sábado, março 24, 2007

Dia do Estudante


Hoje comemora-se o Dia do Estudante. Provavelmente muita gente nem ligará especial importância ao acontecimento, e serão muito poucos os que sabem que esta simples e inocente comemoração esteve na origem de uma gravíssima Crise política há exactamente 45 anos.
Foi em 1962.
Já no ano anterior tinha começado a haver muita agitação na Academia coimbrã. Os estudantes sentiam-se pressionados na sua liberdade de associação, as celebrações da ‘Tomada da Bastilha’ foram impedidas, e por todo o lado se fechavam Associações de Estudantes, ou se levantavam enormes entraves para legalizar as Comissões Pró-Associação. O governo de Salazar temia os estudantes organizados e o que poderia surgir das suas associações. A rebeldia de Coimbra teve como consequência processos disciplinares aos dirigentes e posterior suspensão o que deu origem ao «luto académico» outra forma de chamar a greve.
Em Lisboa os estudantes pretendiam festejar o Dia do Estudante em 24 de Março, como já o tinham feito no ano anterior, mas essa festa foi proibida. Só que a rebeldia era grande e a força da indignação enorme, pelo que as direcções associativas decidiram manter a comemoração.
Simplesmente a cantina onde se realizaria o Encontro foi encerrada, e os grupos de estudantes, agredidos, presos, e dispersos brutalmente pela polícia de choque.
Mas a reacção pela violação da autonomia universitária foi enorme. Decretou-se luto académico e greve às aulas. Um grande número de rapazes e raparigas bloqueou-se no edifício da cantina iniciando uma «greve da fome» - seriam dali expulsos e detidos pela polícia e levados em muitos autocarros para o Aljube e Caxias.
Na altura o reitor era Marcelo Caetano que também foi desautorizado com estas ordens policiais e tentou «por água na fervura» negociando um outro Dia do Estudante que seria a 7 e 8 de Abril, mas os estudantes já tinham a certeza que era um engodo, como foi, porque de novo foi proibido sendo outra vez desautorizado o reitor que desta vez se demitiu.
A luta alastrou-se a todo o país. A agitação era enorme.
O rescaldo foi ver-se inúmeros estudantes expulsos da sua Universidade, (só existiam 3 na época) alguns de todas as Universidades e que só terminaram a sua formação no estrangeiro ou nem a terminaram nunca; mas, ironicamente. esta crise serviu para informar muitos outros jovens que estariam na altura a leste ou distanciados do momento político e, perante este escândalo, tomaram posição e empenharam-se finalmente a fundo na luta contra aquele Estado que entendiam agora não respeitava os direitos e liberdades mais elementares.
Foi o princípio do fim.

14 comentários:

Anónimo disse...

Que bom post, Emiele.
Deixaste dois marcadores, Abril e Era uma vez... e vejo porquê. É simultâneamente uma «história do passado» (o 'era uma vez' que neste blog está a ficar seco) e uma «história de luta».
Quem é que ainda se lembra disto, excepto os próprios e os seus filhos por ouvirem contar...?!
E nós aqui, ficamos a reflectir nas profundas raízes que Abril teve.

josé palmeiro disse...

Bom lembrar, essas batalhas.
Nessa altura, ainda eu andava no secundário, mas lembro-me bem da luta então travada. Mais tarde em 1968, a luta voltou a agravar-se e como consequência, fui um dos contemplados com uma incorporação nas forças armadas, que culminou com tudo o resto. Mas como dizia José Carlos Vasconcelos, num poema sobre o 25 de Abril:
"Este foi o primeiro passo. Agora todo o tempo é nosso!".
Ainda continuamos à espera de se cumprir, ABRIL.

Anónimo disse...

Disseram-me (alguém que visita este blog diáriamente) que tinha abordado este tema. Eu estive lá - sou um dos sexagenários de agora, um dos jovens de então.
Quando diz «seriam dali expulsos e detidos pela polícia e levados em muitos autocarros para o Aljube e Caxias», assim foi. Os autocarros eram necessários por não haver carrinhas da polícia que chegassem: éramos 1.200. Prenderam mil e duzentos jovens nessa noite. É uma marca que fica e vocês hoje nem podem imaginar.
Mas parabéns «Emiele» por fazer esta referência importante.
Vou visitar mais este blog.

Anónimo disse...

