...

As religiões enquanto sistemas e instituições defendem a sua própria organização. Mas, não temos palas na cabeça, não é? Sou profundamente crente, mas duvido que a Igreja esteja de acordo com a irregularidade da minha vida. A bem dizer também não me interessa.

Mas esta questão do testamento vital interessa-me. Quero saber mais. Se um dia eu não quiser mais ninguém a mexer em mim, lúcida na minha vontade de poder dizer "chega, basta, adiante", gostava muito que isso fosse possível.

AB disse...

Talvez fosse uma das poucas iniciativas do PS que eu apoiasse...De resto com pouco tempo venho apenas fazer uma rectificaç~
ao.Houve de facto duas peças nas bancadas(as tais dos pontapés nas costas)mas foram exactamente as a que eu não assisti e parece que uma delas necessitava mesmo de gorro e casaco à boa maneira não grega mas do Jazz da Gulbenkian.Ontem apesar da extraordinária montagem o Lautreamont "caseiro" soa-me melhor...Mas(directamente à Emiele)foi um banho de gente...cumprimentos do Zé Manel Mendes.AB

josé palmeiro disse...

Testamento Vital.
A AB, tem razão, era uma das poucas do PS, de que gostava.
Lembro-me de imensos suicídios no meu Alentejo, chegamos a estar em primeiros no ranking e não sei se ainda assim será. A aprovação de uma lei dessas, baixaria certamente essa média e os alentejanos, nãoteriam que ser tão drásticos, a resolver os seus problemas. Quanto às religiões, todas, nem será bom falar disso.

kika disse...

O assunto é muito sério e tem de ser bem discutido e bem legislado.
Sendo eu apoiante desse dito testamento vital, gostaria que, só porque eu deixei manifestada essa vontade, não houvesse um familiar ou terceiros, sim que nós nunca sabemos onde vamos finalizar, decidisse prematuramente o meu fim. A questão ética é muito importante e eu não sei se o o País estará preparado para algo tão importante.
É que na minha opinião em todas essas conquistas que já foram referidas, não tenho visto os melhores resultados, diga-se em abono da verdade.Importante , importante é a educação e não me refiro só á académica , mas á educação do ser humano como um todo.Estamos a anos luz e parece-me que o carro em Portugal anda sempre á frente dos bois.
É preciso ter calma... e não decidir estas coisas em função de votos ou factos afins. É que a economia , aqui tb vai pesar!!

Anónimo disse...

Li a intervenção da Kika e estou de acordo.

Anónimo disse...

Bem, agora tenho um pouco mais de tempo (não muito) e venho acrescentar um pouco ao que os outros disseram.
É evidente que isso terá de ser muito bem feito e claro. Mas, com toda a franqueza, não estou a ver possível esse receio de que fala a Kika de que «um terceiro decidisse prematuramente o meu fim». A bem dizer, se um ser humano está ligado a máquinas, em vida vegetativa, em coma, etc, como é que é 'prematuramente'?... Afinal para quem é crente, é deixar que Deus decida, não será? Se o Deus em que acreditam considerar que não é a altura do Fim, não deixa que isso aconteça.
Sinceramente, vejo mais provável o oposto (e por aquilo que tem aparecido na imprensa de diversos casos) de se estar em estado terminal, no maior sofrimento, drogado a viver à base de morfina, ligado a máquinas para todas as funções vitais, e a família a querer manter a nossa «casca» na cama do hospital.
Eu, não queria isso. E gostava de ter uma palavra sobre esse meu direito.

Anónimo disse...

Até porque, e é curioso que não sou de todo crente, acredito que nós somos mais do que o nosso corpo. Ou seja, gostaria de ser recordado como estou agora, com a minha energia, inteligência (passe a imodéstia...) sentimentos, aquilo que me dá "Vida". Para o resto basta uma fotografia.

RS disse...

A 'palavra chave' é DIGNIDADE.
Querer morre com dignidade. Claro que depois de esgotados todos os meios de se poder «viver com dignidade» é claro.

(Não quero ser antipático mas o exemplo do Palmeiro foge ao assunto; o suicídio é uma coisa, neste caso estamos a falar de doenças terminais e do desejo de não prolongar artificialmente uma vida que já não o é)

cereja disse...

Olá AB (já reparaste que agora que só escrevo um post por dia tenho muito mais comentários...? a malta dispersa-se menos) Ainda bem que a ida lá foi boa, sobretudo pelos encontros. Tenho de te falar.
Quanto a este tema, eu sei que é pesado, mas apeteceu-me falar nele. Boa tarde Ciranda, é tão raro ver-te por cá... Não sabia que me visitavas, ainda por cima andas sempre a passear :)
Zé Palmeiro, entendo o que quiseste dizer mas o RS teve alguma razão. De facto é sabido, apesar eu não saber bem porquê, que a taxa de suicídio no Alentejo é elevada, creio que a mais alta de Portugal. A sua vida é bem dura, mas será isso? Afinal na Europa onde há mais suicídios é nos países nórdicos... Mas quando referi o «Testamento Vital» era pensando nos casos onde a vida biológica já é inviável, não a parte social ou mental.
King, é isso. Plenamente de acordo.

Unknown disse...

