quarta-feira, agosto 05, 2009

Para além da idade

Conheço-a há muitos anos. Não sei agora dizer quantos, mas há muitos, os suficientes para que a frase «está sempre na mesma» não seja uma simpática frase de cortesia, mas corresponda de facto ao espanto que sinto de cada vez que a vejo porque realmente esta senhora parece estar sempre na mesma!
Tem tido uma vida complicada, viveu a maior parte da sua vida em África, e ao regressar a sua qualidade de vida desceu de um modo impressionante. Viúva já há vários anos, e tendo sido sempre dona de casa, dos filhos agora casados e por sua vez com filhos não recebe lá muito auxílio, pelo que ela faz umas ginásticas complicadas com o rendimento que tem. Mas isto digo eu porque conheço «os bastidores», quem lhe seja apresentado pela primeira vez não sonha com nada disso, pelo contrário parece uma elegante 'tia da linha' onde até, de facto, vive...
Reencontrei-a há uns 15 dias de novo. O momento em que nos vimos era delicado, estávamos num quarto de hospital junto da cama de uma grande amiga, que aguardava uma operação melindrosa.
Já lá estavam umas três ou quatro pessoas fazendo a conversa habitual nessas ocasiões quando ela bateu à porta. Assim que entrou veio uma revoada de boa disposição! Vestia um conjunto vermelho papoila - uma mancha de cor alegre entre as cores hospitalares - o cabelo loiro bem penteado, discretamente maquilhada, óculos escuros que me disseram nunca tirar, um radioso sorriso.
Era uma figura vistosa que trazia, como enfeite do seu conjunto vermelho, um colar com um ornamento que parecia pesado e com um feitio original.
- «Oh tia, que pendente bonito, é de ouro?» - pergunta a minha amiga, lá da cama.
- «Não!!! É a tampa de um frasco
Podem imaginar as gargalhadas que rebentaram.
Ela fez questão em o tirar do pescoço, e explicar. A filha tinha chegado ao fim de um frasco de perfume que, segundo disse, até nem era nada bonito. O frasco, porque a tampa era bem gira. Portanto, antes de o deitar fora, aproveitou essa tampa e com toda a imaginação transformou-a numa bijouterie. Giríssima, fiquem sabendo. E passou a hora seguinte a dar-nos dicas sensacionais, tais como uma lojinha que conhecia onde se vendiam cosméticos «mais baratos que em Badajoz» segundo as suas palavras. E lá nos esteve a gabar, com um humor inigualável, as qualidades de um creme que levava baba de caracol. Do melhor!
Porque ela cuidava-se. Por exemplo, na cara aquela zona que fica entre o nariz e o lábio a que ela risonha chamava o «código de barras» porque nas mulheres com pele fina apanha umas rugas verticais, estava completamente disfarçada. A cara daquela senhora teria rugas mas de expressão, porque de tão risonha algumas marcas tinham de ficar.

Eu disse que ela tinha tido uma vida difícil, não disse?
Só me falta terminar com um pormenor: é que esta senhora tem oitenta e alguns anos!
De facto a idade de cada um não tem a ver com o bilhete de identidade!


18 comentários:

kika disse...

Que lindo post nos dás hoje,Emiéle.
Adoro ver pessoas assim que enfrentam a vida com essa força, sim ,que os outros não têm que levar sempre com desgraças e desarrumações pessoais. Gosto que cultivem essa vaidade que nos transmite, pelo menos a mim, vontade de imitar. O resto fica dentro das portas dela, faz parte da sua intimidade, ninguem tem nada com isso,e só se for para ajudar,é que deve vir cá para fora
junto dos que lhe são proximos.
São bons exemplos de vida, porque se mostramos por fora o que por vezes sentimos por dentro, seríamos um susto e ninguem precisa disso.

kika disse...

Essa da Baba do Carocol, já deu para uma duscussão por causa do acne do meu sobrinho adolescente.Tadito, se não o levam um bom dermatologista, o desgraçado ficava sem cara. Força de expressão claro!! mas não sou fã dessas tretas por muitas virtudes que tenham.Sou muito desconfiada!!!

josé palmeiro disse...

