quinta-feira, junho 26, 2008

As crianças e a TV - II

Ora bem, vou continuar a pensar um pouco nesta coisa dos malefícios e benefícios da tv e já agora vamos falar de bons e maus exemplos.
Disse ontem, à laia de provocação, que o televisor é um electrodoméstico. Claro que tem as suas diferenças do fogão, microondas, máquina de lavar, mas para mim considero que só nos fazia bem se o usássemos como qualquer destes. Acendemos o fogão quando queremos cozinhar ou liga-se a máquina se há roupa para lavar. Depois apaga-se/desliga-se. Também se devia ligar o televisor quando há alguma coisa de interesse para se ver. Acabado isso, voltamos a interessar-nos por todo o mundo à nossa volta.

Mas sabe-se que assim não é. Esse aparelho ocupa hoje o lugar ancestral da lareira, é em seu redor que nos sentamos, é em função dele que se dispõem os sofás, é a peça fundamental de uma casa. Quando acaba um programa que nos interessa, não se desliga, começa-se a fase do zaping, procurando desesperadamente algo que nos entretenha e maldizendo a nossa sorte quando não se encontra nada de jeito!
Aquele monstro é de facto um eficiente bloqueador de conversas e, se está ligado quando há visitas, chega-se ao cúmulo de se estar a olhar para lá em vez de conversar com os nossos amigos!
Este é o modelo. Dos adultos.
Agora transponham isto para a cabecinha em desenvolvimento de uma criança. Esse biberon electrónico, não implica o menor esforço, basta olhar e tudo vem até nós. Ora exactamente por isso não há a menor interacção, não há partilha, não existe «o outro». O movimento faz-se num sentido só, do ecrã para o observador.

Mas a infância é quando se aprende a viver em sociedade. Onde se descobre que há outros seres semelhantes a nós, com vontades, com quereres, com desejos, que podemos amar ou detestar, que nos podem ajudar ou prejudicar, e é com eles que vamos de ter de viver a nossa vida. E isso vai encontra-se no contacto directo com os outros, com os nossos pares.

Quando ontem critiquei a tv-babysitter foi, para além do mais, porque ela não pega ao colo, não cheira a nada, não é quente, não é macia, não dá beijinhos, não grita nem fala meiguinho. É uma máquina, e uma criança pequenina não precisa de máquinas, precisa de um adulto que sinta que cuida dela. Claro que ‘aceita’ a versão máquina se não tiver nada de melhor. E, mais grave ainda, até se pode habituar a ela. Mas fica lá uma lacuna, faltou o calor humano.

Depois, na criança já não tão pequena, vai faltar o convívio. É certo que durante o dia, na escola, esteve com meninos como ele. Mas aquilo foi na escola. Foi muito importante, tiveram recreios para brincadeiras colectivas, e aulas para trocarem experiências de conhecimentos. Mas debaixo do olho da educadora, não é? Quando é que se pode fazer asneiras por sua conta e risco? Quando se podem contar segredos aos amigos? Quando se pode imaginar uma brincadeira onde toda a nossa fantasia possa ser usada?
Essa partilha, é a semente da socialização. Descobrir que o outro é do nosso clube de futebol [ou não, e afinal até é um tipo giro], ir com a amiga para o quarto ver quem é que salta mais alto em cima do colchão, brincar «aos médicos» onde se contacta com o corpo do outro ao vivo, apanhar o amigo a fazer batota no jogo que jogamos e darmos-lhe um pontapé que até vê estrelas, mas é para saber! Porque brincar é afinal ensaiar a vida que se está a começar a viver e para isso vai ter de se fazer muitas tentativas e erros.
Ora a criança, ajuizadamente sentada frente ao ecrã, não beneficia de coisa nenhuma destas. A vida aparece-lhe embrulhada em papel celofane. Ela vê, mas não toca. Podem dizer que é muito estimulada, que aprende muito. Se calhar até é estimulada demais! Vai ter de apanhar muitos estímulos visuais e auditivos ao mesmo tempo, e depois irá impacientar-se se na sua vida quotidiana o ritmo não for esse.

Bem, e aqui já nem falo na publicidade de que a tv está cheia e que eles aprendem tão bem, dirigida certeiramente a crianças, estimulando o consumo de determinados alimentos e fazendo-os cobiçar os mais sofisticados brinquedos. Mais do que um erro, isso é quase um crime.

