domingo, abril 20, 2008

Deseducar

Estava eu ontem numa loja, quando ouvi uma voz masculina, perguntar num tom meio ansioso meio suplicante: «...e uma pistola? O que achas? Gostas?»
Aquilo caiu-me mal. Estranhei. O quê??? Estranhei tanto que dei a volta às prateleiras ‘expositoras’ para investigar. Deparou-se-me uma cena curiosa.

Protagonistas, um miúdo de uns 7 ou 8 anos e um senhor possivelmente seu avô, pelo menos pela diferença de idades assim parecia. O rapaz mantinha-se semi-encostado a um expositor dos mais variados brinquedos, olhando-os com uma expressão de enjoo e enfado, como um adulto blasé olharia para alguma coisa que considerasse profundamente desinteressante e abaixo da sua importância. O senhor, depois de não ter recebido resposta à sua sugestão da pistola, apresentou-lhe sucessivamente um jogo, uma bola, um outro jogo, e pela atitude parecia que lhe
implorava que, por favor, POR FAVOR, aceitasse um presente. O miúdo nem se dignava responder. Encolhia os ombros e mantinha a tal expressão de enfado e superioridade.
Não era nada comigo.

Ninguém me agradeceria qualquer intervenção.
Fiz portanto a compra que precisava e apressei-me a sair da loja.
Mas a imagem de um mundo de pernas para o ar, não me largou o resto do dia.
Que se dê uma prenda a uma criança, nada de mais natural. É uma prova da nossa ternura, do nosso amor por ele. Mas que se lhe suplique o favor de a aceitar!?...

Que monstrozinho de egoísmo vai sair dali. O Mundo deve-lhe tudo e ele só deve ter de estalar os dedos para que os seus desejos se realizem.
Que jovem e adulto infeliz se estava ali a gerar.
...com a melhor das intenções.


12 comentários:

Anónimo disse...

Eu se fosse a ti tinha pedido ao gerente da loja lápis e papel e tinha posto um cartaz ao pescoço da criancinha-"Vende-se em Saldo".AB

cereja disse...

:)))
Só em saldo!!
Mas a sério AB, apetecia-me sacudi-lo! Se visses a atitude de minúsculo snob, só à estalada. E o senhor de idade, suplicante, a tentar adivinhar-lhe os desejos.

Vai ser um adolescente fresco, aquele!

Anónimo disse...

Se calhar além dos pais de fim de semana também existem avôs nessa categoria...AB

cereja disse...

E sabe-se lá se não era mesmo pai.
É que os pais serôdios, quando fazem um segundo casamento com uma menina bem mais nova e obtêm uma criancinha já quase no fim do seu prazo, têm atitudes para com estes seus rebentos de uma condescendência extrema.

Anónimo disse...

Vemos frequentemente cenas destas. talvez não tão irritantes como a que descreves, mais tipo birra, mas com sucesso. E se calhar essa era um «birra sofisticada». O puto queria alguma coisa que o avô tentava 'trocar' por outra e ele assumia essa atitude.
A mim o que mais me dana é quando esses tipos minúsculos olham para nós como se fôssemos uns atrasados mentais e eles o supra sumo da inteligência. Uma arrogância que me deixa fula!

Anónimo disse...

É o vulgar, Joaninha. O mais vulgar. Falarmos com um fedelho, e se nos diz uma qualquer coisa que não entendemos à primeira, trata-nos de uma forma malcriadíssima e 'superior' como se nós fôssemos uns palermas completos.
Aliás, se formos a ver bem, o anúncio até com alguma graça da TMN do puto que aconselha o pai e a mãe, afinal está nessa linha. A gente sorri, mas...

Anónimo disse...

Mary, sorrimos no anúncio mas exactamente por, como disse a Emiéle, colocarem o mundo de pernas para o ar, e o puto usar a conversa e o tom que os adultos usam para as crianças. No caso de isso ser a norma, achas que tinha graça?...
Estas questões de educação são uma bola de neve - começa com uma coisa insignificante, que cria um precedente, que serve de razão a outra coisa que provoca mais uma é às tantas estamos submergidos em atitudes que não controlamos.
E o pior é que temos essa consciência, mas não travamos nada.
Acho a tua história perfeitamente paradigmática. é mesmo isso, não só se atascam os putos de prendas como até se pede que as aceitem!!!!

Anónimo disse...

Nessa história parecia fácil, dizer: - «O que é que queres? Não queres nada? OK, toca a andar, vamos embora.»
E pronto.
seria o que me fariam se eu tivesse essa veleidade aos 7 anos!

cereja disse...

Já que estamos a pensar nas atitudes certas e erradas, leiam este artigo
«Em nome da Criança
Dá para pensar, ou não?

cristina rocha disse...

Emiele li a crónica que referiste e realmente é mesmo verdade: como educar uma divindade?!

A prova disso está no triste episódio que presenciaste, nas atitudes de certos jovens que por aí temos lido e outras situações com que nos deparamos no dia-a-dia.

Falta o sentido da responsabilidade nos seres que de inofensivos actualmente já nada têm, pois rapidamente aprenderam as leis da negociação e da chantagem. Culpa deles? Não me parece. A consequência de novos tempos em que a necessidade de esquecer as dificuldades passadas em outros tempos deixou perder valores tão importantes.

Beijos

josé palmeiro disse...

Estes são daqueles que chegam na segunda rodada e nem de propósito, pois acabei de ver o noticiário e passa hoje o 8º aniversário do massacre de "Columbaine".
Que estamos a fazer às nossa crianças?
Sim senhora gostei de ler o "Destak".
Estou completamente de acordo com as vossas reflexões e interrogações, pois são preocupações que, como avô, também tenho.

josé palmeiro disse...

Só para emendar uma informação, não são oito mas sim nove anos.