Grandezas diferentes
Havia, já há muitos anos, na Rua do Carmo à direita de quem a sobe, uma charcutaria muito elegante e que vendia produtos muitos bons e muito caros.
Quando eu era criança lembro-me de ouvir contar uma historieta, sobre uma senhora que ao passar lá em frente viu expostas umas laranjas com muito bom aspecto, entrou e pediu se lhe pesavam 2$50 de laranjas (se não é esta quantia seria algo semelhante, normal na época em que se contava a história) ao que o caixeiro, muito sério, lhe respondeu «Peço desculpa, minha senhora, mas não vendemos as laranjas aos gomos»
Muitas vezes ao ver afixados certos preços, paro a confirmar se não há para ali um zero a mais e lembro-me dessa história. Há por aí preços de tal modo absurdos, que fico a pensar se estão a falar de uma unidade ou de uma dúzia… Mas, por outro lado, os senhores da publicidade que sabem imenso de psicologia descobriram como dar a volta à nossa cabeça, ou seja vender-as-laranjas-aos-gomos, sem o dizer expressamente.
Quem não tem visto anúncios do tipo «por apenas 10 € * pode comprar o carro xptl», por exemplo? E é verdade. Depois, no rodapé, em letras pequenininhas, vem a explicação do asterisco: «por dia». Ou, outra versão, no supermercado vemos morangos, nêsperas, cerejas a preços muito em conta, mas quando verificamos melhor, a fruta está em caixinhas de 250 gr e os preços correspondem a cada caixinha, ou seja 4 vezes mais do que aquilo que tínhamos julgado.
Bem pensado, não é? Dividir para reinar, ou pelo menos para confundir. Como quem espreita por um binóculo ao contrário.
Mas, mantendo a imagem do binóculo, também podemos olhar para as coisas pelo modo habitual de usar o binóculo: olhemos para o nosso ordenado, por exemplo. Não é grande coisa, se calhar. Mas a verba que escrevemos ao pagar o IRS corresponde ao ordenado anual, e…. ena pai! ao ano parece TANTO, milhares de euros!
Pois é.
A verdade é que, quer num caso quer noutro, não se está a olhar directamente a realidade.
Estamos a jogar com ordens de grandezas diferentes, e nem sempre se leva isso em conta.
22 comentários:
Sabes, Emiéle, esta dança de «vendedor-comprador» faz-me sempre lembrar as doenças e os medicamentos.
Existe uma doença, e portanto inventa-se um remédio. Passado algum tempo, a dita doença começa a conhecer o medicamento e deixa de reagir a ele; procura-se então uma nova fórmula, que é eficiente uns tempos até o organismo se habituar e então deixa de fazer efeito; descobre-se um terceiro...
Chega, não é?
Para mim é algo de semelhante. Quem quer vender uma coisa gaba-lhe as qualidades. mas às tantas isso não chega. Portanto inventam-se «cerouras» para pendurar à frente do focinho do burro. Cenouras essas que vão mudando de cor, de tamanho, de sabor, à medida que o burro já não lhes liga. Mas como disseste ontem «todo o burro come palha» e os bons profissionais sabem como fazer para lha dar a comer.
Ena, com um comentário tão grande, esqueci-me de dizer que achei imensa graça à tua história de há 5o anos.
Acho que me lembro dessa charcutaria! Tinha realmente muito bom aspecto e cheirava bem - a queijos, a enchidos, a fruta também.
Pois era Zorro. mas entretanto ardeu o Chiado e só ficaram as fachadas de muitas dessas lojas.
é um tanto ou quanto simbólico, isso de ficarem «as fachadas».
é que, pegando no que dizes no post, nós hoje (e se calhar dantes também...) metemo-nos em avarias de consumismo, não tanto porque se «precise» mesmo daquilo que vamos comprar mas sim pelas aparências e porque «os outros também têm».
Essa coisa do carro é uma das que tal. Hoje quase toda a gente tem carro. Há famílias onde existem vários, quase que um para cada membro. E com justificações que desmontadas não são bem correctas. Com o preço a que fica a comprar e manutenção de um carro, viajava-se para grandes distâncias de comboio ou camionete, na cidade com passe social ou numa urgência de táxi. E poupava-se! Porque para além do preço dele (há muita gente que anda 10 anos a pagar um carro, ou seja é uma despesa mensal de 200 e tal euros!) e da gasolina que já se sabe que é cara, (mais uns 100) as revisões, e o seguro. E depois o preço do estacionamento, uma ou outra pancadinha, etc, façam contas.