21 comentários:

Anónimo disse...

De facto a tua 'veia didáctica' está a vir ao de cima
:D
Mas repara que alguns dos comentários de ontem também mostram que há muito quem resista à corrente. O Palmeiro já há mais tempo e a Saltapocinhas mais recentemente, são dois exemplos. E muitos mais deve haver. Qualquer dos dois acompanharam os filhos e não lhes instalaram a tv no quarto.
Mas, se eu bem entendo, hoje insistes no peso do «exemplo» e não posso concordar mais. É muito difícil para não dizer impossível, convencer uma criança a fazer uma coisa que lhe desagrada (ou não fazer uma que lhe agrada, melhor dizendo) quando repara que os pais a fazem! e esse vício da tv é generalizado.
Conheço muita e muita gente, que abre a porta da rua, acende a luz e liga a tv, tudo de enfiada. Nem fica a olhar, depois vai tratar do que precisa mas aquele gesto foi automático!
Por outro lado, tenho mesmo de concordar que há muitas crianças mal socializadas porque o seu convívio é só com o pequeno ecrã.
Tá mal.
Mesmo mal!

Anónimo disse...

Já viste que os posts grandes atraem comentários também grandes...?! :))
Também me apetecia escrever muito, e contar experiências. Vou voltar um pouco mais tarde, mas queria apenas chamar a atenção que o tempo não pode voltar para trás (só na cantiga) e o convívio entre crianças não é fácil hoje em dia. Já nem é mau que o façam na escola...
O que me assusta é que em relação à tv se cria uma verdadeira dependência. E essa coisa é sempre péssima. Ver um dvd, um bocadinho de bonecos animados, é um coisa. Ficar em crise se não viu o Morangos com Açúcar ou a Floribela, já é outra coisa.
Como equilibrar isso?

Anónimo disse...

Olha King, há também uma questão de atitude. Concordo que não se possa nem se deva mandar as crianças brincar na rua, hoje. Mas repara quantas não vivem em prédios enormes, com dezenas de vizinhos. Não acredito que não se encontrem nessas dezenas dois ou três mais ou menos da sua idade com quem faça um pequeno grupo de brincadeira e convívio. E será apenas subir ou descer a escada para estar uma hora a brincar com alguém da sua idade...

Anónimo disse...

Só um sublinhado.
Gostei muito quando disseste que a tv « não pega ao colo, não cheira a nada, não é quente, não é macia, não dá beijinhos, não grita nem fala meiguinho »
Tal e qual.
No outro dia falaste de abraços, e foi do que me lembrei.
Uma criança precisa de abraços!

josé palmeiro disse...

Este escrito, eu, não o comento.
Já disse tudo o que entendo sobre o assunto e agora que clarificaste, ainda mais a tua ideia, que coincide, inteiramente com o que penso, fico-me por aqui.
Tens então, todo o meu acordo.
Voltando ao "ferro", cá por mim, quando alguma peça não está ao meu gosto, passo-a eu, quanto ao resto, sigo o teu conselho.

Anónimo disse...

Não estava a ver o que era o ferro de que falava o Palmeiro, mas já fui ao post de que este é a segunda parte, e entendi tudo.
Como dizes lá, realmente os comentários também são como as cerejas...
E aqui falas do modelo que se mostra às crianças e só posso estar de acordo. Contudo há ainda outro «modelo» chamemos-lhe assim, que é aquele que a sociedade impinge. Na escola, se os colegas falam de algumas coisas, claro que desperta a curiosidade de saber do que é que falam!
E acabam por sentir oa pais como uns tiranos que querem que eles sejam uns «anormais». É difícil.

Anónimo disse...

Claro!
(isto é para não deixar um comentário grande...! ) :D

Ana disse...

E se os nossos filhos crescerem a pensar que nao temos que ser todos iguais?
que cada individuo, cada familia e um universo e que deve ser respeitado?
E se dissermos ao nosso filho,
"Eu sei que o X ve os morangos com acucar mas na nossa familia gostamos de fazer outras coisas."?
Nao temos que julgar o outro em funcao de nos, nem nos em funcao do outro. Educar para a Liberdade e muito mais do que falar do 25 de Abril e explicar o que e uma eleicao. E promover a apropriacao de direitos e responsabilidades inerentes as liberdades individuais.

