sábado, março 29, 2008

Recordar

Recordar é viver?
Não sei se recordar não seja “apenas” recordar, o que já é imenso.

Ontem fui ao 'meu' jantar anual com a malta da minha geração universitária. É um ritual que continuo a cumprir, apesar de também compreender os amigos que preferem não ir – e ainda são alguns – por lhes fazer impressão não apenas constatar o nosso óbvio envelhecimento, como a ausência de muitos que ao longo destes anos foram desaparecendo.
De qualquer modo, quem opta por lá ir vai no estado de espírito correcto, bem disposto, contente por rever nem que seja apenas uma vez por ano pessoas com quem se partilhou uma fase muito importante da nossa vida.
Claro que mudámos. Muitíssimo, é claro, fisicamente. Como sempre, as mulheres disfarçam um pouco melhor, todos engordámos, isso é verdade, mas não temos tanta barriga nem estamos carecas. E também mudámos um pouco psicologicamente apesar de o fundamental permanecer, porque faz parte da nossa personalidade.

E tivemos mesmo de mudar porque a própria vida e os nossos hábitos foram mudando. Tal como relembrou a Didas no post "Admirável Mundo Novo"
a minha (dela? nossa?) geração apanhou das maiores e radicais mudanças e isso tem implicações como é evidente.
Na mesa onde me sentei, às tantas circulou uma foto que fez soltar várias exclamações divertidas: era do baile de recepção ao caloiro na nossa faculdade. «Ih! Olha p’ra ti! Este não é fulano? Olha a ****!!!» e todos sorríamos divertidos enquanto a foto ia passando de mão em mão.
Pois era. Nesses anos a praxe era lá para Coimbra. Sabíamos que faziam por lá umas cerimónias mas a malta de Coimbra era diferente, vestiam-se de capa e batina, tinham uma certa hierarquia lá entre eles, enfim era um mundo especial.
Mas, cá em Lisboa, a moda era a ‘semana de recepção ao caloiro’ para integrar os recém-chegados, e fazia parte das festividades um baile. Nem toda a gente ia, é claro, mas era um momento alegre, onde se quebrava o gelo e sentíamos que éramos bem vindos àquele novo mundo.

Ninguém ontem se lembrou de fazer comparações, mas eu que tenho este feitio que já conhecem, vim para casa a pensar… Os defensores das ‘praxes’, vexatórias, trocistas, onde no melhor dos casos os caloiros são alegremente humilhados, explicam-me que é um modo de se integrarem, e que eles também passaram por isso e os ajudou a sentirem-se mais integrados. No meu tempo, a recepção era mesmo uma recepção. Mostrava-se à malta onde era o Bar, a «secção de folhas», quem eram os contínuos mais chatos, onde era a Associação de Estudantes, como se podiam orientar naquela casa nova. E terminava com uma festarola, com o tal baile, não a rigor é claro, mas onde ao som de umas músicas se podia realmente confraternizar, e de que maneira!...
Tempos diferentes.



12 comentários:

Anónimo disse...

(o post da Didas é fenomenal! já tinha dado por ele porque o deixaste na coluna ali do Muito bem dito!)

Eu não sou nada saudosista -aliás tu também não, por tudo o que se lê - mas sem dúvida que se por um lado hoje em dia há muitas coisas bem melhores do que quando éramos *mais* novos, outras não se melhorou nadinha....

Anónimo disse...

Emiéle, eu que venho cá todos os dias (ou quase...) também sei que não andas por aqui a dizer que «dantes é que era bom», mas olha que este post parece querer convencer-nos de que o mundo, pelo menos o mundo académico, do 'teu tempo' era completamente cor-de-rosa!
Porque acho cor-de-rosa isso de se receber o caloiro tão paternalmente com festa e tudo. Tens a certeza de que era mesmo assim, ou são os fumos da distância que 'romantizaram' a coisa?....

cereja disse...

Raphael, ficaste irritado e eu não me zango :)))
Claro que não quero aqui vender a imagem de que dantes é que era bom. Não era, não senhor. Há muita coisa em que a vida actual é bem melhor do que a que se vivia naquela altura. A Didas estava a brincar no seu post, e por exemplo, prefiro ter uma escolha entre mil e um canais temáticos do que apenas um a preto e branco, e sem o pc (personal computer) não se podia estar a ter esta conversa!

Mas aquilo que conto sobre a recepção ao caloiro em muitas Escolas de Lisboa era exactamente assim, Raphael. Não está romantizado, como dizes. É evidente que muita gente fugia a este esquema, estava-se nas tintas para a tal «semana», era um tanto anti-social, podia gostar de se isolar e isso era lá com ele (ela). Mas não nos passaria pela cabeça pintar a cara de ninguém, ou fazê-los desfilar mascarados de coisas estranhas, ou fazê-los praticar fosse o que fosse de bizarro. É que nem ocorria isso a ninguém!

