quinta-feira, julho 23, 2009

A Homofobia

«Yo no creo en brujas.. ...pero que las ay, ay!» pensavam eles, e tratavam de as queimar.

Homofobia é um termo recente para uma atitude bem antiga.
Que, como outras descriminações, (pela cor da pele, pelo género, etc) vai
desaparecendo, na lei e nos costumes, parece-nos que lentamente e contudo...
O Público publicou ontem um grande e interessante artigo sobre a posição do Estado Novo quanto à homossexualidade: Dizia que não havia homossexuais, mas perseguia-os, uma posição tão sonsa e cínica com muitas outras que o velho regime foi tomando.
A completa negação de que 10% das pessoas tivesse uma orientação sexual diferente, hoje um facto aceite pela ciência e pelas sociedades mais desenvolvidas, pela Constituição, pelas normas anti-descriminação internacionais, era o que se fazia há poucas dezenas de anos, de acordo com a orientação da Igreja. Não existia, mas se existisse (?!) – esse 'vício contra a natureza' - era um crime, punido com cadeia e manicómio, que só deixou de ser crime bem depois do 25 de Abril, em 1982.
É claro que não se chamava orientação sexual como hoje se diz, era algo de perverso, um vício contra a natureza, que implicava medidas de segurança “internamento em manicómio criminal", "internamento em casa de trabalho ou colónia agrícola", "liberdade vigiada", "caução de boa conduta" e "interdição do exercício de profissão".
Já a posição era bizarra porque por um lado não existia ou não devia existir mas, paradoxalmente, também… se devia combater!
A humilhação para quem era suspeito era grande. Os palavrões pesados.
O Público chama a atenção para um ponto importante e típico do regime, a existência de ‘duas morais’ "Normalmente, as classes mais baixas - que são arrebanhadas na rua - são humilhadas nas esquadras e espancadas em público, passeadas nas ruas, postas a lavar o chão. Já para as famílias das elites há um sentimento de permissividade, de serem vistos como pessoas que não têm de partilhar da moral comum, a moral burguesa."
Neste grande artigo que vale a pena ler, relembram-se figuras muito conhecidas que viveram toda a vida escondidas e numa permanente mentira para poderem sobreviver, vivendo a sua sexualidade como uma vergonha que não se podia assumir. Porque a ser conhecidos como tal iriam sofrer muitíssimo com a sua condição, como António Botto um dos casos mais famosos e mais tristes de perseguição por esse motivo.


Não. Beijemo-nos apenas.
Nesta agonia da tarde.

Guarda
Para um momento melhor
Teu viril corpo trigueiro.

O meu desejo não arde;
E a convivência contigo
Modificou-me – sou outro...

A névoa da noite cai.

A mal distingo a cor fulva
Dos teus cabelos – És lindo!

A morte
Devia ser
Uma vaga fantasia!

Dá-me o teu braço: -não ponhas
Esse desmaio na voz.

Sim, beijemo-nos apenas!
-Que mais precisamos nós?


António Botto (Canções)

18 comentários:

sem-nick disse...

Venho aqui muito cedo e de passagem, fui espreitar o artigo que é enooooorme e não dá para ler agora.
Volto mais tarde que isto é um tema muito sério.

Joaninha disse...

Venho só fazer eco do que escreveu o sem-nick.
Ontem li o artigo do Público (ontem ou anteontem...?) mas os comentários davam pano para mangas!
Inte!

kika disse...

É preciso não esquecer que estamos no sec XXI, todos estamos mais evoluidos, pois se virmos Africa e outros ,ainda vemos formas de atrocidades terriveis por causa dessa força da natureza que é o sexo.
Hoje cada um é como deve ser , sem necessidade de se esconder, e embora todos desconfiassemos de algumas figuras publicas, só agora os vemos a assumir-se,e já lá vão 34 anos, gostava que me explicassem porquê, só agora!
Não sei se no sec passado a quantidade era a mesma, mas que agora parece um virus, lá isso parece. Ou são casados ou são gays e por vezes as duas coisas em simultâneo, dizemos nós por aí, em tom de brincadeira o que ás vezes é mesmo um desperdicio!