Caríssima Emiéle
Na impossibildade de comparecer na Cantina "Nova", a que os jovens hoje chamam "Velha", venho deixar aqui o meu testemunho. É que sou também, como o amigo anterior, um dos jovens que viveu a crise e experimentou Caxias. Sobrevivemos. Creio também que de alguma maneira possibilitámos Abril, lutámos por Abril.
Obrigado Emiéle
ANC

cereja disse...

Obrigada ao ( ou à?) «lembrando 62»
Há muitas coisas que estão esquecidas e nem sempre a minha recolha é fiel. Tinha ouvido falar em 1200 mas também ouvi 800, e em qualquer dos casos era muuuita gente. Nem se consegue imaginar hoje o que seria prender de uma vez só uma tal quantidade de jovens!
O importante é irmos dando testemunho, e não deixando caur estes factos no esquecimento.

cereja disse...

Ups! Anda a acontecer-me muito, começar a responder a alguém e entretanto entrar outro comentário! (é que me acontece frequentemente, começar a escrever mas deixá-lo em meio para acudir a outra coisa qualquer e só o terminar alguns minutos mais tarde...)
As minhas desculpas ao ANC («Idos de Abril», bonito nome) por não lhe ter dado o relevo que merecia o seu testemunho, também.
Claro que acredito que esta grande crise forjou o que veio a explodir 14 anos depois. Até porque muitos destes rapazes, foram enviados como 'castigo' para o serviço militar e para a guerra, e lá devem ter deixado as suas sementes.

Anónimo disse...

Na continuação do que disse o ANC (fico a pensar quem será...) foi distribuído lá na Cantina um CD-ROM com fotos, depoimentos, comunicados etc. E termina com uma frase que quero deixar aqui:

«É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
antes que seja tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas»


do Daniel Filipe poema "A invenção do amor"

saltapocinhas disse...

Não sabia tantos pormenores sobre este dia!

Anónimo disse...

A Crise de 62...
E antes o 40.900.
E antes a campanha do Delgado.
E como hoje lembrou o Medeiros, haveria sempre um ponto de referência anterior, nem que fosse a Greve de 1907 contra o João Franco.
E no outro sentido da História, temos a nossa crise de 68 e o famoso Maio em França.
Tanta coisa. Uma História que podemos tocar com as nossas mãos ainda, que não se sumiu nas brumas do tempo.
Eu estive hoje na cantina, tal como estive há 45 anos. Hoje temos outras lutas, e é bom que o espíritoque nos animou não esmoreça como cantava o Zeca Afonso.
(vim aqui ter porque me deram a dica de que existia este blog, mas não sei muito bem como se fazem os comentários; não queria ficar completamente «anónima»)
Teresa B.

cereja disse...

Olha Saltapocinhas, ainda se pode dizer muitíssimo mais. Recebi uns emails (para além destes comentários) que se calhar ainda os vou passar a posts...
Olha Teresa, se não «frequentas» blogs, não deves saber, mas para o teu nome aparecer logo onde diz XXX said... basta escrevê-lo selecionando 'other' e depois no local onde está 'name' deixando o resto em branco.
Vai aparecendo.

Anónimo disse...

Que bom post, ML. Ganda Joanita!

josé palmeiro disse...

Como é possível querer fazer "ESQUECER A MEMÓRIA"? Nunca!
Este post, é um MONUMENTO!

cereja disse...

Zé, não foi o post, o que enriqueceu o que aqui se disse foram os comentários como vês. Foi agradável ter este eco.
Claro que a pessoa que irónicamente julga ele, assina «Joaninha» acima de ti, pela uma e meia da manhã, não é a nossa comentadora habitual, como se vê. É um indivíduo que se convenceu de que a Joaninha e eu somos a mesma pessoa, e neste momento já descobri porquê; mas talvez o ajudasse um pouco se se lembrasse de uns comentários idiotas que um dia apareceram no seu blog e vinham... do pc do seu próprio escritório!
É que essas coisas acontecem. Nem ele escreveu essas parvoíces nem eu «sou» a Joaninha...

josé palmeiro disse...

Sim Emiéle, tens razão, mas eu quando disse "post", foi no sentido global, o escrito como eu, preferêncialmente, os denomino e os comentários, que são do melhor e mais objectivo que podiam ter aparecido. Quanto à primeira "joaninha", eu diria "escravelho", vê-se que não é a nossa JOANINHA, que também não és tu.
Vivam, todas as lutas, que desembocaram no Abril, e todas as que, com a mesma fome de LIBERDADE e de JUSTIÇA, ainda faltam fazer!