Anónimo disse...

Estas reuniões de curso são sempre uma faca de dois gumes (ou uma moeda de duas faces, aliás como todas...)
É muito giro encontrar a malta e reviver certos tempos, mas é claro que temos de encarar que o passado é ... passado!
Percebo os teus colegas que preferem não parecer.

josé palmeiro disse...

Sem vir em defesa da Emiéle, direi exactamente o mesmo, relativamente às recepções aos caloiros na Universidade de Lisboa. Era mesmo assim. Se era melhor ou pior, isso é avaliação de cada um, mas para mim, que nunca fui com as praxes, assim é que estava bem.
Quanto aos jantares, para além dos de curso, eu já junto os da tropa e são como dizes. Saudosismo, nada, mas que é bom sabermos de quem connosco compartilhou um espaço de tempo, significativo, não tenho dúvidas. Depois, relativamente a estes encontros/jantares, como não sou de rotinas, se me apetece, vou, se não, no outro ano, há mais. E lá nos encontramos, recordamos, bebemos uns copos, prespectivamos o futuro e, cada um vai para as suas casas, para o seu meio, fazer o que bem lhe apetece, que espero seja proveitoso.
Vivam, TODAS AS GERAÇÔES!!!

cereja disse...

Sabes, Zé, eu senti que o Raphael estava irritado com o post, mas como disse não me zanguei (nem devia!!!) até porque o entendi muito bem. Quando se vive num mundo tão agressivo como hoje, onde as emoções não são controladas, onde se «acha graça» por exemplo às tais praxes violentas, onde a cena da aula da menina do telemóvel não é infelizmente uma excepção, é capaz de fazer alguma confusão, um outro mundo como foi o nosso. Claro que tinha muita coisa má, oh se tinha, mas este exemplo que dei não foi pintado de cor-de-rosa...

josé palmeiro disse...

Claro que tinha coisas más e eu, fui vítima de uma delas.
No rescaldo de 1969, mandaram-me para a tropa, por quarenta e seis meses e meio, só.
Quanto à côr de rosa, no que dizes, garanto-te que não era, para mim, era de todas as cores, ou melhor era cinzento, mas nós pintávamo-lo de várias cores.

Anónimo disse...

Bom tinha escrito um post que não sei porquê sumiu.Mas vou repetir.AB

Anónimo disse...

Janto de vez em quando com gente do Grupo de Teatro de Letras ,quando sou eu a fazer as marcações do dia e do restaurante.Com o nucleo duro dos meus amigos da altura estou,falo,como,ou saio quando nos apetece a mim ou a eles.A estes jantares comemorativos do chamado Dia do Estudante fui 3 ou 4 vezes ao todo e da última vim tão mal disposta que resolvi não voltar( de resto a Emiele já nem me avisa).E a minha má disposição não tem a ver só com as transformações e os desaparecimentos.Tem a ver com outro tipo de transformações, ainda que elas dêem direito a condecorações, por coisas extraordinárias,tais como segurar o taco de golf dum amigo que por acaso agora é presidente...Ná.Além disso a democracia ainda não me ensinou a comer à mesma mesa com herois e delatores e aí a memória como diz a Èmiele é uma coisa lixada...Quanto às festas (tenho fotografis com "rei" rainha" e tudo, eram de facto diferentes mas as meninas ,Emiele, tinham vestido cocktail).Portanto não posso dizer ao sentar-me naquelas mesas que "no pasa nada" porque muito do que agora "pasa" passa por ali.Ou passou.Quando me falam em museus da memória, eu pergunto-me quem os faria, porque os que agora já estão fazendo ,enfim, meus amigos, contam com o que sempre contaram -que ela seja curta e parcial.AB

cereja disse...

Olá AB!
Claro que eu nem te disse. Sabia que era assim que pensavas e que tens o teu feitiozinho...
Só como nota, olha que uma das meninas dessa foto que estivemos a ver, eras tu! E eu não estou na foto, buááá....
(aqui para nós já nem me lembro se fui ao baile, que era pouco dessas coisas; de resto lá na foto está o resto da malta desse núcleo duro dos nossos jantares mais frequentes que aliás foi à mesa de quem me sentei)

Anónimo disse...

Eu sei Emiele,eu sei que uma das meninas sou eu.AB

cereja disse...

Se não me lembrasses essa do Rei e da Rainha tinha-me passado de todo!!
Mas tens toda a razão, mesmo sem foto a confirmar.