Coisas de «O Diabo» - I
Contei aqui há pouco tempo que tinha andado a esvaziar uma casa e a desmontar uma biblioteca
Foi tarefa muito complicada e dura em muitos casos, dura fisicamente, porque implicou arrastar caixotes, subir a escadotes, carregar com pesos, e dura psicologicamente porque veio remexer em muitas e muitas recordações que estavam muito bem guardadas lá no fundo da memória e a volta à luz dói um pouco.
Ora entre as toneladas de livros, revistas, jornais, estava lá - já não em estantes mas sim numa arrecadação - uma quase completa colecção do jornal «O Diabo» desde os seus primeiros anos. Faltavam exemplares e havia números repetidos, não era exactamente uma colecção mas para nós, a herdeira e eu própria, aquilo evocava parte da história da nossa família e era muito importante. Porém as casas actuais já não dão para guardar tudo o que se deseja, de modo que ela só pôde recolher alguns dos últimos exemplares onde o seu pai e avô tinham colaborado e ficou preocupada com o destino a dar ao resto. Bem, como aquilo era quase uma relíquia também para mim, apesar de a minha casa estar cheia que nem um ovo, acabei por acarretar com aquilo tudo para cá.
Tenho andado fascinada com o que vou vendo e assim, inicio hoje uma sub-rubrica do Era uma vez…. Para além do conhecido «Caderno de Capa Castanha», mais pessoal, começo agora a contar «Coisas do Diabo» aproveitando o título de uma secção desse jornal.
Para mim o que vou vendo é interessantíssimo, porque o período que tenho aqui em casa inicia-se em 1934 – com o primeiro número – e termina em 1939 quando começa a guerra. Ou seja, tenho aqui, em directo, o dia a dia da ‘preparação’ da segunda guerra mundial!
Na imagem que podem ver ali em baixo, nesta parte do cabeçalho do primeiro número (o meu scaner não chega para apanhar a folha toda…) pode ver-se a data e, espero que reparem bem, por um lado a lista magnífica de colaboradores, gente com nomes de alto gabarito cultural e, por outro, o cuidado de o intitular como «Semanário de Crítica Literária e Artística». Ora, sem dúvida que ali se tratava também de crítica ‘literária e artística’ mas este jornal era sobretudo um posto avançado de crítica anti-fascista, isso sim. Com este véu, a censura tinha menos ponta por onde embirrar.
Com a leitura que ando a fazer cruza-se em mim o espírito da historiadora, porque é interessantíssimo ver o crescer do nacional-socialismo, e um pouco o da socióloga para ver o que interessava as pessoas dessa altura, o preço das coisas, o tipo de anúncios que o jornal publica. Não sou nem uma coisa nem outra, mas quem fica insensível a estas informações…?
Neste primeiro número encontramos, Eduardo Scarlatti falando sobre o estado do Teatro, um festival comemorando os 70 anos de Strauss onde tocou Viana da Mota, uma entrevista com o actor Alves da Cunha, um conto irónico de Brito Camacho, Armando Cortesão promove um concurso de literatura colonial além de se ter também inaugurado uma exposição colonial no Porto, lemos poemas de Carlos Amaro e António Botto, e os sete dias da semana são analisados um por um sucintamente. Nada de subversivo… a não ser nas entrelinhas.
Foi tarefa muito complicada e dura em muitos casos, dura fisicamente, porque implicou arrastar caixotes, subir a escadotes, carregar com pesos, e dura psicologicamente porque veio remexer em muitas e muitas recordações que estavam muito bem guardadas lá no fundo da memória e a volta à luz dói um pouco.
Ora entre as toneladas de livros, revistas, jornais, estava lá - já não em estantes mas sim numa arrecadação - uma quase completa colecção do jornal «O Diabo» desde os seus primeiros anos. Faltavam exemplares e havia números repetidos, não era exactamente uma colecção mas para nós, a herdeira e eu própria, aquilo evocava parte da história da nossa família e era muito importante. Porém as casas actuais já não dão para guardar tudo o que se deseja, de modo que ela só pôde recolher alguns dos últimos exemplares onde o seu pai e avô tinham colaborado e ficou preocupada com o destino a dar ao resto. Bem, como aquilo era quase uma relíquia também para mim, apesar de a minha casa estar cheia que nem um ovo, acabei por acarretar com aquilo tudo para cá.
