sexta-feira, julho 04, 2008

Mas o que é uma «barraca»?


Ontem estava a ouvir a Antena I, à hora do almoço, um programa chamado «Portugal em Directo» que aborda temas vários da actualidade em Portugal, com reportagens e entrevistas a propósito desses assuntos.
Focava-se nesse programa, a situação de pessoas que viviam em «barracas» e iriam ser realojadas em casas. Não estava a ouvir o programa com muita atenção, percebi que era um realojamento, mas não sei porque foi feito.
Apenas me chamou a atenção, a entrevista feita a uma das senhoras que iria beneficiar dessas casas novas.
Eu esperava que alguém que ia sair de uma «barraca» para uma casa, se sentisse muito contente. Admitia, porque os sentimentos nem sempre são previsíveis e lineares, que viesse a ter algumas saudades de momentos passados no local que agora ia deixar. Mas, para mim, o termo «barraca» evoca uma habitação muito má. Quando oiço falar em viver numa barraca, imagino algo degradadíssimo, com péssimas condições, mal climatizado, enfim… uma barraca!
Daí o meu grande espanto, quando oiço nessa entrevista, a senhora que iria mudar, muito desgostosa com a mudança, declarando que a casa para onde ia era muito mais pequena do que a dela, com muito menos quartos (!) e, ainda por cima, esses quartos muitíssimo mais pequenos segundo ela dizia, e até se queixava de que as suas mobílias (mobílias, assim mesmo!) eram demasiado grandes para a nova casa. Explicava ao repórter que tinha mobílias do século XVII (sic) e não ia caber tudo nesta casa para onde iria.
Tenho a certeza de ter até ouvido a frase «eu aqui tinha uma casa de sonho».
Como?
Uma casa de sonho?
Quem pensou que estava a sonhar era eu.
Ou então a palavra barraca tem de facto um sentido diferente do que eu sempre tinha imaginado.


20 comentários:

Anónimo disse...

Bem se vê que não conheces bem a realidade social dos bairros de barracas...Desde os plasmas aos BMW à porta acontece tudo.Sem impostos e com tráfico sabes lá tu de quê.No Brasil chamam-lhe favela chic.Por cá devo dizer-te que essa da mobilia do sec.XVII é mesmo de pooooooobrrrrre.Cantoneiras e assim.È uma forma que alguns patronatos tiveram em determinada altura de pagar os subsidios de férias às mulheres a dias,quando esses horrorosos monos já não se usavam mas já preenchiam o imaginário ai dos proletas em vias de desenvolvimento...AB

cereja disse...

Eu quando estava a ouvir aquilo, nem acreditava. A senhora usou mesmo a expressão de «casa de sonho», e eu estava a imaginar essas mobílias enormes que ela nos atirava à cara (salvo seja...)
Realmente não conheço bem essa realidade. No outro dia um motorista de táxi fartou-se de falar num bairro (?) aqui perto de mim, dizendo isso que tu dizes, que aquilo por fóra era mau, mas por dentro era um luxo, segundo ele. E de facto os carros que por lá vejo são espampanantes...

Anónimo disse...

Bem mas é preciso ver que a nova e humilde casa não tem box para os dois carros da família, por azar muito grandes.
Por acaso não se pode bem dizer que não conheces a realidade dos bairros pobres basta ver as dificuldades que tens em estacionar em especial por grandes veiculos. Claro que não se pode generalizar, tambem lá há muita miséria.Não sabia das origens da mobília.

cereja disse...

:)
Pensando bem, está bem visto FJ, o meu carrito de quase 9 anos, meio amolgado, não faz nenhuma vista ao lado dos brilhantes BMW, AUDI, Mercedes descapotáveis, que transbordam aqui do bairro ao lado...

Anónimo disse...

Cá está um pst que é quase 'politicamente incorrecto' mas infelizmente muito verdadeiro.

As 'favelas chics' também as temos. É o rigoroso oposto ao ditado « por fora cordas de viola por dentro pão bolorento», aqui é «por fóra pão bolorento, por dentro cordas de viola»
Claro que o gosto do que está 'por dentro' pode ser discutível, mas muita gente de classe média os invejaria. Então electrodomésticos é do melhor. Até porque a electricidade muita dela é por baixadas ilegais...

Anónimo disse...

