sexta-feira, agosto 28, 2009

Palavras pesadas

Para mim, na nossa linguagem há muitas vezes dois pesos.
Por um lado é o significado exacto e rigoroso da palavra, por outro aquilo que, de uma forma geral, ela invoca. Sabemos que nem sempre isso coincide.

A comunicação social deve ter muito cuidado com o modo como dá as notícias, é claro. E faz muito bem em evitar «acusar» seja quem for sem o tribunal o considerar culpado. Aliás, infelizmente, sabemos que nem sempre há essa cautela, podem não acusar directamente mas basta apresentar alguns factos de um modo mais ou menos tendencioso para influenciar a opinião pública.

Mas o que me anda a fazer confusão ultimamente é quase o oposto dessa posição.
Tornou-se agora moda, usar a palavra ‘alegadamente’ por sistema quando se conta uma história de polícia.
Ora, com rigor, se a palavra ‘alegar’ significa ‘emitir razões sobre um facto’, também nos evoca a ideia de ’desculpas’ ou ’pretextos’ e a verdade é que muitas vezes é logo isso que se pensa. É correcto, se um indivíduo foi acusado, contar-se esse facto com a cautela do ’alegadamente’ - a tal ideia de que somos inocentes até se provar a culpa.
Mas, com sinceridade, soa-me mal quando o ’alegadamente’ se aplica à vítima ou para ser mais rigorosa, ao queixoso (ou queixosa).
É que, nesse caso, a mensagem que nos chega, mesmo sem querer, é que aquilo que ele disse pode ser uma mentira. E até pode, mas isso ficará para depois ser provado.

A semana passada foi notícia os casos de duas raparigas que fizeram queixa de violação, mas como não havia ninguém da Medicina Legal para recolher as provas, e elas não conseguiram esperar todo o fim de semana por que esses técnicos voltassem a trabalhar, essas evidências não puderam ser recolhidas.
Contudo, nos dois casos, a notícia falava da jovem como «alegadamente violada».
Havia várias maneiras de dizer aquilo sem acusar ninguém, mas a mais fácil, que me ocorre logo, era referir: «queixando-se de violação». Porque isso era um facto, a queixa. As duas raparigas tinham-se queixado, tinham mesmo até feito uma participação na polícia.
É certo que a investigação depois logo concluiria se a queixa se podia materializar numa acusação a alguém. Mas a queixa, e pelos vistos com provas que só não foram recolhidas porque os médicos disseram que não era nada com eles, essa existiu.

O «alegadamente» serviu para deitar suspeitas sobre a sinceridade das queixosas e não gostei.




15 comentários:

Joaninha disse...

Que linda imagem!....
»Com palavras se constrói» ... ou se destrói.
Pode destruir-se a credibilidade de uma pessoa.
Certo, Emiéle.

josé palmeiro disse...

Também me causou um certo mal estar, esse "alegadamente".
Tens toda a razão, naquilo que dizes, depois, as queixosas até nem eram do "jet set" e , está tudo explicado, nem médico havia para recolher os indícios e os que havia, estiveram-se marimbando para isso. Para além do peso das palavras, "dois pesos duas medidas"!!!

josé palmeiro disse...

Esqueci-me de referir a ilustração: Magnífica!!!

kika disse...

Já não emigro desta vez...
Olha, e a presunção de inocência, não te provoca tambem um certo mal estar?
Juridicamente as palavras perdem o significado exacto, e á volta duma palavra o advogado verborreia até o juiz o mandar calar.
A comunicação social influencia, e muito a opinião publica, por isso é considerada o 4º poder.
Se têm um jornalismo de investigação de qualidade, olha que raramente erram, agora os tablóides que procuram vender e criar confusão nas mentes das pessoas tambem o conseguem, dada a incapacidade analítica da maioria da população, e daí se pode condenar ou inocentar alguem de ânimo leve, o que provoca muito sofrimento na vitima que se sente completamente injusçada como essas miudas que referes.
Penso eu que ninguem vai fazer uma queixa, vai ao hospital e não sei quantos só por prazer , isso seria maquiavélico!!!

sem-nick disse...

Exactamente.
Pode haver casos onde uma alma muito perversa acuse injustamente alguém de um crime desses, mas como disse a Kika, ir ao Hospital sujeitar-se às análises (sabendo que até se poderia virar contra elas) sendo tudo mentira, seria muito estranho!!!
A comunicação social é o tal 4ºpoder mas cada vez de aproxima mais do da frente - se há 'frente'... O seu poder é enorme. e, como vocês disserem um caso são as notícias 'honestas', outro os tablóides! Esses adoram coscuvilhices mesmo que mal fundadas.

Mundo cão!

Anónimo disse...

Apoiado!!!!

(e mais não digo porque estou com pressa mas já cá volto mais tarde)

fj disse...

Redusir as observações/críticas aos tabloides parece-me algo redutor.Pensem nos casos casa pia e freeport, por exemplo.

Anónimo disse...