Tenho andado fascinada com o que vou vendo e assim, inicio hoje uma sub-rubrica do Era uma vez…. Para além do conhecido «Caderno de Capa Castanha», mais pessoal, começo agora a contar «Coisas do Diabo» aproveitando o título de uma secção desse jornal.
Para mim o que vou vendo é interessantíssimo, porque o período que tenho aqui em casa inicia-se em 1934 – com o primeiro número – e termina em 1939 quando começa a guerra. Ou seja, tenho aqui, em directo, o dia a dia da ‘preparação’ da segunda guerra mundial!
Na imagem que podem ver ali em baixo, nesta parte do cabeçalho do primeiro número (o meu scaner não chega para apanhar a folha toda…) pode ver-se a data e, espero que reparem bem, por um lado a lista magnífica de colaboradores, gente com nomes de alto gabarito cultural e, por outro, o cuidado de o intitular como «Semanário de Crítica Literária e Artística». Ora, sem dúvida que ali se tratava também de crítica ‘literária e artística’ mas este jornal era sobretudo um posto avançado de crítica anti-fascista, isso sim. Com este véu, a censura tinha menos ponta por onde embirrar.
Com a leitura que ando a fazer cruza-se em mim o espírito da historiadora, porque é interessantíssimo ver o crescer do nacional-socialismo, e um pouco o da socióloga para ver o que interessava as pessoas dessa altura, o preço das coisas, o tipo de anúncios que o jornal publica. Não sou nem uma coisa nem outra, mas quem fica insensível a estas informações…?
Neste primeiro número encontramos, Eduardo Scarlatti falando sobre o estado do Teatro, um festival comemorando os 70 anos de Strauss onde tocou Viana da Mota, uma entrevista com o actor Alves da Cunha, um conto irónico de Brito Camacho, Armando Cortesão promove um concurso de literatura colonial além de se ter também inaugurado uma exposição colonial no Porto, lemos poemas de Carlos Amaro e António Botto, e os sete dias da semana são analisados um por um sucintamente. Nada de subversivo… a não ser nas entrelinhas.
Cliquem na imagem para lerem
18 comentários:
Primeiramente referir que o que fizeste, foi muito bem feito. Ainda bem que esse magnífico espólio, não ficou para aí guardado em caixotes ou a servir para embalar castanhas, ficou sim, em muito boas mãos. Depois essa avidez de ler e comparar com os olhos de historiador e de sociólogo, foi demais, porque, quem vai lucrar, já estamos a lucrar, com isso, somos nós.
Fico à espera.
Estou completamente encantado!
São relíquias, Emiéle.
Até me arrepiou ver um PRIMEIRO EXEMPLAR desse jornal famosíssimo. E como dizes a lista dos colaboradores é um espanto, Teixeira de Pascoais, António Boto, Sá Nogueira, Julião Quintinha, Ferreira de Castro, Carlos Amaro.
E a amostra que hoje aqui deixas é significativa.
É uma otima ideia.
Ao contrário do King nunca ouvi falar deste jornal (pelo descrito não terá nada a ver com o da Vera Lagoa e do João Jardim)e fico espectante para satisfazer o apetite do sociólogo acerca do nosso passado recente.
Hoje demorou mas temos um Pópulo de luxo!!!
Esta rubrica está cada vez melhor. E a tua ideia é formidável. Só de ver assim «ao vivo» já me fez impressão: sempre ouvi falar no «outro» Diabo quando apareceu o actual que se situa no outro extremo do semi-círculo.
Esmiucei tudo o que podia, abrindo o mais possível a imagem. Até o artigo do Eduardo Scallati, e o bocadinho que se consegue ler do tais «coisas do Diabo», onde ainda se vê uma crítica à pena de morte, e um gozo ao poeta António Correia de Oliveira.
:D
Joaninha - Todos temos ideia de que o António Correia de Oliveira
foi um dos poetas oficiosos do Estado Novo; os seus versos inundavam os livros únicos do ensino primário e não só.