Eu sabia que tinha visto uma coisa engraçada.
Olhem AQUI
Ar condicionado, heim...?!

Anónimo disse...

Correcção:não são mobilias do sec.XVII mas sim mobilias "estilo sec.XVII".AB

Anónimo disse...

E ainda bem Hing,que lá vem um post politicamente incorrecto.Cá por mim eram quasi todos...AB

Anónimo disse...

São os que eu gosto mais!
(estou a falar dos posts pc, não das ditas mobílias...)
:D
Aliás, hoje falar-se em mobílias, já é um anacronismo. Uma «mobília completa»??? Baah!
Eu também ouvi essa reportagem e ri-me sozinha. Eles a quererem puxar a sardinha para a satisfação da casa nova e a sujeita a torcer o nariz e a resmungar que os quartos dela eram enooormes! Eheheheh!!! Quartos enormes numa barraca? Pensei como tu, que alguma coisa ali estava mal contada!

Devem ser «casas abarracadas», traduzindo: «clandestinas». Com tudo o que o clandestino tem. E muitos desses bairros de que vocês aqui falam não são exactamente «bairros da lata» no sentido antogo, neo-realista, e sim bairros clandestinos, crescendo anarquicamente, como cogumelos, e cheios de direitos sem nenhum dever!

josé palmeiro disse...

O beneficio de chegar tarde leva-me a não ter nada que acrescentar.
Aceito e sublinho os comentários da AB, do FJ, do King, e da Mary.

Anónimo disse...

É por essas e por outras que depois há por aí bocas que a pobreza não é assim tanta, etc e tal.
Quando digo 'essas e outras' não é o teu post é a entrevista da senhora e outros mil casos desses que a gente conhece.
Uma coisa é mesmo as faltas que existem - de dinheiro, de trabalho, de futuro, outras é um certo 'aproveitamento' que muita gente faz dos mecanismos que «ainda» existem de protecção social. Depois fala-se de subsídios mal dados e coisas dessas e... até é verdade, caramba!
É isso que me lixa!
Paga o justo pelo pecador, ou seja quem precisa pelo chico-esperto.

Anónimo disse...

Venho atrás do sem-nick e aproveito o que ele disse.
é das coisas que me revolta também, a falta de fiscalização eficiente do famoso RSI ou RMG, como se chamava dantes.
Em si, era uma medida justíssima. Dar a quem não tinha nada, a base para se organizar e poder subsistir. Mas esse subsídio era transitório, e deveria ser controlado e serem arranjadas possibilidades viáveis de trabalho para os 'subsidiados'.
Nada disso se pode fazer. Não havia técnicos que chegassem. Portanto foi-se dando esse dinheiro sem controlo nem vigilância, e daí tanta gente conhecer histórias de gente que vai receber o RSI e depois vai encher o depósito docarro (isto é caricatura, mas é mais ou menos isso...)
Tá mal!
Muito mal!

Anónimo disse...

Primeiro:Ninguém dúvida de que existe uma economia paralela e se ela dá Vales e Azevedos tb. dá produtos com outros proventos e menos "ventos"(ventosos).
Segundo:tens uma empregada doméstica.Pagas a Segurança Social (qd.ela deixa), logo crias um posto de trabalho.Se não fores uma firma ou não tiveres recibos verdes de profissão liberal, onde, nas despesas, possas deduzir o ordenado da dita,pagas e no teu IRS-zero.Mas estás a dar emprego e o que é que ganhas com isso?Zero.E ela junta isso com o subsidio do marido,mais o não sei quê do filho,mais a mãe dependente,que se calhar até já morreu e zás compra o ar condicionado para a casa de sonho+o plasma+mais a consola para o ganapo mais pequeno+o que se queira...AB

Anónimo disse...

Mais uma pedra, ao que disse a AB:
1 - Vamos supor que a tua empregada doméstica não quer que a SS saiba que ela trabalha. Acontece, como bem sabem. Ou não a contratamos ou entramos no jogo dela, e se se vem a saber quem se lixa somos nós.
2 – Uma história: (que vamos pensar que inventei, que isto é um blog que todos lêem e ainda me pedem contas) A irmã da tua empregada faz limpezas numa firma. Mas para poder trabalhar lá, - ela não tem nenhuma firma de limpezas, entendem? – tem de entregar na contabilidade de lá, facturas de diversos produtos que sejam lá usados no valor daquilo que lhe pagam. Pede-me muitas vezes se lhe dou as minhas facturas de produtos de limpeza, de maços de papel da impressora ou dos tinteiros, até de gasolina. Tem de acumular durante o mês as facturas suficientes para cobrir aquilo que vai receber, porque se assim não fosse tinha de passar um recibo ‘verde’(?) coisa que ela não quer.
Vigarice?

cereja disse...

