segunda-feira, fevereiro 11, 2008

A violência «doméstica»

Eu sempre embirrei com este nome.
Doméstico?
!
Temos os animais domésticos, temos os electrodomésticos, mas essa história da violência também ser doméstica, sei bem que é uma questão pessoal, mas encanita-me.
Porque lhe confere uma outra dimensão, mais suave em muitos casos, mais compreensiva, é uma questão “doméstica”, estão a ver?... No fundo está implícito que é “lá-entre-eles”.

Aliás sabe-se bem que muitas vezes essas cenas de agressão não se passam nada no domus, são na via pública e bem presenciadas! Quando não atingem o ponto máximo de crime de morte. Se calhar aquilo foi um “crime doméstico”, matou, é verdade, mas foi com a faca do pão...

É uma questão de palavras, eu sei.
Mas a verdade é que as palavras existem para representar conceitos, sentimentos, ideias. E neste caso é exactamente a ideia que está subjacente que me desagrada.
Há um ser humano, um cidadão, que agride outro. Só deve ser isso que está em causa. Sem dúvida que, para a análise dos factos que levaram à agressão, será importante depois estudar quem fez o quê e porquê. Mas isso é outro ponto, decorrerá da investigação, não define o delito em si mesmo. Se dois colegas de trabalho se envolvem à pancada e um deles vai parar ao Hospital, isso não é um “acidente de trabalho”…

Que os afectos que se agitam numa família são fortíssimos, todos o sabemos. O viver-se juntamente com outras pessoas, pode ser excelente e uma fonte de apoio, companhia, carinho, mas também gerar enervamentos, raivas, impaciências, quer entre casais, como entre irmãos, entre pais e filhos, entre netos e avós. Se é mau viver-se sozinho, é difícil viver-se acompanhado. Isso é sabido.
Mas não pode servir para justificar as agressões, sejam físicas ou não (digo isto porque existe uma violência não-física e mais dificilmente contabilizável, mas que nem por isso menos verdadeira) que se escondem sob essa capa um tanto cínica de que é “doméstica”.

Estes pensamentos de hoje, nem tem tanto a ver com os números de polícia que nos dizem que há
uma queixa por dia porque isso são apenas as queixas oficiais, apesar de ser interessante desmontar ideias-feitas e verificar que quer as vítimas quer os agressores são pessoas com cursos superiores!

Não. Voltando ao início, do que eu não gosto é do conceito de “doméstico”, porque acho que isso não devia existir perante a lei.

Somos cidadãos - homens, mulheres, velhos, crianças, sozinhos ou em famílias. Pessoas. Dignas e merecedoras de respeito. Só isso.


8 comentários:

Anónimo disse...

(Tu não escreveste isto, esta manhã, de uma penada, pois não? Este devia ser um post que saiu agora mas estava feito...)

A gente habituou-se à expressão, e o certo é que não é apenas em Portugal que se diz. Mas também é verdade que tens muita razão, o chamar-lhe 'doméstico' atenua o impacto. E é importante chamar-se a atenção de que apesar de as mulheres serem as vítimas mais numerosas ou pelo menos mais VISÍVEIS, porque é onde existem crimes de morte, também os velhos e as crianças são muitas vezes vítimas. Num caso de bebedeira, por exemplo, vai tudo a eito!
E tens toda a razão: um bêbado que ataque uma pessoa na rua, é apanhado e punido; se entrar em casa e espancar a família, é... violência doméstica.

Anónimo disse...

Mary, ela classificou com o marcador «opinião» e já observei que este tipo de posts são os que estão para ali 'em carteira' ( posso enganar-me, mas...)

É uma reflexão, Emiéle, e é bom que a gente fique a pensar de vez em quando. Eu tenho algumas dúvidas. Considero que há coisas que são de facto «domésticas» no sentido de que se forem avaliadas com um 'medidor' legal e frio, podem não ter importância ou calor. Falas de agressões não físicas, coisa que acontece nas famílias, muitíssimo importantes, mas como se avalia?
O que não quer dizer que no essencial não tenhas razão. O chamar «doméstico» ajuda a branquear a coisa.

cereja disse...

Olá!
Tenho andado por aqui (também a visitar outros blogs!) e não resisti a responder.
Olha Mary, a Joaninha tem razão. Realmente como dizes isto não me «saiu de uma penada» em cinco minutos ás 15 para as 8 da manhã... Andei a pensar no assunto,e tinha o rascunho feito (apanhada! já confessei...)
De resto, Joaninha, também tens razão numa coisa - a lei não consegue filtrar um certo tipo de agressões que vão moendo o quotidiano - a impaciência, o abandono, o desleixo, a ausência, a falta de atenção. Claro que é verdade. Claro que há agressões verbais por exemplo que doem mais do que algumas físicas. Também tens razão. Eu apenas lancei os dados para a mesa, para irmos pensando.

josé palmeiro disse...

Gosto e subscrevo, na totalidade a tua reflexão, sobretudo o último parágrafo que, julgo, define tudo.

Anónimo disse...

É por estas coisas que gosto de ler o Pópulo.
Nunca tinha visto isto debaixo desta perspectiva! E só posso dizer que afinal tens razão.

Anónimo disse...

Isto é hora do almoço e não tenho tempo para grandes análises. mas queria sublinhar, essa da violência «soft» ou lá como é. O desinteresse, a frieza, o desprezo do outro.
Essa sim, é mesmo familiar!

Anónimo disse...

Ah, outra coisa;
(hoje aumento-te o número de comentários, mas é sem querer...)
também já tinha pensado que os posts mais reflexivos tinham de vir detrás! Ninguém está tão atenta às seis da matina, Emiéle!!!!

cereja disse...

Pronto, OK, já o «confessei» King, algumas coisas escrevi antes mas como sei que é de manhã que tenho mais leitores, deixo-os em rascunho :D

De resto é exactamente a frase final que o Zé sublinhou que eu penso que nos deve servir para pensar, digamos que é o que eu acho mais importante - não é por se estar em família, não é por ser doméstica, que a violência é diferente e não deve ser tratada de modo diferente.
Quando muito, pelo contrário, se calhar até «doi mais» por isso mesmo!