Pedro - o verdadeiro Diabo foi o rigoroso oposto daquilo que agora aparece nas bancas. Os anti-fascistas de antigamente sentem uma volta no estômago em saber que o título pode ser comprado e o seu conteúdo dar a volta que deu. Foi legal. Mas faz muuuuita impressão.
Daí o importante desta recuperação que a Emiéle vai fazer.
Vê-se que o jornal era muito grande, por isso é difícil de o pores no scaner, mas podes fazer fotocópias reduzindo um tanto, isso faz-se.
Pelo resumo que fazes deste primeiro número, não há dúvida de que estavam muito virados para as artes! Claro que quando dizes que analisaram também a semana que passou, aí já cabe muita coisa, mas como não disseste o que era...
Mas, pronto, a gente imagina!
Pedro Tarquínio, o King já respondeu mais ou menos. Se calhar só as pessoas mais velhas ou que venham de famílias onde estas coisas eram discutidas, têm as noções muito claras disto. Mas, como o King mais ou menos disse, o Diabo original era realmente um jornal de esquerda numa altura onde isso era bem difícil. Tanto assim que só sobreviveu muito poucos anos - de 34 a 40 creio eu. Quem lá escrevia foi perseguido, e mesmo encapotado não se conseguia dizer tudo o que queriam. Acabou. E depois de Abril com escândalo de quem se lembrava foi comprado pela... extrema direita. As voltas que o mundo dá!
Excelente, Emiéle!
Se estivéssemos num jornal a sério era uma cacha!!! Isto vai ser interessantíssimo
(eu sou das que conhecia o jornal como referência...)
Quando quiseres para a troca tenho por aí uma colecção do...."Actualidades".Desse é que não há dúvidas qt. à ideologia fascista que lhe presidia...AB
Sempre a aprender! Nem sabia do Diabo, nem do Actualidades. Para mim é grego. Olha que falo a sério quando digo que me tenho farto de aprender coisas com o Pópulo!
Gracias pelos esclarecimentos.
Desconhecia. E a net também não é de grande ajuda pois não consegui encontrar nada sobre "O Diabo".
Salvé o Pópulo.
Pois é, Pedro, a net é maravilhosa (e eu sou das suas fãs) mas para coisas mais actuais. Realmente como este Diabo da Vera Lagoa já tem 30 anos tudo o que vamos encontrar são referências a ele. Infelizmente.
Mas o «meu» Diabo, o autêntico na minha perspectiva é de sinal bem contrário... Assim como se calhar também os mais jovens não têm ideia do que fosse o «Actualidades», o «Novidades», a «Voz».... de outro quadrante.
Semelhante ao Diabo existiu o Sol Nascente, mas desse creio que não está aqui nenhum exemplar.
Ainda encontrei uma referência aqui na net, Pedro Tarquínio:
AQUI podes ter uma ideia. É esta publicação que é referida.
Ainda Emiele,num registo completamente diferente tb. há a Planéte.Todinha.E já agora a "Vida Mundial".Não tive coragem de me desfazer destas qd.fiz a doação dos outros livros e revistas depois das obras.AB
Que belo trabalho! Percorrer as coisas do "autêntico" Diabo, recuperar e reler os textos, com o olhar contemporâneo! Gosto imenso do estilo e da apresentacao! Parabéns e Obrigada pelo que nos ofereces. Temos muito a aprender com as palavras e os desenhos daqueles que na noite da história do seculo XX iluminaram a esperanca neste país triste.
Ena um comentário de um país do norte!...
Olha Maria (como é que vou cortar o O Jørgensen do neste teclado???? Olha, assim dá!) para quem é mais velho, o trabalho (?) prazer de rever momentos que foram pedras importantes na construção da democracia é muito gratificante.
Hoje andamos desapontados, tristes, não gostamos do que se está a viver. Para mim, considero que o reviver momentos como os que se passaram nestas décadas de 30 e 40 pode ajudar a dar-nos força para acreditar que tudo pode mudar. A verdade é que mudou, não é? Mas aqueles homens daquela altura tinham uma fibra invulgar.
Enviar um comentário