segunda-feira, fevereiro 25, 2008

O «Caderno da AB» - Avó Margarida II

Só para ajudar a localizar, porque este texto vem na sequência de outro que já está lá muito para baixo, comecem por reler Canções de Amor II e, também, Canções de Amor III «o Outro Lado» Vem agora a Avó Margarida:

Só em Lisboa e já na adolescência comecei a desenhar-lhe melhor os contornos. Conversávamos e parecia uma dessas conversas de adolescentes meio secretas. No meu quarto com ela sentada na minha cama. O meu pai não achava graça aqueles cochichos que sabia serem histórias de revoluções ou cantigas malandras e antigas de uma sogra de que não desgostava mas que o incomodava.
A minha tia mais velha, irmã da minha mãe, tremia ao sentir que a imagem gloriosa do “paizinho,” que ela idolatrava, não se estava a sair lá muito bem no julgamento de uma neta mais que póstuma, por cujo sono ele velara, lá da parede, no retrato solene.

A RAPARIGA QUE VIA OS COMBOIOS PASSAR
Passavam os comboios na Aldeia Nova.
E neles, para a morena Margarida de olhos pretos e sotaque castelhano, passava um bem apessoado rapazola. Paravam na estação. Nem sempre. Quando paravam trocavam palavras e uma vez retratos. Daguerreotipos.

Uma vez ele decidiu-se. Iria falar ao pai dela. Falou ao chefe da estação. Mostrou-lhe o retrato da rapariga. O chefe ia de inspecção. E o moço ingénuo: “Se a vir por lá dê-lhe cumprimentos e que lá vou na folga falar ao pai.

O chefe decidiu ir ver a moça ao vivo. E falou ao pai. Pediu-a em casamento. E o pai deu.
Naqueles tempos de 1911 um chefe de estação, 15 anos mais velho era aquilo que se chama a sorte grande para um pai. Foi o 1º casamento civil de Cuba depois da implantação da República.
Republicano e Carbonário o meu avô tinha um jornal. A minha avó mal sabia ler. E dizia-me ela nesses sussurros de temor para os outros: “Depois e durante muito tempo, quando ainda morávamos nas casas das estações, quando ouvia o comboio a vir entreabria o postigo e espreitava… A ver se “o” via. Mas nunca o vi”.

(continua)


12 comentários:

Anónimo disse...

Bem, começamos a entender a AB - avô Republicano e Carbonário, a rapariga deve ser contestatária por genes...

Mas esta história de amor mal resolvida, é emocionante. Como é que ainda há pouco tempo, um pai podia «dar a filha em casamento» porque era um BOM casamento, gostasse ou não a menina de outro rapaz..?! Se foi a avó da AB não foi assim há tanto tempo, o Camilo Castelo Branco e o Amor de Perdição já era...

Anónimo disse...

Hoje vim logo aqui à procura porque ontem foi «anunciado» que vinha mais um destes textos da AB.
E continua...
Que pintura bem feita do ambiente! e a cumplicidade da avó com esta neta (haveria mais? do lado da tia desconfiada, por exemplo?) que parece feita da mesma massa, apesar de não tão submissa é claro, mas os tempos eram mesmo outros!

josé palmeiro disse...

Lindo, AB!
Quantas estórias destas, o nosso Alentejo encerra?

Anónimo disse...

Fico à espera da continuação...
Se fosse um romance de Camilo como disse a Mary, a Margarida tinha-se metido no comboio e ido ter com aquele com quem tinha trocado os "daguerreotipos" (formidável!!!)
Mas pelo tom da narrativa, está a ver-se que assim não foi. O «paizinho», bem mais velho, deve tê-la intimidado e ela acatou as leis sociais. Imagino eu.

Anónimo disse...

Quinze anos mais velho?????!!!!!
Sem palavras!

Anónimo disse...

Que história fabulosa! Uma «pintura de época» como lhe chamou a Joaninha.
Fui ler os links lá para trás, porque cheguei à pouco a este blog e ainda não conheço os cantos da casa.
Mas vou afreguesar-me!

Anónimo disse...

O Pópulo é uma chatice porque se torna um vício...
Eu bem estou uns dias sem cá vir, mas dou sempre o braço a torcer, os outros blogs que conheço são interessantes mas ou são «monorientados» só falam de um assunto, mesmo que seja política, ou escrevem muito pouco, passo por lá e vejo que está tudo na mesma.
Aqui nunca corro esse risco :)))

Quanto à série do Conta-me como foi, já disse tudo o que queria dizer das outras vezes. Fantástica! Seja pela Clara seja pela AB!

Anónimo disse...

Oooooooh! Enganei-me! Queria dizer a série «Era uma vez...» e saiu-me o «Conta-me como foi».
Também é fácil de entender a confusão.

Anónimo disse...

Há pouco tempo Mary?São quási 100 anos...e os genes da rapariga se funcionassem na proporção directa da hereditariedade estava eu bem tramada...A história vai Continuar sim,que ela merece.AB

Anónimo disse...

Ups! Olha AB, fazia-te mais ou menos da minha idade, e eu não podia ter uma avó com quase cem anos... Foi por isso que imaginei a cena um tanto mais tarde.
Apesar disso, continua a ser no século XX, creio e esses romantismos imaginava-os mais para trás....

Anónimo disse...

Ela casou em 1911, Mary.Casou com quinze anos.Morreu com noventa e muitos.Faz as contas.Ab

Anónimo disse...

Mas olha que mesmo aqui,capital até aos latest 50 a coisa dos casamentos não era bem como se queria.A forma de reagir a isso é que já era outra.AB