sábado, março 22, 2008

Ganhar a vida

Há modos de falar que têm a sua época. O português é uma língua viva exactamente porque evolui, se modifica, há expressões que nascem e outras que caem em desuso.
Estava há pouco a ler um romance onde, a páginas tantas, alguém quer saber o que determinada pessoa faz e pergunta, naturalmente, «… e como é que ele ganha a vida?»

Nessa história, nesse português que as personagens falam, a questão é natural, e aliás a resposta dada de um modo duvidoso, dá-nos logo a entender que a pessoa em questão não é lá flor que se cheire…

Mas não é um modo de falar que se use muito, hoje em dia.
Nós, mais naturalmente, perguntamos «o que é que ele faz?», ou «onde está empregado?» ou «que formação tem?», ou «trabalha em quê?»
Ou seja centralizamos mais a questão na profissão, no trabalho, e não na Vida.
Na sociedade actual a Vida não se «ganha», é um bem que se recebe, que se aproveita, que se conserva, se possível com saúde, com alegria, com bem-estar e harmonia, com emoções, com enfado ou depressão, com cansaço, com tristeza, com energia… enfim, por aí a fora!

Mas a ideia de a ganhar, não é muito actual.

E afinal, porque não?
Porque a questão que está implícita na tal pergunta é de facto o que é que a pessoa faz. É certo que está latente a questão económica: vive de quê? Mas é interessante alargar o assunto - Que utilidade tem a sua existência?
Na altura em que a tal história se passava era comum viver-se «dos rendimentos», ou seja quem «ganhava a vida» teria de trabalhar para subsistir, ‘os outros’ herdavam-na (de bandeja de prata).
Não a ganhavam, será que a roubavam?
Não se pensava assim, mas….

9 comentários:

josé palmeiro disse...

Este escrito, andou a "ganhar a vida", até chegar aqui!
Ontem não o vi por cá, mas isso são as coisas da Emiéle, em tempo de férias.
Tens razão, no que dizes, é a curiosidade de se saber tudo, da pessoa em causa, o mais rápido possível, para depois construir uma história, sobre ela e sobre a sua família, cada um à sua maneira e da maneira que mais lhe convém. Não sei se já vos contei, mas a mim aconteceu-me uma coisa linda. Mudei-me, para uma terra distante do meu torrão natal, de vinte e poucos kilómetros, a minha mulher já lá estava, em casa de uns primos, casa em que viveu até arranjarmos casa. Eu ia e vinha, como podia. Quando arranjamos a casita, umas vizinhas, logo inventaram que eu era o segundo marido que os dois filhos mais velhos, eram do outro e que meu, seria o que ela transportava, na barriga, enfim um autêntico romance de cordel. Soubemos da tramoia, um dia que uma outra vizinha nos foi visitar e a minha mulher lhe mostrou os nossos álbuns de fotografias, tendo a senhora feito uma cara de espanto, enorme, e contado o que, na rua, se dizia.
Somos assim, que fazer?
De resto, com as dificuldades que nos colocam à frente, temos que andar, sempre, a inventar novas situações, senão, não nos safamos.

josé palmeiro disse...

Com toda aquela "istória", esquecime de dizer, o quanto gostei da gravura.
Muito bonita!

Anónimo disse...

Bem, hoje ainda ando por aqui, quando entrou o post.
E já li a tua explicação sobre a confusão de datas. De facto os posts de sexta-feira entraram com a data de sábado, mas...
OK, agora está tudo certo!

Quanto a «Ganhar a vida» é uma expressão bonita, mas tens razão hoje fala-se disso mas não como está escrito «o que faz para ganhar a vida?» e sim mais «lá anada a ganhar a vida...»
O que usamos é como dizes «que trabalho tem?» ou «o que faz?»

O Zé tem razão, a gravura é mesmo do tempo em que se dizia «o que faz para ganhar a vida?»

Anónimo disse...

Há mesmo expressões que «passam de moda»
Essa é uma delas. Por isso achamos que é uma língua viva.
Bonito.
Contudo o «ganhar a vida» é uma expressão com algum peso, imagina-se logo algum sacrifício, a tal história do «com o suor do seu rosto», ... e do resto!

Anónimo disse...

Olhem isto dava uma discussão que remetia lá para os existencialismos e para os marxismos ou até para a judaico-cristã, coisa muito dentro de época, mas trabalhosa para quem anda aqui a arquitectar um restaurante para logo...Mas sempre digo, para fazer inveja aqui à mãe adoptiva da Micas e com esse filho desnaturado que gosta de dentistas,que encontrei traduzido o livro da Hazel Rowley sobre a vida da Beauvoir e do Jean-Paul.Estou bem divertida...e o sofá e a manta são mesmo só meus....AB

Anónimo disse...

Já agora só falta acrescentar o toque neo-realista "com o suor do seu rosto"(pelos vistos o resto não suava).AB

josé palmeiro disse...

Este, não tenho dúvidas, andou mesmo, "a ganhar a vida", "com o suor do seu rosto"!
Esta manhã aparece-me, no meio dos gatos, como se fosse ontem, e depois quando volto, já está posicionado, entre a "manta e a poltrona".
Que bom que é, estar de férias!!!
E haver uns maduros, que não deixam de aparecer, a chatear.

Anónimo disse...

É mesmo: «ganhar a vida com o suor do rosto», assim é que é!
Dá ieia que o resto do corpo não sua.
Agora o rosto sua p'ra burro!!!

cereja disse...

Olá AB!
(a Micas já regressou a casa - uma tourada para a meter na gaiola de transporte - e assim já tenho sofá e manta para mim :D agora no fim é que estava a ficar menos arisca...)
Fico muito interessada no teu livro!
Zé, realmente troquei as datas dos posts, foi uma confusão! É que o dia da semana isso não dava para trocar, mas o do mês... E só reparei quando deixei o de sábado e vi que já cá estava um, ou seja na sexta feira escrevi uma data por aproximação....
Quanto ao teu primeiro e grande comentário, que história espantosa! Ele há coisas que custam a acreditar!
Mary e King - é o que eu queria dizer, há modos de falar que passam de moda! Por outro lado há uns que surgem de um dia para o outro e toda a gente passa a dizer da «maneira nova»!...