terça-feira, janeiro 08, 2008

«O Caderno da AB» O sabonete Camay e a colónia Fariña

Usava-se Heno de Pravia ou Feno de Portugal dependendo das idas a Espanha e do esgotamento do stock. Ficavam na beira do lavatório de loiça azulada e pé muito alto em saboneteiras arredondadas, já antigas, suponho que ainda restos da antiga opulência da casa grande. Ao lado um móvel curioso. Uma espécie de coluna alta onde se inseria uma caixa quadrada revestida a mármore e com uma gavetinha e espelho. Sobre o mármore estavam objectos para a barba em metal polido. Taça, pincel, uma colecção de navalhas de cabo de osso e uma colecção de camurças também de osso para o polimento das unhas As tesouras de aparar estavam na gavetinha junto com outros objectos que a memória não tornou particularmente notáveis.
A banheira de esmalte era grande, grande bastante para se poder mergulhar, cabeça e tudo e havia uma série de sabonetes de fabrico artesanal não sei muito bem de que proveniência com um perfume neutro e que faziam pouca espuma mas que eram considerados higiénicos e desinfectantes. Sonhava eu com a espuma das estrelas, já tinha visto a Gardner e a Hayworth já tinha invejado aquela paixão pelo Aga Khan e achava que um sabonete com espuma era imprescindível às grandes paixões cinematográficas com beijos de segundos infindáveis (uma ano ou dois antes tinha achado um nojo aquela história de bocas e línguas).
Fiz saber dos meus anseios de alma, que por acaso eram de corpo, em pequenas frases depreciadoras do valor da sabonária convencional e da sua ausência de espuma. Ao almoço, porque ao jantar, com a presença do meu pai, a coisa configurava-se mais difícil. Houve silêncios e “Hum-Huns” e passou-se o tempo.
Quando fiz a passagem para o 3º ano com notas que não deslustravam a honra do convento fui premiada. Uma caixa de cartão rosa com um enorme laço em fita também rosa e lá dentro entre papel de seda e uma palhinha ligeiramente prateada 3 sabonetes, grandes, ovais, eles próprios embrulhados em papel rosa metalizado e uma cinta de rebordo dourado com uma espécie de figura de camafeu ao meio um perfil de mulher a cinza e prata que bem podia ser a Maria Antonieta. Assim apareceu na minha vida o sabonete Camay espumoso e perfumado que dava para mais de meia hora de banheira em banho de imersão e várias batidelas à porta de ”
despacha-te fazes favor, mas morreste afogada, ou quê” ? Mas como não há bela sem senão depressa o sabonete Camay se tornou alvo de regras definidas. Era cheiroso? Pois, então não se podia usar em conjunto qualquer outro perfume, nem colónia, nem nada, para que os perfumes se não misturassem e (ò comparação terrível!) não ficasse a parecer a Rosa do peixe, em dia de folga de mercado, quando punha doses de “Diamante Negro”. Dado que a Rosa do peixe não era propriamente o meu ideal comparada com a Rita Hayworth acatei o conselho e lá me foi oferecida uma água de colónia para meninas, a Fariña, para quando não usasse o sabonete Camay e logo, logo a seguir ao banho, com a rolha de vidro, passar pelos pulsos, pelo lóbulo das orelhas e ligeiramente pela nuca. Só. E só uma vez, porque o excesso de perfume junto com o odor do corpo,”porque cada um tem o seu, sempre” estragava o efeito, além de que os excessos etc ,etc,.
E também a água de colónia “Fariña” entrou na minha toilette normal.
Ainda hoje coloco o perfume segundo esse preceito. Já não é com rolhas de vidro mas com os pequenos difusores que os frascos trazem de origem.

Por acaso nunca encontrei nenhum Aga Khan…
Paciência.

AB

12 comentários:

fj disse...

Este caderno é uma maravilha, sobretudo para "nós".

Anónimo disse...