Lindo testemunho, sim senhora.
Essa tua amiga tem uma imaginação e uma força de viver que, bem merece o destaque que lhe conferes.
Depois, é como dizes a idade do BI, nada tem a ver com a idade REAL!
Ele há velhos, tão novos!!!

josé palmeiro disse...

Uma achega à Kika: Viva o caracol! Trás sempre a casa às costas, não paga renda nem impostos e sabe bem, quando cozinhado com todos os matadores. Depois, já dizia o meu avô Armando, especialista nos ditos, que tinham propriedades terapêuticas, especialmente nas direcionadas com as doenças pulmonares. Quanto à baba, só sei que deixa um rasto e a saber, pelo que dizem, colocada sobre as rugas, devem escondê-las...

fj disse...

Também gostei deste post. Não conhecendo a senhora (evidentemente!) até me parece que a estou a ver. Mais de 80 anos e vestida de vermelho, hein?! O que são os tempos... Se a minha avó, com muito menos idade vestisse mais alegre que cinzento já era uma grande aventura!!!!

E o saber aproveitar tudo, é de época mas se era uma senhora que em tempos teve posses - como se diz - dá uma ideia de como resiste às contrariedades da vida.
Viva ela!!!

Joaninha disse...

Parece que (é o que tenho lido!) que essa coisa da «baba de caracol» é verdadeira mas não é uma baba qualquer (??!!!) o pobre tem de estar stressado!
Leiam AQUI
A verdade é que há agora muitos cremes de marca, com essa referência. Para te ser franca só a ideia me enoja um tanto! mas eu sei lá que raio de outras porcarias é que a gente não usa sem o saber...
Quanto à senhora que descreves, quem me dera chegar a essa idade com esse espírito. É uma lutadora. Assim vale a pena chegar aos oitenta e tais!
Os meus parabéns!

estrela-do-mar disse...

Adorei a imagem do «código de barras»!!!
lol!!
É que há certas caras que parecem de ameixa seca, todas elas uma rede de rugas, mas o humor de chamar «código de barras» a esse pedacinho onde realmente as rugas são verticais e todas juntinhas, é um achado!
Realmente essa senhora é formidável!

Joaninha disse...

Ainda cá volto, para pegar naquilo que diz o Zorro, da diferença de atitudes e toilletes ao longo dos anos.
Quando eu era criança, não apenas uma senhora mais velha (e bastava ter mais de 50...) não se vestia com cores vivas, como os lutos eram pesadíssimos e quase eternos.
Se essa senhora de que falas era viúva, quando eu era criança estava condenada a vestir-se de preto para o resto da sua vida. Quando muito, ai fim de muuuuuitos anos 'aliviava' o luto, o que quer dizer que usava um pequeno adereço cinzento ou coisa assim.
Vermelho?! Nunca na vida!
:)

kika disse...

Adorei Joaninha essa do caracol stressado.
Bom eu não sei nada de caracóis e concordo com o Zé, mas apenas no que respeita ao facto de já nascer com casa.
Tem cá uma sorte, que se lhe acaba quando aparecem uns gulosos que os comem.
Nunca provei e acho que nunca tentarei!!

mary disse...

Olha Kika, nem eu!!!
É das coisas que quem gosta farta-se de me dizer «nem sabes o que perdes...» mas não me convencem. Nunca comi nem comerei.
Mas fartei-me de rir com essa do stress. Como raio se stressa um caracol?! Põem-no a fazer corrida contra a lebre?... Chamam-lhe nomes feios? Eheheheh!!!!
:)
Mas já tinha ouvido que fazia bem à pele e acho que agora é moda, as grandes marcas têm todas um novo creme de caracol.

A senhora de que falas dá gosto imaginá-la. A verdade é que o bom humor (o alto astral como dizem os brasileiros) só faz é bem. E este é um caso. Ficamos todos a gostar dela.

Anónimo disse...

