domingo, janeiro 27, 2008

Um Caderno de Capa Castanha XXI – O Carnaval – Domingo Magro


«Olá, Clarinha, estamos em plena época de Carnaval!»

Não é bem assim. O Carnaval é só para a semana que vem.

«Hoje em dia até parece. Em Portugal, sobretudo nos grandes centros, pensa-se em Carnaval no Sábado, Domingo e Terça-Feira Gorda. Mas quando eu era criança - e creio bem que na província ainda o é - o Entrudo preenchia 10 dias desde este fim-de-semana, a que se chama Sábado e Domingo Magros, e “continuava sempre a ser” Carnaval até à Quarta-feira da outra semana, a «Quarta-feira de cinzas».
Hoje, não acho grande graça ao Carnaval. E, para ser sincera, mesmo quando era criança tenho a recordação de que os meus pais e seus amigos não lhe davam uma grande importância. Lembro-me da minha avó me contar que as pessoas se vestiam com os dominós pretos e se cobriam de capuzes para ‘assaltarem’ as casas dos amigos, faziam partidas e grandes bailes de máscaras, quando ela era mais nova.
Mas no meu tempo, ou fosse pelo pós-guerra e as economias indispensáveis, ou porque tivesse passado de moda, não me recordo de festas das pessoas crescidas à minha volta.
Mas entre crianças, sim senhor! Como te contei, os preparativos começavam com antecedência. Tinha de ser, para se combinar que fato de máscara é que se ia costurar. Como já adivinhaste os fatos não se compravam feitos, não havia nenhum pronto-a-vestir desse tipo, é claro.
Quando eu era muito pequenina, a maior preocupação era que fosse um fato que me agasalhasse, engraçado mas quentinho. A minha recordação mais antiga está ligada a um fato de minhota. E esse “herdei-o” talvez da minha mãe; mas sentia-me muito feliz de saia vermelha muito rodada, blusa com bordados, xaile com flores, era diferente do habitual, era uma festa! E, como te disse, já neste sábado (chamado ‘magro’) nos mascarávamos e íamos passear para a rua ou fazer visitas aos nossos amigos. Era muito engraçado porque havia mais liberdade do que o costume e perdoavam-se alguns disparates com a desculpa de que «é Carnaval!» E essa sensação de se poder fazer asneiras sem castigo era óptima!!!

Bem, dado a garridice que eu tinha, mesmo pequenita, o mais importante era mesmo a toillete que ia vestir e já te vou contar. Para a semana logo falarei dos outros preparativos, porque a festa era nas matinés dos cinemas e íamos preparados para grandes batalhas.
Agora quanto aos fatos, era uma questão séria. Eu ia sonhando com isso desde o Natal, ou talvez até desde o anterior Carnaval…Quando cresci senti até que ponto os meus gostos eram… pouco imaginativos, mas o certo é que desejava vestir-me como uma figura das histórias: ou fada, ou princesa ou rainha, isso é que era!
Nesses anos, havia muito o costume dos fatos regionais. Hoje não vês assim tantas crianças vestidas de varina da Nazaré, ou ceifeira alentejana, ou noiva do Minho, ou ainda ultrapassando fronteiras, de holandesa com grande touca, ou um toucado de flores como na Europa Central. Naquela época era vulgar e esses fatos iam sendo emprestados entre amigos e familiares. Mas eu, para além de cigana (que só precisei de uma saia comprida colorida, uns lenços e umas jóias falsas) consegui o tal vestido de fada, costurado por uma prima da minha mãe, e foi maravilhoso! Senti-me lindíssima, uma fada quase a sério! Também sonhei vestir-me de «dama antiga» mas aí a coisa não correu tão bem porque eu imaginava-me com uma saia de balão, e uns atavios muito chics mas isso era mais complicado e tive de me contentar com uma dama-menos-antiga - saia comprida sim, uma blusa da bisavó, cabelo no alto da cabeça, um sinal desenhado a lápis na bochecha, mas não era a pompa com que sonhei…
Não interessa! O vestido de fada azul e os seus sapatos pintados a purpurina, isso foi um sonho realizado.»
Clara



(a mãe vestida de minhota)


8 comentários:

Anónimo disse...

A foto do final é um encanto! Perfeitamente autêntica pelo cenário envolvente...