Joaninha disse...

Não Kika, pelo que nos diz a ciência não são mais nem menos do que dantes. A percentagem é sempre por volta dos 10%, ou seja em cada 50 pessoas que conheces 5 delas têm uma orientação sexual diferente da tua, se és hetero.
O que se passa é que hoje como não é censurado as pessoas dizem-no abertamente e há 50 anos - ou nas sociedades africanas, orientais, muçulmanas, etc - escondiam-se...

Anónimo disse...

O artigo (não sei se se pode chamar artigo....?) é realmente muito extenso e aborda pontos interessantes, já o tinha lido em papel e fizeste bem em deixar o link.
Isto, como se costuma dizer «dá pano para mangas»! Percebo muito bem o que disse a Kika, porque também de vez em quando me dá essa ideia de que existem mais homossexuais hoje do que dantes. Contudo a «lei-dos-dez-por-cento» volta a por as coisas no sítio. O que se passa como disse agora a Joaninha, era que quando nós éramos crianças estavam reprimidos e não se dava por isso. quando a coisa pasou a ser aceite e natural, houve uma reviravolta.

Essa coisa do cinismo dos «costumes» é revoltante. O texto do jornal chama a atenção para esse aspecto de avestruz do poder instituído! Tenho a certeza que se uma dessas pessoas tão persecutórias voltasse hoje a umna época onde se discute e irá ser aprovado, tudo o indica, o casamento dos homossexuais, dava-lhes uma coisinha má. Deviam pensar que tinham ido para o Inferno!!!

Didas disse...

Faz-me confusão que as pessoas tenham que se inibir de ter manisfestações de afecto empúblico, como nós fazemos na boa. Quer dizer... na boa é como quem diz. Para mim já olham de lado e perguntam-se "Olha-me lá o caraças da cota!"

Joaninha disse...

Tal e qual, Didas!
Uma publicidade (não se se pode chamar assim) que achei muito bem conseguida era uma onde se via um casal de rapazes a passear de mão dada, e num banco duas velhinhas a olharem uma para a outra e a comentar «Parece impossível!!! Onde é que já se viu?!» e uma pausa para a gente tirar conclusões. Depois continuavam «De manga curta?! Com este tempo?!!!»
estava muito engraçado, e acredito que dentro de uns anos, isso seja verdade.
E a verdade é que a sexualidade entre homens sempre foi considerada mais chocante. Dois rapazes de mão dada chamam a atenção, duas raparigas, nem por isso!

Mas isto com o tempo vai lá!

Anónimo disse...

(isto hoje parece mesmo um chat!!!!!)
Só para dizer uma coisa. Quando li o comentário da Didas e da Joaninha, para não falar no que eu escrevi, deu-me vontade de rir, por achar que neste tipo de frases que a gente escreveu ou disse, costuma-se dizer logo de seguida «Não é que eu seja! Mas... [acho muito bem isto ou aquilo]» o que quer dizer que se avisa logo à cabeça que está tudo muito bem, mas nós não!!!
Ehehehe!!

(agora devia já acrescentar que "eu não! tenho amigos gays, mas sou muito macho") :))))

Mary disse...

Só uma achega, pareceu-me muito bem a frase da wikipédia: «Alguns estudiosos e indivíduos comuns atribuem a origem da homofobia às mesmas motivações que fundamentam o racismo e qualquer outro preconceito. Nomeadamente, uma oposição instintiva a tudo o que não corresponde à maioria com que o indivíduo se identifica e a normas implícitas e estabelecidas por essa mesma maioria, nomeadamente a necessidade de reafirmação dos papéis tradicionais de género, considerando o indivíduo homossexual alguém que falha no desempenho do papel que lhe corresponde segundo o seu género.»