Adorei o "post" e gostaria de conhecer a senhora! Tenho uma admiração muito especial por pessoas assim - fazem-me lembrar
a minha mãe, numa versão mais "colorida"!
Há um dado da vida dela que, para mim, é importante - "a senhora viveu a maior parte da sua vida em África"- e isso fez muita diferença, digo eu que,
também estive em Angola (1 ano) e notei um modo de vida bem mais descontraído que o nosso, aliás, penso ser do senso comum.
Baba de caracol, para esse fim, não sabia , mas, já experimentei outras "babas" - seiva de cactos, muito antes da febre aloé vera, máscaras de argila, clara de ovo, rodelas de pepino... era muito curiosa por tratamentos naturais, hoje tenho menos paciência e cuidados com a pele ando sempre ao contrário - preciso de verificar o meu "código de barras". :)))

sem-nick disse...

Não me deu para passar aqui de manhã como costumo, (que tempo parvo este, heim?!) e agora encontro este post enternecedor.
Não sei porquê, e contra o meu sexo falo, mas acho que é mais frequente encontrar este tipo de mulheres do que o seu correspondente masculino. Não direi que os não haja, mas homens de mais de 80 anos com esta alegria e boa disposição para mim são muito raros, o que quer dizer que não conheço nenhum! E já conheci umas duas senhoras, não tanto como esta que aqui descreves, mas com uma genica e boa disposição que nos deixa de boca aberta, nós que nos queixamos por tudo e por nada!

Tiro-lhe o meu chapéu (se o tivesse)

Anónimo disse...

Acho uma delícia pessoas como essa senhora! Porque as rugas saem, não por conta da baba do bichinho, mas pela energia radiante que transmite e recebe de volta das pessoas.
Acho que preciso fazer mais uns exercícios para chegar a esse patamar... Porque é bom demais! :)

beijocas

Alex disse...

Olá Emiéle!

Finalmente consigo chegar AQUI. (bem, já cá tinha passado numas rapidinhas)
Obrigada pela tua mensagem de 25 (mais vale agradecer tarde do que nunca... quando acalmar as hostes telefono-te)

Bem,ok, isto é um blog, não uma caixa de e-mail... (mas se não fosse agora levava mais 3 dias para te agradecer...)

Uma simpatia este teu post, a senhora em questão e o berloque perfumado.
(não lhe queres dar o telf da minha mãe?)

Beijos saudosos

mfc disse...

E depois de ler... fiquei com um sorriso.

cereja disse...

Começando pelos últimos (olá mfc, que bom ver-te por aqui) sabes Alex esta senhora, tia de uma amiga minha, é um pouco mais velha que a tua mãe - também um espanto de excelente “conservação” e de energia como é público e notório - mas é tal como a descrevi, e tem uma maravilhosa capacidade de dar a volta às coisas negativas que lhe vão acontecendo. Acho-a um espanto.
Senhora, é isso mesmo, não deve ser o creme que lhe tira as rugas mas o brilho interior.
Sem-nick, eu sorri mas se calhar o que se passa é que a esperança de vida das mulheres é superior…
Maria, também acho que o ter vivido tanto tempo em África onde os filhos cresceram faz a diferença, mas há qualquer coisa mesmo dela. Os filhos também lá viveram e não lhes vejo o mesmo espírito. Quanto aos ‘produtos naturais’ nestas coisas de estética, why not?… Na saúde gosto mais de ir pelo conselho médico, mas nestas coisas de pele, cabelos, unhas, a natureza tem excelentes reservas.
Kika, também me ri com o stress do caracol! Onde a gente já chega!!!!
Zé Palmeiro, há velhos tão novos, e vemos por vezes novos tão velhos… A vida é curiosa nestas coisas.
Zorro, e Joaninha, realmente são usos completamente diferentes do vestuário. Essa do «luto carregado» desapareceu completamente. É uma coisa cultural.
Estrela, também achei muita graça ao «código de barras» por isso citei essa de entre as muitas que ela disse e não consegui fixar.

cereja disse...

(só uma nota, como têm reparado, eu agora só deixo aqui a resposta no dia seguinte em que venho confirmar se o 'post-do-dia' entrou e se está bem; mas vão continuando a passar por aqui que prometo que às nove e meia de cada dia cá está uma coisinha para se entreterem...)

Anónimo disse...

Mais um post para a tua categoria do «meu tipo inesquecível»...
Tens já uma pequena colecção.
Como sempre que escreves neste estilo, gostei muito.
E nem sei que dizer mais do que os que já escreveram :)