Eu venho juntar outra pedra (já quase temos um muro que para casa ainda não chega!)
A minha fada-do-lar, que já aqui disse ser muito boa pessoa e trabalhar que se farta, mas...
*tem um automóvel para as suas deslocações [«se assim não fosse não tinha tempo para trabalhar em tantos sítios»] que comprou novo.
*tem dois telemóveis, um 96 e outro 91, porque assim poupa nas chamadas (e está a trabalhar com o auricular posto e vai sempre conversando...)
* tem várias tv em casa - sala, quarto, cozinha
* tem máquina fotográfica digital, que já me mostrou por não se entender com ela
* não há electrodoméstico que eu tenha que ela não tenha também; acho que ainda não tem a Bimby, mas já tem a máquina do Nespresso
* ofereceu à filha (adulta) um portátil que comprou no Banco, e me deixou cheia de inveja :) muito, mas muito melhor que o meu!
etc, etc...

Contudo, oficialmente, - já me mostrou o IRS - vive da pensão de sobrevivência do marido.
Pois.

cereja disse...

Ah, esqueci-me do ar condicionado! Também tem, mas é portátil, para levar da sala para o quarto!

Anónimo disse...

Cheguei aqui já tarde mas ainda gostaria de acrescentar "um ponto a este conto". Acho que a riqueza e poder de compra desta "classe doméstica trabalhadora" são relativos. Electrodomésticos, mobílias ou outros "atributos" podem-se comprar em promoção,a prestações, com empréstimos ou hipotecas. Esta categoria trabalhadora(domésticas com maridos igualmente empregados)costuma ser poupada, habilidosa nas pinturas e obras da casa etc, tendo outras prioridades na vida. Não gasta muito ou nada em livros,jornais,revistas, discos,objectos de arte, concertos, filmes, jantaradas em restaurantes de mais qualidade. Podem tb poupar nas lições de música, clubes desportivos deles ou filhos,férias de avião com acomodação. Na roupa que não precisam de comprar para festas mais formais com amigos ou família...Toda esta "qualidade" de vida que muitos profissionais da classe média ou alta apreciam e em que participam, deixa-lhes certamente algum dinheiro de sobra para as ditas "extravagâncias modernas" que referiram...Acho! Lia

cereja disse...

Lia, tens razão nalgumas coisas, por exemplo, esses «gastos culturais» chamemos-lhe assim livros,jornais,revistas, discos,objectos de arte, concertos, filmes aceito que o não tenham, mas olha que a 'outra classe média, a nossa, cada vez gasta menos nisso, porque o dinheiro não dá. Quanto a jantaradas, olha que eles não são assim tão poupados, não! Se passarmos por alguns restaurantes (não de luxo é claro) estão cheios exactamente com famílias dessa classe. Quanto a comprar-se a prestações... e como é que toda a gente anda a fazer?! São as mulheres-a-dias e as patroas!
Tens toda a razão quando comparas com uma classe alta, isso sem dúvida que o estilo de vida é muito diferente; mas o normalíssimo trabalhador para um patrão, que desconta os seus impostos na fonte, está em grande desvantagem com esta nova classe aqui falada, onde grassa uma economia paralela completamente descarada, e aceite por quase todos nós.

Anónimo disse...

Obrigada pela resposta/análise. Vou pensar sobre tudo isso. Como vivo fora de Port., talvez não tenha reconhecido,identificado bem esse "grupo social" a que se referiam. Lia

cereja disse...

Bem, Lia, não foi assim uma 'análise' mulher!!! Dá cá um ar muito importante ao que disse :)))

Olha uma coisa: Para ficar LIA em vez de anónimo, escreve esse nick onde diz Nome/url, e não escrevas nada no sítio do URL. Não é preciso. Se o fizeres aparece Lia em preto (só seria em azul se tivesses um nome no blogger)