quarta-feira, agosto 22, 2007

Os caminhos da cultura

Como já aqui disse estou de férias numa aldeia pequenina com meia dúzia de habitantes permanentes. Tem uma única loja.
Fica a poucos quilómetros de uma outra mais importante, que já tem mais comércio, tem bombeiros, e até um cemitério junto da igreja. Mas mesmo esta, se é um pouco mais importante e aí já param as camionetas – o que não acontece na ‘minha’ – é ainda muito pequena, terra onde quase todos se conhecem e as casas mais altas têm primeiro andar… O interessante, é que esta terrazinha que nem sei se vem no mapa, tem um belo edifício, o Cine-Theatro, e lemos na fachada a data da construção – 1887. Vendo por alto, há mais de 100 anos aquela gente, que não acredito fosse muito rica, considerou que se justificava construir um bom edifício para receber os actores que em tournée parassem por ali, e quando o animatógrafo ficou mais popular deviam fazer ali umas concorridas sessões de cinema.
Mas há mais. Mesmo a ‘minha aldeia’, esta tal que só tem uma loja, um chafariz e uma cabine telefónica, para além de uma capela e um largo com coreto (o que pressupõe que de vez em quando tocaria ali uma banda), também ela tem, num edifício próprio, uma Sociedade Recreativa chamada «Tuna Euterpe União do ****» com a correspondente lira por baixo do nome, e ficamos a saber que foi criada em 1925 pela placa que lá está.
Não dá que pensar?
O que é isso de cultura?
O meu jovem vizinho da casa ao lado, que tem 100 canais na sua televisão por cabo, pensa que Euterpe é o nome da sócia fundadora desta Sociedade Recreativa.

12 comentários:

josé palmeiro disse...

Foi lindo teres referênciado esse ponto. As referências culturais, deixadas pela 1ª República, ainda hoje mexem e, em algumas situações são a pedra no sapato, desta cultura de "progresso", que os tais 100 ou mais canais, do vizinho, são um bom indicativo. Os "TEATROS" e as "BANDAS", são a expressão mais viva, desse tempo. Pena é que não se dêem condições aos jovens actores e encenadores para vivificarem esses espaços. Quanto às Bandas é outro iten que aqui, nos AÇORES, tem uma elevada expressão, não há freguesia que não tenha, pelo menos uma. Eu lembro-me de, nas Sete Cidades, quando ainda não havia tractores e carrinhas 4X$, os homens iam para as pastagens a cavalo, sempre guardados polos inefáveis "cães de fila", e de lá trnsportavam as bilhas de leite, que tinham acabado de ordenhar. Pois bem esses homens, rudes e cansados de dias e dias de arduo trabalho e de cavalgadas imensas por montes e vales, esses homens, dizia eu, ainda tinham disponibilidade para, à luz de um candeiro a petróleo, vir ensaiar a sua banda a fim de fazerem boa figura, nas festas para que fossem convidados e, em especial, na sua terra. CULTURA genoína, direi eu.

méri disse...

Este é um post notável, Emiele!
Sabes que gosto imenso de bandas. É uma pena os nossos coretos (os que ainda existem) não terem concertos.
Como diz o Zé Palmeiro nos Açores há ainda muitas bandas.
Há poucos meses soube da constituição, aqui no Porto, da Banda Sinfónica Portuguesa que tocam lindamente e desdobram-se em pequenos grupos que vão actuando no aeroporto, num centro comercial, nos jardins do Palácio de Cristal ao longo dos meses - penso que para se tornarem conhecidos. É constituída por jovens recém saídos de escolas de música e alguns ainda estudantes. Todos muito, muito jovens: é uma beleza vê-los actuar. http://www.bandasinfonicaportuguesa.com

simplesmente... disse...

Hum...

que belo local para o merecido descanso...

continuação de boas ferias!

Anónimo disse...

A propósito de cultura tive há pouco tempo uma conversa com amigos anti-desporto organizado - ideias um tanto "revolucionárias" para esta época. Estes consideram (e eu concordo) que dão uma importância exagerada ao desporto competitivo, estimulando e promovendo a sua prática como se fosse a solução para quase tudo. Lamentam que estas campanhas europeis e mundiais não estimulem e facilitem de idêntica forma a formação musical, teatral e outras expressões artísticas, tanto no horário escolar como pós.
A globalização é igualmente repetitiva e dominante até a nível cultural...As "almas" mais criativas e menos desportivas aqui, queixam-se do mesmo que tu focaste...E até na TV dos cento e tal canais conta-se pelos dedos os programas verdadeiramente criativos...

Anónimo disse...

