terça-feira, outubro 21, 2008

Questões de português

Eu sei que me repito nalgumas coisas que aqui digo, mas se isso acontece é porque os temas se mantêm vivos.
Já tenho desabafado o que me mexe com os nervos o «estrangeirismo» de, desde há uns tempos, as mulheres em Portugal terem passado a ser tratadas por ‘senhora qualquer coisa’.
Nunca assim foi. Mesmo quando se queria abreviar e não dizer «senhora dona» como a cortesia mandava, ao menos dizia-se Dona.... qualquer-coisa. Quem não se lembra do «Dona Rosa, a sua filha chegou do Brasil!» mas nunca se usou o ‘senhora’ simples.
Mas agora é moda.
Moda entre gente mais jovem, é certo. Ainda a semana passada estava em casa de uma prima, pessoa muito educada e já na casa dos 80 anos que atendeu o telefone. E, com surpresa minha, oiço-a dizer em voz cortante, que nem parecia o dela: «Não! Não mora cá nenhuma senhora Maria Costa. É engano.» e perante a insistência do lado de lá esclareceu «Aqui mora a Senhora Dona Maria Luísa ou, se até preferir, a Senhora Dra. Maria Luísa Tavares da Costa». Depois rimos todos perante a energia da resposta, e aliás da sua correcção.
Daí a concordância que senti por esta crónica da Alice Vieira:
Cada país (cada língua, cada cultura) tem a sua maneira específica de se dirigir às pessoas. Mal passamos Vilar Formoso, logo toda a gente se trata por tu, que os espanhóis não são de etiquetas nem de salamaleques.
Mas nós não somos espanhóis.
Também não somos mexicanos, que se tratam por "Licenciado" Fulano.
Nem alinhamos com os brasileiros, para quem toda a gente é "Doutor", seguido do nome próprio: Doutor Pedro, Doutor António, Doutor Wanderlei, etc..
Por cá, Doutor é seguido de apelido, e as mulheres, depois de passarem por aqueles brevíssimos segundos em que são tratadas por "Menina", passam de imediato- sejam casadas, solteiras, viúvas ou amigadas, sejam velhas ou novas, gordas ou magras, feias ou bonitas, ricas ou pobres -à categoria de "Senhora Dona".
E a crónica continua, usando com graça os mesmos argumentos que eu utilizo. Às tantas diz ela «quando sou tratada por "Senhora Alice" respondo sempre: " trate-me por tu, se quiser; ou só pelo meu nome, se lhe apetecer; mas nunca por Senhora Alice".»
É isso mesmo.
Porque em português até existe uma forma simples e correcta de nem dizer nenhum título, dizer simplesmente o nome. Se ouvir numa grande superfície «Emiéle B**** (ou no caso, Alice Vieira) agradecemos que se dirija ao Balcão Central» é uma mensagem educada.
E não leva título. Agora, Senhora Emiéle, ou Senhora Alice... valha-me Deus!

Poupem-me!


9 comentários:

Anónimo disse...

Hoje escreveste posts tão grandes e ainda por cima com links que remetem para outros textos também um pouco grandes que tenho de passar por aqui várias vezes.

Realmente os espanhóis e ainda mais os ingleses só usam a segunda pessoa. Mas há muitas línguas que têm pelo menos duas formas de tratamento, mais familiar e mais distante. Aqui é o modo como nos dirigimos às pessoas, e imagino que é influenciado pelo inglês. Contudo até lá usam 'mistress' ou 'madam' quando falam com uma senhora desconhecida que é suposto respeitar...
Este «costume» português, que eu também noto, cá por mim tem apenas a ver com uma questão de educação familiar. Mais nada. Nunca lhe ensinaram, portanto nem sabem o que é isso...

Anónimo disse...

Também tenho ouvido.
Muito nos telefonemas «A senhora Maria, está?» e como lembraste nas grandes superfícies (olha o Ikea) «pedimos à senhora Luísa para ir ter ...»
Também me faz comichões...

josé palmeiro disse...