Espero nao estar a educar os meus filhos como anormais. Nem que eles me vejam como uma Tirana. Espero ansiosamnete que crescam saudaveis e livres.

Quanto ao ferro fico agradavelmente surpreendida de verificar que ha homens a passar a ferro. Mas para mim, o tempo dos homens e tao valioso como o das mulheres. Os pais sao tao preciosos como as maes. por isso a minha aversao ao ferro e tambem ela universal e inclusiva no que diz respeita aos homens.
Experimentem la a minha receita e vao ver que so sobra a toalha para a mesa de Natal e as camisas/vestidos para casamentos e bapt.

josé palmeiro disse...

Ana, vai-me desculpar esta intromissão.
Realmente, o "FERRO", como tantas outras coisas, a maioria delas, diga-se de passagem, não me agradam nada. Só as utilizo, quando delas necessito, ou penso que necessito ou até, se penso que utilizando-as, me facilita a vida, de qualquer maneira.
Mas longe de mim arranjar uma polémica por causa disto, se assim já está a dar trabalho, com polémica, ainda mais.
Vou, fazer-me, então convidado, essa a razão de aqui ter voltado.
Que esse "chá" proposto à Emiele, seja, em primeiro lugar, CHÁ DOS AÇORES, o único chá da Europa, e que seja alargada a participação aos fieis do Pópulo, que assim o desejarem, com uma condição, à escolha, de duas: Ou vão todos, com roupas por passar ou vão os que assim quizerem, com roupas, vindas da lavandaria. Está combinado?

Nota: os que entenderem, podem levar uma TV de bolso, para não perderem a "novela da tarde"

Ana disse...

ihihih, Jose!
Combinado.
Veja la que eu ainda vivo tao longe (bom mais perto dos Acores do que de Lisboa) e so bebo cha acoreano. Mais uma coisa purista minha! : )
Ate breve

Ana disse...

e verdade, nao tinha reparado que ainda nao disse mas tambem tenho um blog
www.jardinsdesbartolomeu.blogspot.com
ai vao ver quao purista eu sou!

Anónimo disse...

A chegada aqui da Ana, tem sido bom porque 'agita as águas' concordemos ou não com ela!
:D
Eu cá até acho que os miúdos não acham que não somos nada todos iguais. Ele (ou ela) acha que é bem diferente do irmão e daí o reivindicar várias coisas pessoais! E, uma das questões complicadas é quando acham que são completamente diferentes dos pais (se calhar ainda vais falar nesses casos, dos putos birrentos e agressivos que levam tudo atrás deles) ou dos adultos que conhecem.
Mas a minha experiência com crianças diz-me que elas gostam realmente de se integrar num grupo e de sentirem que são «iguais» mesmo que os pais lhes ensinem que é bom ser diferente.

Anónimo disse...

Vinha responder ao comentário da Ana, mas entretanto entrou o da Mary, que diz parte do que eu vinha dizer.
Eu até ensino e insisto em que os meus filhos respeitem a tal diferença. Falamos bastante de pessoas de outra cor, de pessoas com deficiência, até de pessoas com outra orientação sexual. Mas o certo é que em determinada fase da vida eles querem mesmo fazer parte do grande grupo e macaquear o que o tal grupo faz ou o líder faz e usa. É normal.
Tenho até informações e conheço casos onde os putos acabam vítimas de bulling exactamente por serem muito 'diferentes' ou serem considerados como tal.
Não é fácil.

Ana disse...

Pois nao. Nao e nada facil.

uma historia
Nos nao somos fumadores. Ha muito tempo o nosso filho comecou a fazer perguntas sobre fumar e sobre fumo.Nos fomos respondendo. E uma escolha. nao e saudavel... ha doencas associadas aos grupos de pessoas que fumam. ele tem 6 anos e fomos dando informacao de acordo com as suas perguntas.
Um dia destes fomos visitar uma tia. A tia tinha em sua casa um cinzeiro com beatas.
O nosso filho:
mae, a tia fuma?
eu:
nao sei.
ele:
quem fuma nesta casa?
eu:
pergunta a tia.
ele
tia quem fuma nesta casa?
a tia:
quem lhe apetecer
ele
essas pessoas nao sabem que fumar nao e saudavel!

Ter coragem para ser diferente nem sempre e mau.

Anónimo disse...

