domingo, fevereiro 10, 2008

Um Caderno de Capa Castanha XXIII– Carnaval e Bailes

«Tinha pensado ficar pela nossa última conversa, quanto às minhas memórias dos Carnavais, até porque por enquanto tenho mantido a rota sempre na década de 40, os meus primeiros 10 anos e, se neste campo se há algo mais a relembrar, terei então de dar um salto para a adolescência. Mas, enfim, aquilo que te tenho vindo a contar é também bastante ao sabor das recordações que vão ocorrendo, e depois de ter agarrado este fio do Carnaval foi inevitável lembrar de «outros Carnavais».
Como sabes, eu sou uma lisboeta – aqui nascida e criada, aqui estudei, aqui construí a minha família e a rede dos meus amigos, aqui tenho trabalhado e desenvolvido o que talvez se pudesse chamar uma carreira. Lisboa é a minha casa. Mas não vivi sempre cá. E, exactamente, cinco anos da minha adolescência foram passados noutra terra, mais pequena, com outros hábitos, e onde a «vida social» era bem mais intensa.
Portanto, aí pelos meus 14, 15 anos o Carnaval era pretexto para bailes, para muito maior descontracção no nosso convívio. Nessa altura eu já olhava de cima para baixo as criancinhas e pelo canto do olho, com alguma desconfiança, os adultos que, infelizmente, ainda mandavam em mim!
Era uma terra pequena e no liceu todos nos conhecíamos. Só havia um ‘liceu’, é claro. Também havia uma ‘escola comercial’, frequentada por rapazes e raparigas de outro meio, coisa muito marcada não só nessa época como, sobretudo, em terras mais pequenas. Mas lá no liceu – com alas diferentes para rapazes e raparigas - conhecíamo-nos todos e, como as nossas casas eram relativamente grandes serviam bem para umas paródias de assaltos de Carnaval, bem aceites de uma forma geral pelas nossas mães. Empurrava-se os móveis para as paredes, enrolavam-se carpetes, e cada um levava o que podia – discos de música de dança, comidas e bebidas. Como alguns de nós estavam a começar os seus primeiros namoros isso implicava bastante cumplicidade entre todos para evitar a entrada dos respectivos pais na ‘nossa zona’. Se alguém das hostes inimigas se aproximava dava-se um sinal para os pares passarem a dançar de um modo mais ‘respeitoso’…
Estas festas eram nos intervalos dos dias onde havia os bailes «a sério». Esses, na Sociedade *******, tinham mais pompa. Eram só para sócios, o que não fazia mal porque toda a gente era sócia, e metiam orquestra a sério, um buffet, e havia pista de dança! E uns cantinhos, importantes para nos escondermos dos pais. Para além dos sumos de frutas aquilo já metia cerveja, vinho e cup. Os rapazes fanfarronavam bebendo cerveja como se fossem mais velhos e mesmo as raparigas bebiam um copo de cup que nos punha o que se chamava «alegres» se ainda o não estivéssemos..!
Aí era engraçado ir-se mascarado. Com mascarilha e tudo. Num dos anos vesti-me de odalisca (imagina tu!) e senti-me lindíssima. As calças tufadas, uma blusa e um colete todo bordado, um toucado complicadíssimo e um véu meio transparente a tapar a cara do nariz para baixo. Era assim que imaginava a Sherazade! Levava uma mascarilha e acreditei que não me reconheciam. Era ainda muito criança, como vês. Outro ano, arranjei um sari indiano verdadeiro (ainda deve estar cá por casa, já serviu para outras pessoas também se mascararem) e os nossos colegas também lá iam disfarçados de Zorro, ou piratas, ou cowboys. No ano da odalisca andava de olho num, que eu sabia que ia de turbante, tipo sheik. Ainda faltavam muitos anos para o Lawrence da Arábia, mas a imagem era mais ou menos essa, e achava que ficava muito bem.
Adolescentes, estás a imaginar? Tudo era motivo de riso e de sentimentos fortíssimos.
Claro que debaixo do controlo dos pais, muito mais vigilantes do que o são hoje, mas por isso mesmo o quebrar das regras também tinha mais sabor!»
Clara

8 comentários:

Divinius disse...

Gostei de ler:)
A luz que te deixo é da cor da minha vida:)

josé palmeiro disse...

Que dizer?
Nesse tempo, era mesmo assim, tal qual contas e, bem aventurados os que ainda têm memória dessas coisas e os que, como tu, as sabem, tão bem contar.

Anónimo disse...

Ó odalisca!!!!
:))))
estou aqui a imaginar!
E o tal sheik devia ser a condizer, não?

Anónimo disse...

Tenho andado preguiçosa e de tantas promessas não cumpridas já começo a parecerum politico em campanha...Mas as coisas são assim mesmo e há bocado tinha já a "alma" a jeito para começar a escrever e zás tocou o telefone.Uma amiga,conversa de meia hora(nada de piadas sobre mulheres e telefones)e pronto agora vou tomar café e depois ver o "vivement dimanche" e se tiver tempo...AB

Anónimo disse...

AB, esperamos a tua promessa, que nós aqui também adoramos «O Caderno da AB»!!!
De resto, revi-me completamente nesses bailes mais ou menos provincianos. Tens de contar o que era o cup (nem sei se é assim que se escreve!) uma bebida mesmo de época!
E as danças?! O Boogie-Woogie (é assim que se escreve?), o hula-hup, com um aro, que era uma paródia e estava a começar o rock and roll, o Elvis levava as meninas americanas aos histerismo...

Anónimo disse...

Oh adolescência!!!
era tão chato na altura e tão bonito visto de agora...

Anónimo disse...

Costumo vir cá todos os dias, mas...
...às vezes atraso-me!
De qualquer modo, no dia seguinte vejo o que escreveste, quase sempre. A chatice é como escreves bastante todos os dias, depois é uma confusão.
Este Caderno já tem tantos capítulos que dava um livro, daqui a pouco.
Os bailes...

Que recordações! As danças mais ou menos agarrados, e o que isso dava para conversas entre raparigas depois! Porque as conversinhas, isso Emiéle, é de todas as épocas!

cereja disse...

Este post só não teve imagem, porque não encontrei nada de jeito, e nos «arquivos» cá de casa, essa época não aparece lá muito...
Amigo 'divinus' aparece quando queiras. O meu blog é de um estilo diferente do teu, mas és bem vindo.