quinta-feira, maio 31, 2007

O erro de Pangloss

Eu considero-me optimista, mas não «panglossiana». Não sei se estão bem recordados da sua figura. Pangloss é uma interessante personagem do «Cândido» que vai defendendo ao longo de toda aquela história que ‘nós vivemos no melhor dos mundos possíveis’. Evidentemente que, como tudo é bom, não há necessidade de corrigir nada, pois se tudo está certo…!
Essa filosofia começa por ser agradável. Deve ser excelente a gente sentir-se num mundo tão bom. Fechar os olhos à realidade é um exercício que se consegue. Contudo o ‘perigo’ é que com esse encolher-de-ombros ou fechar-de-olhos, nunca se corrige o tiro e continuamos a falhar o alvo.
Foi proposta uma Greve Geral para o dia 30 de Maio. Eu, aqui no Pópulo, divulguei-a e desejei ardentemente que corresse bem. Mas sejamos honestos e olhemos a realidade de frente: não correu! Houve logo dúvidas se uma greve convocada por uma de duas centrais, seria uma Greve Geral. É que geral é geral. Devia parar TUDO. As fábricas não ‘fabricavam’, as empresas paravam, os Bancos não abriam as portas, as lojas não levantavam os taipais, os transportes não circulavam, apenas estariam activas as situações de urgência, cuja paragem pudesse ter consequências graves. Mas, do ponto de visto de produção a paragem seria mais completa do que a um Domingo.
Isso se fosse uma Greve Geral muito bem sucedida. Eu sei que é quase um sonho, e muito raramente os trabalhadores de qualquer país conseguem semelhante sucesso.
Mas a realidade que vimos foi oposta. Apesar dos números que o governo forneceu serem, como de costume, ridiculamente baixos, a verdade é que esta greve não foi geral, foi muito parcial – parte dos transportes, e parte da Função Pública.
Isto faz pensar, porque nós sabemos que existe hoje muito descontentamento a par de bastante medo. Portanto para não pensarmos à Pangloss que foi a melhor possível seria de analisar o que correu mal, para não repetir. Talvez as pessoas não saibam o que é a tal «flexisegurança». Mas sabem que o emprego está em risco. Sabem que estão desempregados. Sabem o que é a precariedade.
Porque não, em vez da greve que ainda fez poupar uns tostões em salários, convocar um grande, um enorme desfile dos desempregados? Olhem que são muitos, muitíssimos, poderiam fazer uma marcha grandiosa. Ou então, já à noite, um desfile também grandioso de quem está precário, com contracto a prazo, a ganhar a recibo verde? Não perdiam o seu dia de trabalho, mas podiam desabafar. Imaginem o que seriam esses milhões de trabalhadores sem vínculo, de archote na mão e braçadeiras de luto, a desfilar em Lisboa ou Porto? De certo que chocava quem via, e podia fazer pensar.
Claro que quem está no terreno pode ter outras ideias de mobilização, e muito melhores do que estas. Mas não vale dizer que correu bem. Não correu. E isso deve ser analisado com firmeza e sem panos quentes.

17 comentários:

Anónimo disse...

Nunca aqui deixei um comentário apesar de ser minha leitura quase diária. Acabei de ler agora este teu post e só me ocorre lembrar que foste nomeada «blog com tomates», não foi?
Merecidos.

Anónimo disse...

Creio que tens razão no essencial. Não houve uma greve geral, e o maior erro é dizer que houve.A preparação correu mal, uma das centrais, embora ligada ao PS, não aderiu. Julgo que sem as duas centrais, e um apoio de militantes do ps, não haverá "geral". Realmente será preciso ver os erros, e corrigi-los,nunca à Pangloss. E este post é um bom sinal. Já há, embora com alguns "ciumes",algum movimento nos precários, mas não ainda ao nivel que sugeres. Parabens pois.

Anónimo disse...

Esta Emiéle tem muitas facetas, really!
Este nem parece exactamente um post teu (até nem tem bonecos!) mas deixa-me a pensar.
Nem vou dizer nada, porque vou pensar melhor.

josé palmeiro disse...

Diferentemente do Raphael, direi que esta é a real Emiéle. Quanto à falta de ilustração, o que vem escrito é de tal forma importante que o "boneco", está implícito. Agradeço-te por teres dito aquilo que eu penso, como eu gostaria de o ter dito e não fui capaz. A tua proposta, tem pés para andar, o pior é que "todos" gostariam de ter a sua paternidade, para depois, cantarem de galo, e reivindicarem para si, os resultados.
Comungo também, o comentário do r.p..
Já agora, este chegou às 20 horas.

