segunda-feira, setembro 08, 2008

Palavras antigas e palavras modernas



Não pretendo dizer que seja de hoje. Naturalmente que sempre assim foi, e é até esse sinal que faz que uma língua seja viva. Há termos que passam de moda e outros que aparecem em seu lugar de uma forma tão firme que até parece antiquado falar-se de outro modo. Não me refiro a palavras de outras línguas, são mesmo português, só que de uma certa altura em diante parece que dizer-se ‘à moderna’ tem outra força, um significado mais intenso.

Uma dessas palavras ultrapassadas é «dificuldade». Ou talvez também «complicação».
É como se parecesse mal reconhecer que há ou pode haver ‘dificuldades’, o que passou a haver em seu lugar foram «desafios». Ainda ontem reparei nisso, foi perguntado a uma pessoa que dificuldades tinha encontrado em determinado trabalho ao que ela respondeu, muito despachada, que não tinham sido dificuldades, foram desafios. E depois lá enumerou os ‘desafios’ e os métodos usados para os ultrapassar. Não descortinei a diferença entre os tais desafios e uma vulgar dificuldade, mas enfim… Será porque num ‘desafio’ se imagina uma luta e um vencedor? Mas creio também podemos lutar contra as dificuldades, e até vencê-las muitas vezes.
Pronto, mas não é assim que se fala.
Também é antiquado falar em complicações, devemos dizer «problemas». Eu agora não me vejo metida numa grande complicação o que tenho é um grande problema. E mais nada!!! Porque estou aqui a escrever isto e sei bem que me sai constantemente pela boca «ai meu Deus! mas que problema que tu aí tens!»
O que querem?
Estamos em Setembro de 2008, não é?
Começar a falar como a minha mãe era cá um destes desafios…


14 comentários:

Anónimo disse...

Não sei se será de geração, mas essa dos «desafios» por tudo e por nada também me dá nervoso miudinho...

josé palmeiro disse...

Pois eu, faço um desafio: Que dificuldades tendes, para aturar estas modernices?
É tempo de não termos medo das palavras e das aplicar com todo o seu significado e não, "dourar a pílula", "implementando" (outra), novos conceitos.

Anónimo disse...

Tambem me dá nervoso.Cá coincide um pouco com as novas (?)armas do neoliealsmo,acentuadas no 1º cavaquismo.Tudo passou a cido, desafio,reforçando a competição com vencedor e vencido esmagado. É quando se generaliza o empreendedor,o cortar nas gorduras para despedir pessoal (vá lá, ainda não usam lipoaspiração )e tantas outras palavras ou expressões.Valha a verdade que as idelogias dominantes introduzem sempre o "seu" vocabulário.
PSD:o "desafio" é mais ou menos do tempo da anedota generalisada pela imprensa cavaquista,quando um "esquerdista" via um gajo num bruto carro dizia que ainda havia de matar o gajo, e o cavaquista, na mesma situação,dizia ainda vou ter um carro como aquele.( claro que só 0000000,1 %teria tal bem, mas ficava no ar que qualquer um o poderia ter, se trabalhador bem comportado e com "visão do futuro".

Anónimo disse...

É isso mesmo jp, o medo das palavras,utilizando uma anestesia verbal

Anónimo disse...

Ainda um exeemplo que jp poderai ter dado:não é mais facil dizer que se vai emagrecer o quadro de pessoal do que dizer que se vai despedir dezenas ou centenas de pessoas?Interpretei bem JP?
Só não concordo é que sejam "modernices", lembra-te de "real","nação", "povo" de tempos passados ,até do futuro.

Anónimo disse...

Interessante problema :))))
(poderei dizer 'questão'?)

O FJ, re-centrou a coisa. De facto a linguagem não é inocente. Já que estamos nessa, a primeira que me chocou foi quando os «patrões» que toda a vida o foram, se metamorfosearam em «empregadores»!

Empregadores?! As criaturas generosas e plenas de bondade que oferecem emprego...? Se, por arrasto issi trás alguam pequena compensação monetária, enfim, são coisas que acontecem.

De resto, é tal e qual como chamas a atenção. Passou tudo a ser um 'desafio', o que o é de facto, e aquilo a que dantes se chamava como fazes notar «dificuldade».
(ou obstáculo; ou estorvo; ou embaraço; ou apuro; ou ...)

josé palmeiro disse...

Obrigado FJ, totalmente de acordo.
Deixa-me, contudo, fazer um esclarecimento: Quando escrevi, "modernices", não foi no sentido que tu lhe deste, mas no que perconizas. O termo foi mesmo só para provocar.

Anónimo disse...

Passou tudo a ser um desafio e sem dificuldade nenhuma...A linguagem é um barometro afinadissimo.A psicanalise agarrou-se a ela que nem gato a bofe porque se não disse ,"queria dizer" e se queria dizer e ~disse "não haver censura verbal,e etc,etc,.No aspecto sociológico e politico com mais ou menos coisa estamos por aí entre winners e....falhados...AB

Anónimo disse...

É muito de geração. Nem de propósito, li a semana passada um romance onde uma senhora de idade respondia em pensamento à criada que lhe vinha dizer «Minha senhora, tenho um problema», ironizando (em pensamento) sobre essa questão do 'problema', que afinal se tratava de terem acabado as batatas e não poder fazer a sopa ou qualquer coisa do estilo... Mas, como tu afinal, eu nisso do problema também embarco, mas o «desafio», já não. Desafio para mim tem outro sentido.

Mas sei bem que estou «fora de moda»!!!

Anónimo disse...

JP obrigado. King, vê lá,quando estudei Direito Corporativo,com o soares martinez antes do 25 de abril,chamava-lhes "dadores(!!!) de trabalho". Semprei , achei "porreiro"de tão socialmente surealista nem dava para levar a "mal"

cereja disse...

DADORES DE TRABALHO?????!!!!!
Ainda é melhor!

Mas a verdade é que a linguagem não é inocente, é claro. A gente sabe isso, como aqui a AB acentuou, e no caso da psicanálise há o «dito» e o que se não diz, há os actos falhados, há a denegação, eu sei lá o que se pode espremer da linguagem!...
Só que encanitei com estas duas palavras que realmente andam na moda, e como disse, eu própria por vezes uso mas a maioria das vezes me irritam um pouco.

Anónimo disse...

Sabem, a Emiéle acabou dizendo que estamos em 2008. Imagino que lá para 2028 eja tão possidónio falar-se em 'problemas' ou desafios' como hoje em 'dificuldades' ou 'complicações'.
Porque nestas coisas a História «vinga-nos» sempre!!!
E acho piada imaginar que os meus netos vão pensar sobre nós o que nós pensamos do Eça de Queirós...

Anónimo disse...

Realmente "dadores" é o fim de tudo.Assim até apeteceria não pedir salário, se já davam o trabalho era pedir demais.

saltapocinhas disse...

na escola não há reprovações, só retenções.
e as crianças passaram a ser "difíceis" em vez de mal comportadas ou malcriadas...