Mas depois a indústria automóvel caía, perdiam-se postos de trabalho, e por aí fora. Decisão difícil...
Pois, não se leva em conta e assim se derperdiçam muitos euros.Acontece com muita frequencia e há dias comprei bróculos no Lidl a 3 euros o kg, por causa desse empacotamento, que nos leva ao engano.Senti-me defraudada porque na minha rua havia bróculos a 1,50 o kg.é preciso estar com atenção porque as estratégias de venda são muitas. É o salve-se quem puder.
Essa de andar a pagar um carro 10 anos, não sabia. Uma casa admite-se agora um carro... Será que as pessoas sabem fazer contas, no minimo de multiplicar? É por essas e por outras que uns enriquecem muito á custa de o empobrecimento de outros tantos!!!!
Deixem-me entrar na conversa:
Se já há créditos a 10 nos eu não sei, mas a oito é quase obrigatório. Uma amiga minha comprou agora um. Ela queria pagá-lo em menos tempo mas deram-lhe a volta de tal modo que acabou por fazer o empréstimo a 8 anos. E NÃO QUERIA!!!Porque o certo é que está um tempo absurdo só a pagar os juros! Mas ter muitos juros é que compensa e quanto mais alongado for o crédito maior são os juros!
De resto já tinha dado conta dessa piscadela de olho que é o «dividir para reinar» as coisas a conta gotas parecem realmente bem mais baratas! Não tinha visto isso dos supermercados, mas faz todo o sentido.
:)
E está muito bem visto a operação oposta. Nós em Portugal não costumamos fazer contas a quase nada ao ano. Mas há países onde se pergunta «quanto ganha» e a resposta é realmente o salário anual. E evidentemente que sai bem engrossado. Até tenho vergonha de dizer o meu anual! Pareço rico. lol!!
São as estratégias do marketing.
A nós, cabe-nos, ser atentos sem ser venerandos, e vasculhar tudo, para evitar ir em cantigas.
A história, da charcuteria da rua do Carmo, "Jerónimo Martins", se a memória me não falha, é magnífica e ilustra bem que desde sempre esse equívoco existíu.
Sejamos atentos, comparemos preços e compremos o que mais nos convém. De qualquer forma, estamos, sempre, sujeitos ao engano!!!
Só para rectificar, o Jerónimo Martins, ficava à esquerda, logo, não era.
Zé Palmeiro, podia ser a charcutaria do Jerónimo Martins, mas a firma em si era um pouco mais acima. E cá para mim a história foi mesmo verdadeira. À senhora em questão não lhe passou pela cabeça que as laranjas fossem assim tão caras!
Zorro, está muito bem visto isso, da resistência à medicação. tal e qual. Depois criamos outros anti-corpos que por sua vez vão ser anulados por outra coisa qualquer!...
É Joaninha, muitas vezes é só fachada :)
Certo King, eu, quando pago o IRS fico sempre apalermada ao ver o meu rendimento... anual! Tchi!!!
Olha?... Esta é formidável!
O comentário acima era meu.
Como é que sou anónima no meu próprio blog??????????
É o tal jogo de cintura. Por um lado dizem-nos que só compramos se quisermos ( é verdadinha!) mas por outro criam-se condições para cairmos nestas ratoeiras. Temos de ter maleabilidade para dar a volta para trás, para o lado, quando o pé já está levantado para se cair em cheio na armadilha desse consumo.
Aliás o outro truque (apesar de mais batido) também funciona, e é tirar uns cêntimos ao produto e aumentar muito o primeiro algarismo. Quando vejo 9 em letra garrafal e, depois vírgula 99, apesar de tudo o meu cérebro regista que são só 9 euros - ou 9 mil, para o caso tanto faz... Parece bem mais barato do que é!!!
A unica vantagem do rendimento anual é que moraliza muito, se não se olhar para tráz.