Mar disse...

Mais uma vez, concordo contigo. Com esta análise desapaixonada, lúcida e honesta.
Não me parece bem que se tente escamotear a verdade, seja por parte do Governo seja por parte de centrais sindicais.
Mas olha que nunca, que eu me lembre, uma Greve Geral teve esse efeito, desejável, que mencionas. Nunca assim foi, mesmo quando foram as duas centrais sindicais a convocá-las. No entanto, as formas de luta não passam apenas pela greve e aí subscrevo as tuas ideias.

cereja disse...

Olá amigos.
O Raphael tem uma certa razão, este não é o tipo de post que costumo escrever. Falo a sério muitas vezes, evidentemente, mas costumo dar um toque mais trocista às coisas, mesmo às tais «a sério». Mas também acho que tenho vários 'estilos', e desta vez senti que tinha de tocar neste tema desta maneira.
Porque me preocupa. Porque acho que se não formos nós a agarrar as coisas com as nossas mãos, se 'delegamos' demais, perdemos depois o controlo o que nunca devia acontecer.
Por isso comecei o post a dizer que até sou optimista. Porque acredito que isto tem de mudar! Mas os sindicatos têm de estar verdadeiramente ligados às bases e unidos se o ataque é grande como este está a ser.
Fico contente que o FJ, cuja opinião conta para mim, concorde comigo que afinal é um erro dizer-se que houve uma Greve Geral. Como se viu foi mal preparada, e apesar de não estar numa empresa oiço o que diz a Isabel que está. E acredito no que ela diz.
Também agradeço o comentário tão simpático do Zé. Fico bem, com uma companhia como a vossa!
(e a do R.P. que pode começar a comentar, já agora! :))

cereja disse...

Ups!Levei algum tempo a escrever a resposta aos comentários, e assim que cliquei para entrar, encontro o da Mar!!!!

Olha que a tua opinião, sabendo onde te situas, é bem gratificante. Claro, amiga, eu sei que a Greve Geral que descrevi, é quase um sonho. Mas até podia não ser... E por exemplo em França, não no país todo mas em certas regiões, há umas dezenas de anos conseguimos algo de aproximado. Aí via-se a força dos trabalhadores, realmente unidos.
E, como acabei de dizer, eu que sou optimista quero crer que venha a ser possível.
Um abraço, Mar.

a.pacheco disse...

Emiele , não a costumo visitar, fico mais pelo TROLL as minhas desculpas.

Mas a sua analise é bastante mais lucida e realista do que aquela que um sr. Rui Faustino publicou no Troll.

Tal como o Jeronimo de Sousa recusam-se a ver o obvio, e a tomam os seus desejos por realidades.

cereja disse...

A. Pacheco, também o «conheço» pelo Troll, onde nos cruzamos várias vezes. Fico satisfeira de o saber de acordo com aquilo que 'senti' e tentei racionalizar.

Anónimo disse...

Este post entrou ontem já tarde e não o tinha visto.
Não faz mal, porque o lê-lo hoje até dá mais tempo para reflexão.
Tu costumas brincar dizendo que fazes o par Dupont e Dupond com a Isabel, mas a verdade é que isso se passa mais comigo (havia aquele tipo que achava que éramos uma só!)
Nestas coisas, como é natural, cada um tira as conclusões pelo que vê nos locais onde anda e daquilo que ouve. Acredito que quem trabalhasse no metro, por exemplo tenha pensado que o sucesso foi completo, mas por outro lado, no meu bairro houve pessoas que nem sabiam que havia greve e só o perceberam pelo telejornal!
Eu já o tenho dito também aqui: a greve tem de ser a última forma de luta. E tem de se ganhar, porque quando nós jogamos o ás, ficamos sem cartas de valor no baralho.
E o certo é que a greve ‘banalizou-se’. Erro muito grave, na minha opinião.
Eu até a fiz. Mas se te disser que no meu local de trabalho os números foram bem inferiores àquilo que o governo disse… Aí uns 2 % e com sorte! Tudo encolheu os ombros e a greve só serviu para algumas graças pelo que me disseram quando passei por lá.
Tens razão. Temos de repensar como deve ser toda esta forma de luta. E ser criativos, bolas!

Anónimo disse...