Excelente!
Também gosto imenso destes «Cadernos» escritos a duas mãos...
E que bem se nota os dois estilos diferentes das narradoras!!!
Mas articulando os sabonetes «Feno de Portugal» e «Camay» desses tempos com os mil e um sabonetes líquidos e sólidos da actualidade, que caminho percorrido.
E como o excesso de abundância faz com que se banalize o ter!

Anónimo disse...

Fernando - acho que vou entrar no grupo do "nós".
É toda uma época...

Anónimo disse...

Que post perfumado e bem cheiroso!

josé palmeiro disse...

Oh Emiéle, a AB, está um espanto!
Boa memória. Eu lembrei-me logo do: "Maderas do Oriente", mas o que mais me tocou foi o requinte com que tudo é contado. Vejo-me retornar à infância, duma forma tão salutar que as palavras me faltam, para o ilustrar.

Anónimo disse...

Nestas coisas quem chega de pois só se pode repetir. Correcção: só pode repetir os outros!
Tal como disse, a abrir, o «Fernando» se estes Cadernos são bons para os mais jovens, para 'ensinarem' coisas que nem imaginavam, é excelente para nós para reviver tempos e saudades.
Boa, AB!

Anónimo disse...

Comentar um post que escrevemos não tem sentido.Agradeço a todos e a todas que já o fizeram de maneira tão agradávelMas esta nota que deixo tem outra razão e é porque o post surge à cabeça ,logo é o primeiro a ser lido e é aqui que quero lavrar a minha indignação perante a noticia ouvida hoje no F´´orum TSF e segundo a qual aos reformados que tem pensões de 400 euros,que como toda a gente percebe são milionárias e cujo ajustamento de 8 ou 9 euros devia ter sido feito já em Dezembro,sendo o subsíduo de Natal comtemplado,vão receber esses rectroactivos em 14 prestações mensais de 68 centimos.Há alturas em que a indignidade governamental é tal que se permite ao desprezo absoluto pelos seus"patrões" que somos todos nós.È DE LUTO QUE EU FALO PELO PAÌS QUE TENHO E PELO GOVERNO QUE FELIZMENTE NÂO AJUDEI A ELEGER.Ao mesmo tempo o deputado da Nação Paulo Pedroso pede ao Estado português 600 mil euros de indemnização por ter estado preso segundo ele ilegalmente no curso do processo Casa Pia.A razão é o seu "sofrimento irreparável".Não ponho em causa o sofrimento do deputado da Nação.O QUE PONHO EM CAUSA è o sofrimento e humilhaçâo de milhares de portuguses que nâo sâo indmizados pelo governo que têm.AB

Anónimo disse...

Desculpem lá o post está cheio de erros mas a minha raiva é tão grande que clikei sem fazer pré-visão.AB

josé palmeiro disse...

Sem vacilar, apoio incondicionalmente a AB e junto a minha, à sua indignação.
Desobediência Civil é o que nos resta opôr a este desgoverno.

Anónimo disse...

São coisas dessas que nos deixam com vergonha. Mesmo que não se tenha votado nos gajos a verdade é que foram eleitos por uma maioria, e faz vergonha pertencer-se a um povo que maioritariamente elege estes senhores!!!! Por estas e outras é que tenho um medo que me pélo das «maiorias».

luis manuel disse...

Que cheiros por aqui andaram !!
Feno de Portugal; Feno de Pravia; Maderas do Oriente - quando algûém da família, dos que conseguiam passar a fronteira, trazia um desses sabonetes !!
Esses e outros, além de darem um perfume especial ao corpo, moravam nas gavetas da roupa, libertando os aromas. Seria uma forma de poupança...! já que estar horas e horas no banho, desgastava o sabonete num ápice, mesmo que fosse "Camay"...

Unknown disse...

Estes aromas fizeram-me retroceder e recordar alguns bons anos atraz.
Foi uma viagem agradável a uma época saudosa e que eu gostei de relembrar. Obrigado