O Zé Palmeiro tem toda a razão.O legado cultural da 1ª Républica,no que respeita às Associações fossem elas forma de difusão ou de controle do "entertenimento"foi impar.Não só do próprio Estado mas de organizações paralelas e até de pessoas singulares...Estou-me aqui a lembrar por exemplo de dois homens ligados à Maçonaria e que tiveram papeis importantissimos na difusão cultural e em formas novas de organização do chamado"proletariado"(bairros,vilas,etc).O Agapito Fernandes para o bairro da Graça e o Francisco Grandella.O Francisco Grandella para lá do bairro que fundou para habitação dos empregados que trabalhavam para ele foi impulsionador do Teatro e teve um próprio, o celebre Teatro da rua dos Condes onde se estrearam muitas companhias e onde funcionava tb.uma associação de que fizeram parte grandes nomes da cultura portuguesa da época-o Clube dos Makavenkos.Esse clube organizava jantares temáticos,pagos, e o dinheiro revertia para obras de beneficencia(auxilio a asilos de crianças orfãs -a igreja recusou alguma dessa ajuda)ou obras culturais e de alfabetização.Assim surge por exemplo uma escola na Foz do Arelho onde uma senhora inglesa tida como boémia(e era)iria dar aulas de diversas artes a crianças da região.Mas toda esta história reflete a consciencia do papel social das empresas coisa que se perdeu e hoje é substituida pela ideia de mecenato(vaga)ou então aparecem os Berardos que por aí andam mais interessados em mostrar dinheiro "branco"ou colorido conforme a Arte...AB

Anónimo disse...

Quando ontem passei por aqui não havia post ainda e não voltei. Hoje chego e encontro esta quantidade de comentários que me deixa encantado. Emiéle, tu conseguiste uma coisa bem interessante - é que os comentadores deste blog eñriquecem-no muito! (espera, estou a tirar-me do grupo, tá visto!!!)
Também achei, como a Méri, um post muito importante. É que a gente esquece-se do que era a vida há cem anos (devias encixar o post no «Era uma vez..») e realmente como a palavra cultura, deste os Cine-Teatros aos coretos e Bandas, tinham importância.
Só uma nota para sublinhar o humor com que terminas o post. Acredito que o teu jovem vizinho daí i,agine que «Euterpe» seria uma homenagem a uma benemérita que fundou a Sociedade Recreativa. :D

cereja disse...

Olá amigos!!!
Ando bem satisfeita por ver que mesmo comigo de férias e sem comentar a actualidade social/política, continua a haver quem passe por cá!
Tenho pena que esta minha passagem nem me dê para visitar os meus amigos bloggers - mas a verdade é que o sistema de cibercafé não se compadece com visitas...
Achei interessante comparar realmente o interesse pelas artes, que vou vendo por aqui e a fixação que temos hoje por outro tipo de audio-visual. Não é que tenha ñada contra (aliás uma viciada pela net com eu sou não o podia ser) mas faz-me pena que uma coisa exclua a outra.
Devia haver espaço para tudo!!!

ilha_man disse...

Em São Miguel as bandas têm grande importância popular,tal como diz o José Palmeiro.Não há procissão que não seja acompanhada pela música da banda local.Uma das músicas que tenho mais presente na minha memória é a do Sr Santo Cristo dos Milagres,procissão que é acompanhada por várias bandas.
Aqui em Faro, por altura da comemoração do Espírito Santo, a Casa dos Açores no Algarve convida sempre uma banda filarmónica para acompanhar a procissão.
Só uma correcção histórica:os movimentos de revivalismo cultural e associativo apareceram em meados do séc.XIX, tendo sido por essa mesma altura que apereceram as primeiras bandas filarmónicas.
A 1ª República veio muito depois.

http://www.bandasfilarmonicas.com/

Anónimo disse...

ilha man-não se disse que os movimentos de revivalismo cultural começavam com a 1ª Républica mas sim que a 1ª República tinha tido um papel importante...AB

saltapocinhas disse...

o teu post fez-me sorrir porque há uns anos eu passei úma semana de férias para essas bandas (presumo eu). Também estava num lugar pequenino perto da praia das maçãs.
foi na altura da páscoa e as poucas lojas estavam fechadas. nós, que éramos 4 e estavamos numa casa de turismo de habitação e não havia dinheiro para restaurantes todos os dias, tinhamos de nos abastecer.
o engraçado é que se queriamos pão e perguntavamos a alguem onde coprar, mandavam.os ao mucifal.
se queriamos fruta.. mucifal, batatas, mucifal.
os meus filhos eram ainda pequenitos mas acharam tanta piada à história que ainda hoje quando temos dificuldade em encontrar há alguem que diz "deve haver no mucifal"

saltapocinhas disse...

em encontrar "alguma coisa", é claro

cereja disse...

Eheheheh!!! E ainda por cima (os 'mucifalenses que desculpem...) mas o Mucifal é tão feiínho... Contudo tens razão, por esta zona é dos sítios bem abastecido, e há um pouco de tudo lá. Mas não preciso de ir «tão longe» de um modo geral, onde estou há o que preciso.
Ilha_mam, vinha responder oque já disse a AB. Claroque tens razão, rigorosamente tudo começa bem mais ~cedo, aliás este Cine Theatro que deu origem ao meu post é de 1887, certamente que do tempo da monarquia, mas o que o Zé e a AB pretenderam realçar foi o papel importante da explosão cultural dos tempos que referiram.