terça-feira, abril 29, 2008

O Diário da Ana

Segunda-feira, dia 29 de Abril de 1974
É uma segunda-feira mas não é uma nova semana, é uma semana nova. Temos a sensação de que tudo é novo, tudo é possível, de que afinal se quebrou o «fado», o terrível fatalismo que nos fazia ver sempre tudo negro.
Ajuda bastante não apenas o que se vai ouvindo na rádio e vendo na TV, mas sobretudo o que se vai vendo da repercussão destes acontecimentos ‘lá fóra’. Vermos que grandes estações estrangeiras abrem noticiários com notícias sobre Portugal e tão elogiosas, é coisa a que não se está habituado e sabe tão bem!... Com a liberdade de imprensa vemos por todo o lado repórteres estrangeiros à procura de mais um testemunho, de um pormenor, de um dado novo.
E nós sabemos ainda tão pouco! O «Programa do MFA» (a sigla que se começou logo a dizer, só nos primeiros comunicados se falava do Movimento das Forças Armadas) é um documento ainda extenso. Sabe-se que foi redigido por um grupo de militares que sabiam bem o que estavam a fazer, mas fala-se de nomes como Vítor Alves, Melo Antunes, Victor Crespo, Charais, que ouvimos agora pela primeira vez. O nome que se ouviu mais, desde o princípio foi o do estratega deste golpe, um capitão (nem sei se é capitão?) chamado Otelo.
O Programa tem umas medidas ‘imediatas’, tal como a formação da tal Junta de Salvação Nacional que vai gerir o país até se formar um Governo Provisório Civil, e depois umas medidas ‘a curto prazo’, que implica escolher-se nessa Junta quem vai ser o Presidente da República, também provisório. Isso de se falar logo em Governo Provisório Civil, sossegou muita gente que já estava a imaginar que se ia cair de novo numa ditadura militar, mesmo que de outro quadrante. Mas eles falam em devolver o poder ao povo, em eleições, numa Assembleia Constituinte para se criar uma nova Constituição, e tudo isso são sinais muito positivos.
Esta coisa de não haver «vedetas» neste Movimento é uma das coisas bem simpáticas. Conta-se por aí que alguém perguntou:
Quem manda aqui? Resposta:
“Mandamos todos!”
Mas quem é o mais graduado? Resposta:
“Somos todos capitães!”
Lindo.

8 comentários:

Anónimo disse...

Lembraste-te dessa!!!!!
De facto havia um certo 'panache', um romantismo naquilo tudo, que se calhar nos tramou depois.
Mas esses dias, esses dias confusos e baralhados na nossa memória (eu sei lá o que se passou antes ou depois!) ficam para sempre para quem os viveu. E já não era uma criancinha...

Anónimo disse...

Eu sei que no estilo que escolheste aqui para o Diário, não dá para fazer links, mas tinha piada ver o Programa. E, tocas num ponto importante, havia muita gente (falo por mim!) que ainda tinha receio das 'fardas' e o facto de terem prometido um governo civil, tranquilizou-nos muito!

cereja disse...

King, meu amigo, o teu desejo é uma ordem!
Ora então cá vem ELE para quem tiver curiosidade.

josé palmeiro disse...

Eu, continuo a ter um SONHO!!!
Como estive muito ligado a uma das facções, é-me doloroso, ver tanta inflexão. Cometeram-se muitos erros, o que terá sido natural, mas acredito que chegará um dia em que seremos, todos, mais iguais, sem ser no dia da morte, onde aí sim, todos atingimos a igualdade.
Quanto ao que nos foi proposto, na altura, era muito avançado e os actores que o levaram à cena, tiveram que assumir diversos compromissos que inviabilizaram a sua aplicação, tal como pensado e dado à estampa.

méri disse...

Só tive(mos) conhecimento do "25 de Abril" a 27. Estavamos "no mato" em Amgola, a cumprir o serviço militar.
Ao meio dia de sábado, 27, o "Sr.Administrador" veio dizer aos graduados milicianos da tropa que "aconteceu qualquer coisa em Lisbos".
Sintonizamos as estações possiveis em ondas curtas, só entendiamos o nome de Spinola. Fizemos uma noitada à luz do petromax, a tentar perceber alguma coisa.
Ao meio dia do dia 28 conseguiu-se sintonizar a Emissora Nacional que transmitia, imagine-se!!!, A Internacional!!! Agora sim percebiamos. Logo a seguir ouvimos a notícia da libertação dos presos políticos!
Finalmente ficamos verdadeiramente emtusiasmados - mesmo que isso significasse o prolongamento da dita comissão.
(acreditas que sinto ainda hoje, ao escrever isto, uns fortes arrepios e me emociono??)

Anónimo disse...

Interessantíssimo a participação quer do Palmeiro quer hoje da Méri, a mostrar como é que se passou lá em África.
De notar que as comunicações eram bem mais difíceis, mas mesmo hoje com telemóveis e tudo, era preciso estar-se num local com rede o que imagino que não fosse isso que se passasse em pleno mato! Contudo é chocante que uma coisa dessas levasse 3 dias a «chegar lá»! Eu sei que mandei logo a 26 um telegrama a um familiar que estava na América do Sul, que me respondeu com outro telegrama,no mesmo dia!!!!

O texto do Diário de hoje é giro porque pouco tempo depois os nomes daqueles capitães estavam na boca de toda a gente, mas realmente nos dias mais próximos não eram nada conhecidos. A «Ana» tem razão.

Anónimo disse...

Foi muito boa ideia o link para o Programa. Que interessante que é lê-lo agora.
Também quero realçar a famosa frase «Somos todos capitães!».
Pelo menos se não foi verdade, corria como sendo.

cereja disse...

Realmente foi muito bom o comentário da Méri para mos ajudar a ver a coisa lá de longe. Apesar de tudo o Zé Palmeiro estava em Moçambique mas não na tropa.
De resto, por cá, também a confusão era muita.