Comeei a ouvir, ou a prestar atenção, quando fui para Ponta Delgada e começaram a tratar a minha mulher por senhora, assim com esse tratamentoque citas. Primeiro form os pedreiros que lá tive em casa que me ouviam, Nanda, para cima e Nanda para baixo e passou imediatamente a: "Senhora Nanda", bom, só dava para rir. Depois foi a empregada que já era empregada de uma prima e como essa prima tratava a minha mulher pelo diminuitivo, imediatamente se transformou em: Senhora Fernandinha. Levei a coisa para um costume de lá, agora desperto para o que contas e para a lindissima crónica, da Senhora Dona Alice Vieira, e verifico que já é um dado adquirido. Talvez com dinheiro, daquela impressora, quem sabe

Anónimo disse...

Muito bem visto!!!!
Deixa-me ver se consigo deixar AQUI o link, para essa cena do «Dona Rosa, chegou a sua filha!»

Se calhar era dantes.
As 'donas' tornaram-se 'senhoras'.
mas também estranho e não gosto.

Anónimo disse...

É uma praga!!!
Olha Zé, nos Açores até pode ser um regionalismo, e está muito bem, mas meninas e meninos que são técnicos de vendas e têm formações, licenciaturas, mestrados, o raio, e falam assim?...

Anónimo disse...

O que me irrita!
Julgava que era da idade
(e se calhar é!)

cereja disse...

O Sharkinho escreveu há pouco um post sobre os títulos - Doutores, Engenheiros, etc.
podia ser parecido, mas para mim não é. Uma coisa é esse tipo de referência, outro o modo habitual e tradicional de tratar as pessoas. Tal como a Alice Vieira também lá diz, outra coisa que me faz algumas comichões é alguém (jornalista) dirigir-se a outra pessoa que não conhece nem é seu amigo e é muitíssimo mais velho, tratando-o por você. É uma questão de educação, cá para mim...

Sem-nick - obrigadíssima!!! Que beleza ligares a esse site!

Anónimo disse...

Emiéle! Li o teu post no bloglines e tratei logo de o enviar (com as devidas vénias e url) a várias amigas! Não podia comentar que não consigo, como sabes, mas vim logo cá dizer-te isto, assim que pude, agora. É que é tal e qual e nem tem nada a ver com questões de idade (como se questiona a Joaninha): é uma questão de educação!

E aquela coisa de estares a dizer ao homem que lá te foi fazer um biscate: "ó senhor João, o senhor precisa de um escadote?" e ele responder "se você o for buscar!" ou nas lojas: "Por acaso o senhor tem linhas para bainhas à máquina?" e responderem-te "não, mas se você for ali à retrosaria da esquina, arranja!".


Já agora, sabes que tenho pensado nisso por passar todos os dias por uma situação caricata ao máximo: o contínuo lá do sítio onde estou, chamava-me Dra. Catarina e eu devolvia, como sempre fiz "Senhor Silva" (nome fictício). Depois passámos por uma fase em que resolveu que era "Catarina" sem mais nada e eu sempre "Sr. Silva". Mas um dia destes, cheguei ao pé e disse "Ó Silva, tire-me umas fotocópias disto, se faz favor" e ele até saltou! Ficou ofendido! Portanto nem se pode dizer que as pessoas não sabem...querem é tratamento mais familiar, mas para os outros, quando é com eles já não gostam!

cereja disse...

Olá Catarina!
(fico toda contente que apareças aqui, como sabes!) A tua história do teu local de trabalho lembrou-me uma que eu também nunca levei à paciência, papel químico dessa: tenho uma prima, professora universitária, doutorada (até com um doutoramento para mim bem importante que levou quase 8 anos a elaborar). Tinha uma empregada, a quem ela sempre tratou por Dona Manuela, mas que a tratava a ela ... pelo nome! Ao princípio, se ligava lá para casa e ouvia alguém responder-me «a Teresa já saiu», pensava que seria uma amiga apesar de estranhar. Depois vi que era assim mesmo. Ainda perguntei à minha prima: mas olha lá, ela trata-te pelo nome e tu chamas-lhe Dona?! mas ela encolheu os ombros «que é que queres, se não desse o Dona ofendia-se...»
Bons feitios.