É mesmo, não é?
Ihihihih! Bem visto King, EU NÃO! é claro.
É tal e qual!

Anónimo disse...

È, sim senhora, muito interessante o texto sobre a "investigação" e fizeste bem em publicá-lo, eu não o conhecia e veio acrescentar mais qualquer coisa ao meu conhecimento.
Embora não me esqueça que já estou no sec XXI, como alertou a KiKa, ainda encontro situações que me deixam um pouco descontente, em relação a atitudes que eu julgava fazerem parte do passado. Não só pela "atitude" tomada, mas também pela delicadeza do assunto e sendo do interesse de todos nós, enquanto utentes do "Instituto Português de sangue" deixo aqui o esclarecimento de um jovem médico (no blog MVA) a propósito da polémica levantada em torno da posição do director Gabriel Olim do IPS em relação aos dadores de sangue -MVA no seu blog "Os tempos que correm" «De acordo com Gabriel Olim, ser homossexual já é um comportamento de risco» (pode ouvir-se na TSF).Vale a pena"

( Nuno Ribeiro Ferreira escreveu em 22.July.2009)

"Como jovem médico, sinto obrigação de esclarecer algumas pessoas sobre esta questão importante e que o Professor Miguel Vale de Almeida fez bem em alertar neste seu espaço.
Em 2005, e seguindo uma directiva da União Europeia em matéria de transfusão de sangue e hemoderivados, o IPS retirou do seu site a referência que ditava a proibição da doação de sangue a “homens que tivessem relações sexuais com homens”. Contudo esta referência continua nos manuais explicativos e nos panfletos entregues aos potenciais dadores. Entendem os organismos europeus de saúde que esta referência discriminatória deve ser abolida de todos os regulamentos, isto porque, deve ser excluido da doação de sangue todo e qualquer sujeito cujo comportamento sexual o coloque em risco aumentado de contração de infecções que possam ser transmitidas pelo sangue. Qualquer pessoa com comportamento sexual de risco, entenda-se parceitos múltiplos, deve ser excluída, independentemente de ser homo, hetero ou bissexual ou com qualquer outro tipo de “rótulo”. Obviamente que a referência homossexual per si como critério de exclusão à doação é discriminatória e deve ser abolida, com base nas normas emitidas pelas autoridades de saúde europeias. Mas em Portugal já se sabe, tudo o que vem da Europa leva tempo a ser interiorizado nos complexos neuronais superiores de quem governa.
Relembro só que, segundo dados do CN luta contra a SIDA, em 2008, foram diagnósticadas 1207 infecções VIH de novo, 57% das quais em heterossexuais, 27% em usuários de drogas endovenosas e 18% homossexuais/bissexuais. Em Medicina, aboliu-se o termo grupos de risco, que já não existem, o que existe sim são COMPORTAMENTOS DE RISCO, e esses são os mesmos para Homo, Hetero ou Bissexuais.”

Emiéle, poderia ter deixado a ligação mas,há muitos comentários,
espero que não te importes e se assim não for diz certo?
Obrigada!

Anónimo disse...

Restou-me dizer:-Afinal é uma medida de prevenção ou decriminação?!
Pelo panorama, não haja dúvidas, estamos muito bem protegidos!!!

sem-nick disse...

Mas têm-se dado passos de gigante (como mo jogo que fazíamos quando éramos crianças) nesse sentido. Só quem é mais novo, e por mais novo quero dizer até aos 40 anos, é que não sente a espantosa diferença entre o «antes» e o «agora».
Evidentemente que isso não quer dizer que não haja ainda imenso caminho a percorrer até a uma verdadeira igualdade. Mas o outro, o caminho que se percorreu, é imenso é dá-se bem conta ao ler o artigo do Público! e na vida do dia a dis.
Na minha casa trabalha a dias uma senhora da casa dos 50 e tal. Mulher do povo, mal sabe ler e escrever. Quero dizer com isto que podia estar mais sujeita à acção dos preconceitos com mais facilidade. Pois é ela que conta que trabalha também em casa de um casal gay, e refere isso com a maior naturalidade. Aliás gabando bastante, na sua visão profissional, o arranjo da casa, a limpeza, a decoração... Mas sem condescendência, nem ironia.
Por outro ado o papel das telenovelas e das séries americanas na visão do modo como se encara o mundo LGBT é notável. Já viram quantas e quantas séries onde uma personagem é naturalmente gay ou lésbica?

sem-nick disse...