Bem é tempo de começar a pensar numa greve geral ilimitda, ou não?

Anónimo disse...

Está visto que me expliquei mal, ontem.
Primeiro, gostei do post.
Começando pelo título que é inteligente e apelativo. A gente começa a lembrar-se do «Erro de Descartes» e vem espreitar (digo 'a gente' refereindo-me a quem aqui passa por acaso, não o nós os habituais)
Segundo, quando disse que era diferente do teu estilo, isso continuo a achar, resalvando que tens «muitos estilos» como nós sabemos... a gracinha do boneco, é por costumares dizer que é a tua 'imagem de marca'!
Terceiro, quando disse que ia pensar, era apenas isso que queria dizer. O que aqui escreveste era tão sério, que precisava de reflectir em antes de falar. Achei por bem pensar primeiro, apesar de por costume leio e escrevo logo, de rajada!
Finalmente, como disse agora a Joaninha, tudo dependo ds pessoas que encontramos e com quem nos damos. Ontem a minha amostra era muito misturada. E como daquilo que diz o Governo ou o que dizem os Sindicatos, costumo tirar uma média, estava confuso.
Contudo no essencial, depois de reflectir, estou de acordo. Estas coiss tem de ser muito bem preparadas, ou ...
E, reconheço que não foram muito bem preparadas, nem explicadas.
por último, achei graça e até concordo com as «propostas alternativas» que aqui sugeres. Porque não?

méri disse...

Plenamente de acordo cotigo e subscrevo o que disse o José Palmeiro!

méri disse...

...contigo...

cereja disse...

Joaninha e Raphael, que grandes comentários!!! Tão grandes como o post, está visto. Mas realmente nós pensamos bastante parecido...
FJ - essa da «greve ilimitada» é o que fazem os desempregados: nem trabalham nem ganham :)
Méri - Gosto imenso de te voltar a ver por aqui. Mas as gralhas não são para corrigir, amiga. Olha para mim: cada palavra cada gralha, e eu sem me ralar...

Leonidas disse...

É tb o que eu acho. Costumo fazer greve e já participei em algumas manifestações. A ideia que me fica é que os que participam são aempre os mesmos e (nas manifestações) indivíduos de meia idade ou mais velhos. Se me abstiver do momento não consigo distinguir uma manifestação de outra, são sempre os mesmos sloogans, pobres, pouco apelativos......e o protesto resume-se a um desfile de bandeiras e cartazes, num percurso pré-definido, ......nem sei explicar, é quase como ir dar uma volta ao shooping e depois e ir lanchar! Costumamos brincar e perguntar porque é que não modernizam a "cantadeira" aquela que vai a ditar as palavras de ordem, sempre no mesmo tom, sem qualquer ousadia ou piada, umas rimas forçadas....podiam por uns rapers a dirigir as palavras de ordem....! Agora a sério, falta de facto imaginação e actualidade nas formas de protesto. Não haverá por aí alguém que consiga dinamizar outro tipo de intervenções? Pode-se fazer tanta coisa....com impacto, divertida, etc. Acho que sim, sejamos óptimistas, as novas gerações estão aí (a apanhar no pelo)!

cereja disse...

Leonidas, não quero deixar de te responder, apasar de só agora ter lido o teu comentário (quando os posts começam a ficar cá em baixo, esqueçi-me de vir espreitar; tenho de arranjar uma daquelas «coisas» que mostram ali na coluna do lado os últimos comentários que entraram!)
Essa tua experiencia é a minha também. Nos desfiles e manifestações vemos as pessoas que viveram o 25 de Abril e portanto andam hoje na casa dos 60 anos + ou -, vemos alguns jovens muito politizados, e o que me entristece é não ver a 'fatia do meio' aquela a que tu pertences porque li noutro comentário que tens 40. Mas essa malta, dos 30 e tal aos 50, desapareceu! Resmunga, protesta, mas não vai para a rua. Porquê? Não faço ideia.
Mas a verdade é que temos de acabar com as manifestações tipo «romagem de saudade» e inventar coisas novas. Como tu dizes, há de certeza gente criativa que podia inventar palavras de ordem originais e que «pegassem». POrque para isso também há uma técnica. Lembro-me de ter estado numa contra a guerra onde uma 'alma iluminada' se lembrou de gritar «solidariedade com o Afganistão». Só de riso!!! Imagina-se o que é dizer «so-li-da-ri-e-da-d-e»????????????????