O "Testamento vital" será um novo conceito júridico e como tal e tratando-se de assunto tão sensível, como seja decidir em consciência não adiar a morte/não prolongar o sofrimento,não deverá ,como está implicito no post da Emiéle e outros mais referiram,ser discutido com pressões de qualquer origem. Será que irão ser ouvidos(uma coisa é serem ouvidos, outra é interferirem) o todos os "Credos" ou só o da ICAR - continuamos hipotecados à "concordata" - não seria já tempo de cumprirmos os desígnios de um estado que se diz laico?!
Quanto ao bom senso, já muitos médicos, no caso de doentes terminais, falo com conhecimento de causa, adoptam cuidados paleativos e por vezes sem os familiares entenderem não lhes é feito nada que não seja proporciar-lhes algum conforto se assim se pode chamar...E, é esse entendimento que é preciso consertar na relação médico doente e família quando este último já não está capaz.Espero bem que se discuta e se chegue a bom porto, eu serei uma candidata ao "Testamento Vital"

cereja disse...

Já viram que nesta pequenina amostragem, haveria 100% de concordância? Com as devidas garantias, é claro, mas quem aqui escreveu vindo de posições diferentes, encontrou-se nesse ponto.
Vamos esperar que o debate da A.R. seja no mesmo sentido.

Pedro Tarquínio disse...

olá Emiele e a todos os pópulos. Não tenho podido comentar aqui e hoje que posso gostaria de deixar a minha opinião.
Para mim este é daqueles assuntos muito pessoais e assim sendo a legislação deve ir no sentido de deixar as decisões pessoais com cada um, dando condições para todas as decisões serem respeitadas.
gostaria no entanto de deixar uma ressalva. infelizmente os cuidados de saúde em portugal são orientados cada vez mais por critérios economicistas, sendo as orientações as de despacharem (o termo é propositado) os doentes ou utentes como agora se chamam, o mais cedo possível.
E os casos em que o testamento vital terá aplicabilidade nem sempre são consensuais mesmo entre os médicos - falando apenas de aspetos clínicos. por exemplo, uma pessoa em coma é avaliada pela escala de glasgow que é muito restritiva a determinados parâmetros, não valorizando outros que para leigos dão indicações contrárias, e por vezes verdadeiras.
Quanto ao papel das religiões e igrejas concordo em pleno com o post.

Anónimo disse...

E é assim que se forma uma maioria.

Joaninha disse...

Costumo vir sempre à ‘abertura ‘ aqui dos tapais, mas hoje vi que não tinha tempo para comentar, e decidi vir mais tarde. Afinal, o mais tarde ficou tarde demais porque agora já disseram quase tudo.
Só uma pormenor em resposta ao Pedro, que tem muita razão; mas eu penso que exactamente para evitar que algum médico mais desejoso de cumprir as metas económicas da Saúde actual se precipite e considere que não há já recuperação quando pode haver é que esta coisa deve ser legislada e talvez um das condições é haver sempre várias opiniões de vários médicos. Como é a norma nos países onde isto já é lei?
Quanto ao ‘toque religioso’ realmente se desejarmos «ouvir» a opinião da Igreja então não devia ser só a católica, apesar de que pensar que não haja grande diferença das outras confissões...

Joaninha disse...

Amigo «anónimo das 22:26» esta maioria parece aqueles inquéritos onde as conclusões vão ao encontro do que já se sabe
:)
Os leitores do Pópulo (pelo menos os que comentam) pertencem a uma certa 'maioria'...

cereja disse...

Julguei que ontem, depois das 8 e meia a casa já estivesse fechada (pelos menos dos visitantes habituais..) mas ainda tive a visita do Pedro Tarquínio que me acompanha desde sempre e da fiel Joaninha.
Portanto ainda lhe devo responder.
É claro que este é um assunto MUITO PESSOAL, exactamente. Por isso mesmo, devem ser ouvidas todas as opiniões e conselhos, mas deveria ser deixado ao livre-arbítrio e consciência de cada um o que fazer com a sua vida. Como sabemos que não podem decidir sobre nós para «o mal» (matarem-nos, por exemplo) também não devia ser decidido por nós para o suposto «bem» (continuar por meios artificiais uma vida que não se deseja já). E pelo exemplo pessoal que dei,eu sei que para algumas operações é pedido o consentimento por escrito do paciente. Afinal é transpor isso para outro campo, não muito diferente.
Pedro, a ideia que tenho é que se tenta «despachar», como bem disseste, os doentes do hospital para fora. Claro que o terminar com os cuidados seria um risco mas para isso a família poderia sempre ouvir outra opinião.
Anónimo e Joaninha, creio que quando falam da «maioria do Pópulo» estão a gozar, mas olhem que às vezes há maiorias deste tipo...

josé palmeiro disse...

Como ando um pouco afastado da net, não estiva aqui, em tempo real.
Qual antipatia, RS? Nada disso, o meu amigo ou amiga, tem todo o direito de manifestar o seu estado de alma.
Quando referi o suicídio, na minha região foi, porque sei que, em alguns casos, é mesmo para resolver os ditos terminais, que, de outra forma e sem o tal Testamento Vital, não teriam solução, a não ser aquela.