Eu, também,fiquei chocada com esse caso! Não haver médicos que pudessem, quisessem recolher "prova" é demais; situações dessas não deviam tolerar.
A Kika foi bastante assertiva no seu comentário coisa que os jornalistas não foram nesse caso.
Há que chamar as coisas pelos seus próprios nomes e nessa notícia seria fácil - "a queixosa"- nada mais simples, assertivo, "rigoroso", como dizes; mas, não.
A comunicação social usa com frequência (sobretudo desde os casos "Casa Pia") o"alegadamente"
no sentido de: provavelmente, presumivelmente, hipoteticamente, possivelmente, correndo-se o risco de se ficar com uma "alegada" notícia.
Já não há pachorra, não fosse, alegadamente ferir susceptibilidades diria mais...Para descarregar no peso das palavras.))

A ilustração - sem comentários!
Emiéle, eu sei, foste à net,não precisas dizer mas, a questão está na escolha e mais uma vez, esta, é belíssima!

Anónimo disse...

fj, os nossos comentários entraram quase ao mesmo tempo! Olha, também pensei no Freeport mas não queria ferir susceptibilidades em pré-campanha;))

fj disse...

Não queres Maria,nem tal me passou pela cabeça, mas há quem queira. Pergunto-me já o que arranjarão para 2013, já deva estar em estudo...A não ser, porque isto deve tocar a todos, que se arranje uma intercalar para o cavaco,só para ele ver como é quando nos toca a nós.

fj disse...

Não tinha pensado nisso, mas é certo, há palavras que podem ter duas conotações conforme se fale de um acusado ou de uma vítima.
..........
E já agora, a ideia do psd da «criação da obrigatoriedade de que os processos judiciais tenham datas indicativas da sua duração» à primeira vista parece simpática, mas será possível? Dependde de tanta coisa, pelo que se sabe. Contudo devia moralizar-se de uma vez para sempre os atrasos inacreditáveis da nossa Justiça.
E não vem «deste governo», que eu desse conta, TODOS abandalharam nesse campo.

Anónimo disse...

Agora tenho mais uns momentos, e cá volto.

Há de facto palavras com que devemos ter cautela, e a verdade é que há «modas». Na comunicação social como em tudo. Só que na comunicação social nota-se mais!!!
Essa história também me chocou. Até acredito que haja mulheres violadas que nem se chegam a queixar por terem vergonha - como se quem devia ter vergonha não o tivesse e são elas que se sentem envergonhadas. Dantes nem valia a pena queixarem-se porque havia gozos e pensavam «estavam a pedi-las» ou coisas assim. As bestas que forçam uma mulher deviam experimentar em si mesmos a ver se achavam que «estavam a pedir»!!!!

De resto a palavra 'alegadamente' também me evoca a ideia de que pode-ser-mentira

mfc disse...

O "alegadamente" é um termo (advérbio) jurídico que tem a sua aplicação dentro do processo penal e que se justifica enquanto a prova não é produzida em audiência.

cereja disse...

Olá, Bom Dia a todos!

MCF - Apesar de não ter nenhuma formação jurídica, tinha um palpite de que o termo viria daí, porque são conhecidas as ‘alegações’ em tribunal. Mas uma coisa são os termos técnicos usados numa profissão e outra a linguagem corrente ou jornalística. Por isso falei em dois pesos quanto a certas palavras. Sei muito bem isso pela minha própria profissão. Mas exactamente para evitar isso é que seria simpático não usar o termo ‘alegadamente’ quando se fala do queixoso e sim sublinhar se fosse necessário o aspecto de ser uma queixa.
King, Joaninha, sem-nick, Zorro, o meu grupo de populianos habitual, todos vocês deram mais ‘uns toques’ ao meu post mas foram uns acrescentos. Zorro, não faço ideia como é que se passa à prática essa ideia dos processos terem uma indicação do tempo que vão durar. Parece-me que basta uma surpresa, de uma prova de um lado ou outro para a coisa se prolongar. Por outro lado é de facto um escândalo o tempo que alguns deles levam em julgamento!
A Maria chamou-nos a atenção à importância de chamar as coisas pelos seus nomes; ela e o fj começaram a «conversar» o que é sempre uma das graças das caixas aqui do meu blog… Infelizmente ele hoje não deve vir aqui dar um ar da sua graça, que vai este fim-de-semana para fóra. Uma pena.
Kika, o jornalismo de investigação, quando é bom, é realmente uma mais valia para a Justiça. Como disse nestas férias estive a ler os dois últimos volumes do Millenium, o romance sueco de que falei aqui, e aí mostra um caso inventado de um maravilhoso jornalismo de investigação. Mas nessas histórias os jornalistas têm um cuidado espantoso em não publicar nem uma palavra que não possam provar.
José Palmeiro, eu só li as histórias no jornal e por alto, nem vi quem eram as queixosas, mas a coisa incomodou-me. Pus-me na sua pele e parecia um castigo.
Quanto à ilustração, vocês sabem que é uma mania minha. Gosto muito de «enfeitar» o que escrevo com uma alegoria ou uma graça. Dá mais cor aqui ao blog…

Anónimo disse...

Pois é... mais de 30 mulheres alegam terem sido estupradas por um médico famoso daqui, especializado em reprodução assistida.
Ele está na prisão e não vai poder responder em liberdade pela quantidade de denúncias, mesmo que seja inocente, o que parece ser bem improvável...
(Atrasadésima! :) Sexta-feira é corrido por aqui...)

beijocas