quinta-feira, abril 10, 2008

O Diário da Ana

Quarta-feira, dia 10 de Abril de 1974

A Nela desafiou-me, mais à Teresa e à Luísa, para ir com ela e, no fim do trabalho encontrámo-nos e marchamos todas para a Baixa, aos Porfírios. Ela sabia que tinham chegado uns modelos novos e, pelo menos, fomos dar uma vista de olhos. Eu não queria gastar dinheiro, mas um dia não são dias e as coisas ali ainda são relativamente em conta. É o pronto-a-vestir da malta, a qualidade não será nada do outro mundo, mas tem um ar desempoeirado, «maryquantado» como diz a Teresa.

Acabei por comprar uma espécie de túnica com riscas largas pretas e brancas, que posso usar com as minhas calças pretas. Acho que fica giro, experimentei com um lenço encarnado ao pescoço para animar, e basta variar a cor do lenço ou da écharpe, para fazer uma vista diferente. (e pensar que quando andava na Faculdade seria um escândalo chegar vestida com calças!... Temos evoluído!)

O João gostou, felizmente, porque ele quando lhe dá para embirrar pode ser um pouco chatinho. E a Nela ofereceu-me uns brincos dela, umas argolas grandes também vermelhas, que ela nunca usava mas ficam muito bem com o tal lenço encarnado.

De vez em quando pensarmos em roupas anima bastante!

9 comentários:

Anónimo disse...

E nós?!
Dizes que não entravas na Faculdade de calças? E nós que tínhamos de ir de gravata?!!!
É claro que se andava já mais descontraído no aspecto do vestuário, mas nada que se compare com os anos seguintes!
Falas na Mary Quant, ou pelo menos isso fica no ar, e eu lembro-me logo da mini-saia.
Ena pai, a mini saia!!!!
Isso é que foi!

Anónimo disse...

Ena!!!!
(e a publicidade? olha que fizeste publicidade, viste?!)
Mas é mais uma espécie de «quadro da revista dos anos 70».
Acreditas que também tive uma túnica de riscas largas pretas e brancas?... Se calhar era o mesmo lote :)))

Anónimo disse...

Muni saia e maxi casaco bota acima do joelho de preferencia,compensada.Mas nesta altura de Abril era mais calças muito largas, boca de sino,e aquela fitinha tão gira na testa atada atrás....a ganga já aí estava e lembro-me muito bem de no 1º de Maio ter avistado um amigo meu de Belas-Artes em cima e um montinho de terra ali na Alameda junto ao Técnico.Achei espantoso vê-lo de ganga porque era (e é)muito british nas vestimentas.Fui lá direita(era dos que me tinham mandado aerogramas de Angola)e oh espanto! Lá ganga era,mas bordada a miosotis,e fato completo.Na estética dele aquele era um dia de cerimónia.E era.AB

Anónimo disse...

Mas "os Porfirios", caramba, na altura não era só a roupa...era a decoração,a forma de pôr as roupas, as paredes pretas,os espelhos.Hoje seria fatela mas na altura cheirava a Portobello Road e isso já era o principio do fim da herança afrancesada.De resto a primeira loja de calças pronto a vestir de corte impecável era ainda de marca francesa.Chamava-se Delfieu e ficava ali ao Largo do Leão.Depois veio a "Maçã"e muita roupa de "candonga" em fardos de Inglaterra.Havia gente a vender nos sítios onde as pessoas trabalhavam.AB

Anónimo disse...

Já andávamos de calças, sim senhora, e como diz a AB na altura eram bem largas em baixo, à boca de sino. Contudo, era só gente nova. Nunca a minha mãe se vestiria de calças, como hoje vemos senhoras de todas as idades fazerem! Pode dizer-se que hoje o que é quase raro é a saia. Claro que existe, mas... todas as idades e todas as classes sociais vestem as calças.
Os sapatos, uns anos antes foram ainda mais «compensados». Lembro umas sandálias que eu tive que pareciam coturnos do teatro grego!!! E quando aparecerem comecei por não gostar nada e uns meses depois corri a comprar umas! Não sou lá muito alta e assim cresci logo uns bons centímetros!...

josé palmeiro disse...

O King já fez a abordagem masculina de um escrito inteiramente feminino.
Nessa altura, já eu era um respeitável pai de família, mas lembro-me bem dos Profírios e do "alevante" que era, sim senhora!

Anónimo disse...

Oh Palmeiro,não te respondi às lascas de bacalhau ,que obviamente é do melhor...mas explica-me lá essa do "chefe de família" ter de ser sempre "respeitável"?AB

josé palmeiro disse...

Quanto ao bacalhau, estamos falados, só falta, apanhá-lo.
Relativamente ao "respeitável", nada tem, do dito. Antes foi o que veio, ao correr da pena, pois na precisa altura a que o diário se reporta, estava eu em Moçambique, trabalhando no BNU e na Rádio Club de Moçambique, casado com um filho nascido e outro a nascer em Agosto. Disse realmente respeitável, porque fui na onda do King, que dizia ter de ir para a Faculdade de gravata, coisa que eu, na década anterior, só esporádicamente, usava.
Espero ter-me feito compreender.

cereja disse...

Ai Joaninha, realmente até parece uma de publicidade, mas não tem mesmo nada a ver com isso. É que para se ser realista tem de se chamar os nomes às coisas. E aquela casa foi um símbolo na época, até por aquilo que a AB disse, a própria decoração e os pretos todos. Há lojas que são símbolos, se eu falasse na Loja das Meias queria referir uma certa classe de pessoas. Lá na Baixa, naquela zona dos Porfírios, havia a Casa Africana ou o Old England, mas isso era para outras pessoas, mais velhas. Para a malta a novidade com um cheirinho estrangeiro era de facto os Porfírios.
Zé Palmeiro, realmente este Diário é feminino, e a visão é mais de uma mulher. De qualquer modo a mudança masculina foi mais lenta - começou com a negação da gravata, a camisola de gola alta ou a camisa desabotoada, e estavam a chegar as jeans, como a AB lembrou.