Nem de propósito, vejam aqui o Jugular!

fj disse...

Tema muito importante, este, Emiéle. Às vezes parece que está tudo dito mas há sempre muito mais que dizer.
É de facto surpreendente a quantidade de artistas, que se vem a saber que são gays. Havia a ideia feita sobre os bailarinos, mas afinal em todos os campos da arte eles surgem, e imagino que há mais nesses campos porque é onde em princípio há mais sensibilidade. Como sabemos, existem pessoas com essa orientação por todo o lado, mas é mais frequente serem artistas.

É certo que de dia para dia se vai vendo mais compreensão e aceitação, mas há ainda muito a fazer. Esse exemplo do sangue é típico. E quanto mais explicam mais se embrulham!

fj disse...

Não é que eu (já ) seja, mas o ABotto
é mesmo muito bom, o poema muito bem escolhido. Zorro essa da sensibilidade pode estar bem vista...

cereja disse...

Devia ter vindo ontem no final do meu dia de trabalho 'arrumar a casa e fechar a porta' e afinal ainda bem que não o fiz quando pensei porque ainda entraram tarde os comentários do Zorro e FJ!

FJ,ainda bem que reparaste no poema. É o primeiro que abre o livro Canções, tive de o ir copiar porque não sabia todo do cor, mas lembrava-me muito bem de alguns dos versos. Achei que ele era uma imagem significativa desses tempos de caça a este tipo de bruxas. Tiveste graça por começares com a frase [adaptada] que o King realçou do «Não é que eu seja!» :)

Zorro, realmente és capaz de ter razão, aparecerem mais nessas profissões por serem as que implicam mais sensibilidade. Ou porque se ralam menos com as aparências. Ou porque têm mais visibilidade.

Maria, boa! Essa referência à questão dos dadores é importante.

Sem-nick, bem visto, essa coisa das telenovelas e séries é por um lado uma fonte de informação e dá para ver de que lado sopra o vento. E hoje já se notam muitos personagens gays e não pela caricatura como acontecia nas revistas antigamente. Essa imagem do homossexual excessivamente amaneirado foi responsável por muitas maldades.

Kika, as pessoas assumem-se 30 e tal anos depois porque só agora se sentem com liberdade para o fazerem sem se sentirem criticados, exactamente porque a lei mudou. Mas só há 6 ou 7 anos é que mudou assim bastante, dantes apenas não seriam presos.

josé palmeiro disse...

Isto de ter filhos em casa, altera os ritmos e as "obrigações".
Chego hoje e verifico que não dei a opinião sobre este tão importante escrito. No entanto já tanto foi dito que a minha participação pouco ou nada iria alterar o anterior. Pronto é importante falar nos assuntos, e neste em particular, uma vez que tal como disse o King: "Eu, não!"
Todos sabemos que não é assim, daí a importância do bater e rebater neste assunto. A Maria tocou no ponto, último incidente, deste lindo povo, a dádiva de sangue, vergonhoso o que se passou com o tal de "Olim". Colha-se o sangue que voluntáriamente se dá e anasise-se, se bom utilize-se se não trate-se quem o não tiver a 100%. Estou farto de perconceitos, cada um é como é, e não há que destacar ou distinguir. Pronto, não digo mais nada.

josé palmeiro disse...

Com tanta escrita nem falei no lindíssimo poema do António Botto, retirado dessa magnífica obra que são "As Canções". Coragem foi o que ele teve e o que falta a muitos e muitas heterosexuais.