De resto, eu também me esqueço que há para aí Carnaval a não ser pelo feriado de 3ª feira... E detesto os corsos e outras 'coisas' importadas do Brasil, com reis do Carnaval pagos a peso de ouro para virem cá enjoados dizerem 3 ou 4 piadinhas.
Claro que esta vivência aqui contada é outra loiça. O Carnaval das crianças é sempre mais sincero, e o que se conta desse tempo tem um cunho de verdade. Recordo-me de me vestir também mas com coisas improvisadas e que davam para continuar a reinar o resto do ano: de Zorro, ou de cow-boy, coisas dessas. Mas a minha irmã aperaltava-se de bailarina, ou princesa índia. As meninas eram mais esquisitas nisso...

Anónimo disse...

Este tipo de post dá muito para recordações...
O que eu gostava mais era das pinturas. Pôr o rouge e o baton como a minha mãe!!!Fazia canudos no cabelo! O resultado podia não ser do melhor mas a gente divertia-se à brava, e como aqui se diz, havia mais tolerância por ser Carnaval.

Tenho a ideia de que os miúdos de hoje, têm tolerância o ano todo e não sentem tanto esse aspecto.

Anónimo disse...

Carnavais de pequena, Carnavais "do meio",e Carnavais já por conta própria, daqueles de começar 6ª e ir com a bata por cima do vestido de festa para o Liceu, à 4ª?Voltarei cá com mais tempo.Isto no que me diz respeito.Mas tenho algumas histórias de Carnaval de antepassados não muito longiquos,cegadas,(alguém sabe o que foram? ) e há , aí por casa ,uma fotografia da famosa tia Lia que é muito semelhante à que ali deixaste.Também tem a ver com proibições (as cegadas foram proibidas)e com segregação de classes(O Clube em Evora era o supersumo da élite latifundiária,em Beja o chamado "Baile do Palito" idem,)e com algum luxo(Carnaval no Avenida Palace)ou ainda com a arte de arranjar marido conveniente(Cooperativa Militar,por exemplo, ou os bailes do Tó Quim Barreto no famoso e desaparecido Hotel onde viveu o Gulbenkian,mais ou menos onde é hoje o Sheraton).Até mais!AB

Anónimo disse...

Tenho de deixar o comentário «a sério» quando voltar do almoço!!!
É que é muito sugestivo o que aqui se diz.

Anónimo disse...

Há realmente uma diferença entre o tempo em que eu era pequena e hoje, por um lado como dizes os fatos eram feitos por nós ou 'trocados' entre famílias, e agora qualquer loja de chineses ou de 300 tem um monte de fatos à escolha já prontos, como o tipo de fantasia é diferente. Repara que depois do Zorro de que fala o King já veio o Superhomem e todos esses do género, e hoje apreciam muito monstros e figuras de assustar.
Mas também havia como lembra a AB, os bailes da adolescência. E eram muito importantes. Nessa altura não havia discotecas para teeagers, portanto a festa era em casa uns dos outros ou em clubes de bairro, clubes recreativos.
E depois estamos a falar de grandes cidades mas onde a coisa era divertida era mais para sítios pequenos, como ainda hoje acontece.

josé palmeiro disse...

Estou como a AB, em Estremoz também havia esses bailes. As ditas Sociedades Recreativas, com as suas diferenciações sociais, eram evidentes. O Círculo Estremocense, para as classes dominantes, depois "Os Artistas" e a "Porta Nova", para a chamada classe média e por fim os verdadeiros bailes populares, nos Bombeiros e no Clube de Futebol de Estremoz. Mas o baile que me recordo ser mais significativo era o do "Jardim de Inverno", no Teatro Bernardim Ribeiro, numa organização do Orfeão Tomaz Alcaide. Lembro também com saudade a Batalha de Flores. De resto era o habitual, assaltos e bailaricos onde fosse possível e à quarta-feira de cinzas, o enterro do carnaval.
Quanto a máscaras, nunca fui muito disso.

josé palmeiro disse...

Volto só para dizer à AB, que o hotel do sr Calouste Gulbenkian, era o LIZ, na Av. da Liberdade, nº 180, B , C.

Anónimo disse...

Eu sei Zé,fui lá muitas vezes enquanto o Tó Quim foi vivo...e o hotel também.Mas como ainda falta algum tempo para o dito Domingo e terça-feira gorda temos tempo de deixar aqui algumas curiosidades (algumas da Ilustração Portuguesa) para dar uma animação a isto e a Èmiele ficar mais contente...LOL!AB