Claro que não Ana.Mas, curiosamente há neste discurso qualquer coisa de "aprendam,que a minha diferença é melhor que a vossa".Oxalá esteja enganada.AB

Ana disse...

ab longe de mim tal ideia.
alias ja disse aqui que respeito profundamente a liberdade de cada individuo.

cereja disse...

Olá, cá venho eu para um primeira 'rodada', espreitar o que se está aqui a conversar.
Olha Ana, ainda bem que deixaste o nome do blog, que eu já tinha tentado ver qual é clicando no nome mas não ia lá dar :D
Ora muito bem, a conversa vai andando sem intervenção minha. Gosto disto. tem assim mais ou menos um ar de 'forum', ou coisa dessas...
:D Olha Ana, a minha amiga AB é mesmo assim, dispara logo. Acredito que não pertenças ao grupo de que ela fala, mas eu cá sorri, porque sei muito bem que é tal e qual isso. Há para aí algumas pessoas que respeitam muito tudo, desde que os seus valores venham à frente.
O que não quer dizer que não defendamos os nossos com unhas e dentes. Aliás é o que estou a tentar 'impingir' aqui, se vocês deixarem
Eheheheh!!!
(de qualquer modo, para já acabei a tv; para a semana vou opinar sobre outro ponto; sou muito opinativa como já viram)

Anónimo disse...

Pois a conversa está boa e os conselhos da Ana sobra a passagem da roupa muito instrutivos...
Voltando à vaca fria, uma vez que se considera que o excesso do tv não faz bem, que estimula alguns aspectos menos bons como a falta de dialogo etc e coisa, como se faz para evitar essa desgraça? dizer «quem manda aqui sou eu e não há cá tv p'ra ninguém?» Corrê-lo à sapatada a chorar baba e ranho e obrigá-lo a ter uma ocupação como deve ser, que lhe estimulo «boas competências» segundo o jargão da moda?
Como falaste em bom senso, não pode ser isso com certeza.

Anónimo disse...

Eu estava a gozar.
Relendo o que disse pode parecer muito agressivo e não era a ideia.
Mas a verdade é que temos de achar um equilíbrio entre a teoria e a prática como disseste ontem.

Alex. disse...

Confesso que por vezes me apetece "ver televisão", independentemente de querer ver algo especifico, e acontece-me fazer o tal zapping, sobretudo quando estou muito cansada mas sem sono. Quando o meu filho está acordado, ou quando eu me sinto mais normalzinha, tenho uma séria propensão para desligar o bicho: o barulho de fundo e permanente mexe-me com o sistema nervoso. Claro que o miúdo começou por não estar de acordo... mas já se convenceu e, por agora, consigo controlar a "dependência" (algumas vezes à conta de alguma "chantagem de substituição")
Essa coisa do "chega a casa / liga a TV" põe-me fora de mim, é demasiado "George Orwell".

Quanto ao resto, e fundamental, do que dizes - supõe-se que para dar abraços é preciso "tê-los"... E vai por aí uma crise...

(PS- deixei-te uma resposta no blog que gostaria que visses. Bêju)

cereja disse...

Uma cusquice - A Ana vive nos EUA? É que «mais perto dos Açores do que de Lisboa» só pode...
Olha 'sem-nick', o que é que queres, realmente a diferença entre teoria e prática nem sempre é fácil! Eu comecei por dizer isso. Aqui o testemunho da Alex fala por mim. Também eu (mesmo que a tv não esteja no centro da sala, e não a ligue sem ser para ver alguma coisa) muitas vezes se não estou para fazer nada e me dá a preguiça, fico ali a oscilar entre o CSI do AXN, ou o House do Fox, ou o 'Crime disse Ela, do Fox crime. O meu zaping é um tanto controlado pode também meter a TV5 ou a Mezzo quando alargo um tanto.
Mas o modelo que tento cumprir é esse: esta coisa usa-se para ver algo em concreto, não é para «fazer companhia» felizmente!!!
Ainda em relação ao sem-nick, claro que há uma parte de autoridade que é necessária, mas olha que não estou aqui a dizer que maltrates as criancinhas, nada disso. Bolas, então não sabes até onde se pode ir...?
Querida Alex, no outro dia falei em abraços, que é tão bom, e tal como dizes e era a mensagem que quis passar, para se dar abraços temos de os ter. Essa coisa dos afectos tem muito que se lhe diga...