Ontem paguei 5 euros por dois registos, ia morrendo
E a porcaria do euro, com essa coisa de ser uma moeda grande (??) ainda piora as coisas. Estás a ver, FJ, dizer que pagaste 5 € não impressiona muito mas se pensarmos que pagaste um conto de réis = 1.000$00, já se pensa «que caraças!!»
Como eu gostava de me desligar do "escudo"!!!
Mas não consigo, como a maioria de vocês, por uma simples razão, nós continuamos a "ganhar", em escudos e a pagar em "euros"!!!
Bem visto, Zé.
Não recebemos e pagamos na mesma moeda...
Só ainda não sei se não será, em certa medida, ao contrário: recebemos em euros porque parece tão pouco, e pagamos em escudos porque nos parece sempre uma grande quantia.
Mas a não ser a malta muito novinha, adolescente, que a sua vida activa já foi passada no reino do euro, quem viveu sempre pensar em escudos tem dificuldade. E pelo que sei não é só cá. Tenho ouvido franceses a trocar o euro por francos...
Razão sem-nick, só percebi o que isto ia dar depois de viver em macau, a pataca a 20 escudos,mais uma era mesmo diferente,Aqui é 10 vezes pior|
"A CHARCUTARIA ELEGANTE"que a Emiéle se refere, era a "Charcutaria Martins e Costa" (fundada em 1914-via site da CML); não havia dia que não passasse por ela, nos finais dos anos 70, eu trabalhava na rua Nova do Almada, muito próxima da “Casa Batalha” (o estabelecimento comercial mais antigo da cidade e do País, fundado em 1635-site da CML) e da lindíssima “Pastelaria Ferrari.
Quero acreditar que este modelo de "capitalismo desenfreado" a que "não se olha a meios para atingir fins" terá os seus dias contados.
Reconheço que o "Modelo"possui uma estrutura complexa e precisaria da acção de vários actores(Governo, empresas,ONGs,consumidores) para se alcançar uma mudança significativa.Mas da maneira que a crise se tem vindo a implantar, é impossível que essa lógica de produção, de venda e de consumo, a que estamos sujeitos,resista por muito mais tempo.
"Grandezas diferentes"
"As pessoas deveriam se consciencializar de que a medida de qualidade de vida e sucesso deveria ser muito menos o que elas "têm" e muito mais o que elas "são"
Erich Fromm in "Análise do Homem"
Bom fim -de -semnana!
Maria, tens toda a razão.
Foste, extremamente, precisa, identificando a charcuteria, convenientemente. Agora, consigo situá-la na perfeição. Se a memória me não falha, no incêndio, desapareceu também um ex-libris dessa "Casa", a sua "garrafeira", considerada uma das melhores do país.
Apoio também a tua incursão no império Belmiro, bem como a belíssima citação do Erich Fromm.
Bom fim de semana, também para ti e para todos.
Pois é.
O nome não me lembrava, mas tinha a ideia de que estava muito perto da Ferrari e da Casa Batalha, por isso respondi ao Zé Palmeiro que «podia ser a charcutaria do Jerónimo Martins, mas a firma em si era um pouco mais acima» ou seja na minha memória apesar de não recordar o nome, sabia que não estava ligada 'materialmente' ao J.M.
Esse questão do SER e do TER é complicadíssima. E impressiona-me muito que, como como escrevi aqui ontem no último comentário muito miúdos de hoje se agarrem tanto ao TER.
Pode ser uma pieguice, mas ainda acredito que as coisas mais importantes não se podem comprar.
Pelo menos com dinheiro.
FJ, a pataca a 20$00 era tramado!
A gente esquecia-se de que 20$00 até tinha sido uma nota de banco... E dava pelo menos para um caf´!
Dizia-se «é só uma pataquinha»... mas não era SÓ!
E era engraçado que as fracções eram chamadas «avos».
Duas patacas e trinta avos.
Eheheh!
Emiéle O Eduardo Martins e o Jerónimo Martins ficavam no prédio de esquina com Garrett e a Nova do Almada, hoje, "A Zara" e a charcutaria era ao lado da Custódio Cardoso casa de instrumentos musicais em frente aos Armazéns do Chiado.
Essa foi a "minha Zona", durante alguns anos, ainda bem que em 1988 já não vivia em Lisboa....
Enviar um comentário