sexta-feira, janeiro 25, 2008

Em grande e à francesa

Ou «quem vê caras não vê corações».

Ainda ontem, em conversa com uma mãe cuja filha vai casar, mas que só agora começa a aceitar o futuro genro, tendo tido sempre muitas reservas em relação a ele devido “ao seu aspecto”, recordei que um bom vigarista tem de ter um bom aspecto.
Tal e qual.
Imagine-se que uma fraude monumental, um roubo de 5 mil milhões de euros, foi descoberta num Banco em França. E a pessoa que conseguiu a proeza, é um corretor, mocinho de 31 anos, expedito e desembaraçado. Com bom aspecto, decerto.
Cinco milhões de euros! Dizem que é o preço do nosso novo aeroporto e assim já se imagina melhor o tamanho do roubo…

Mas quanto a aspecto, ponho as mãos no fogo que seria impecável.
Aquela mãe com quem falei, chocada com o piercing do futuro genro – pelo que ouvi bom rapaz, trabalhador e com emprego estável, e muito bom feitio – talvez tivesse ficado satisfeita com o aspecto do tal corretor.


17 comentários:

Anónimo disse...

Olá Emiéle :)

Apenas dois reparos: é corretor. E não se tratou de um roubo. Apenas fez operações que não podia e dissimulou-as para passar despercebido. Para a maioria das pessoas será difícil perceber o que aconteceu em concreto mas, resumindo, o que se passou foi que ele "investiu" alavancado - alavancagem permite-te investir $1 como se valesse $10, por exemplo - que os mercados europeus iam subir quando, na realidade, iam descer. As perdas foram provocadas e agudizadas porque quando o banco descobriu a batata quente, desatou a vender num mercado em queda... E o tipo não é vigarista, apesar da gravidade dos seus actos.

cereja disse...

Bom Dia Miguel. Isto é que é uma visita matutina...
OK, já alterei a palavra e retirei o c a mais. 'Brigada.
Quanto à tua explicação, agradeço-a também e evidente, mas para leigos como somos quase todos nós, a nuance entre este investimento com um dinheiro que não era seu, e uma vigarice mais 'normal' é apenas que se tudo corresse bem ninguém seria prejudicado, pelo que entendo. Mas afinal é o que os jogadores dominados pelo vício do jogo dizem quando 'adiantam' umas notazinhas da gaveta do balcão com a ideia de as repor no final do jogo, depois de terem ganho. Se não ganham...

Anónimo disse...

Miguel; outro dia deixei-te uma pergunta que ficou sem resposta...Já agora qual é a diferença com o caso Caldeira?E de qq.maneira como é que isso pode ter "abanado" daquela maneira a Société Generale?Não é por nada,mas a "acção" dos brokers de forma voluntarista sem qq. controle ainda se admite ,com sociedades de correctores com clientes próprios, e mesmo assim conheço algumas, cujos sócios NUNCA perderam ,mesmo no Crash dos anos 90 ,enquanto que os clientes que não realizaram as suas mais-valias a tempo(e o tempo nunca é propicio qd. está em baixa e nunca é propicio porque está em alta e ainda pode subir)ficaram em muito mau estado.Não só não perderam como as brutas casas começaram a nascer que nem cogumelos e depois uma venda da sociedade a um Banco espanhol resolveu o resto da fortuna.OK.Se se tratar de uns tostões é vigarice ,se se tratar de milhões que afectem inclusivamente creditos interbancários, trata-se de uma operação financeira menos bem sucedida?AB

Anónimo disse...

Estou um pouco como a Emiéle. Acredito que o Miguel, que já nos provou saber destas "podas", sabe muito melhor do que se está a falar. Mas o que lemos na notícia que a Emiéle deixou é que
Durante alguns meses, o corretor Jerome Kerviel, de 31 anos, ‘jogou’ com o dinheiro da Societe Generale numa série de transacções bolsistas fraudulentas, que foram mal sucedidas.
Portanto, quem joga com o dinheiro da societe generale (a não ser que essa coisa fosse dele) está de facto a ir rapinar uns cobres à caixa registadora do patrão.

Mas aqui o assunto do post, pelo que percebi é mesmo o tal de «ver caras». É só pensar que aquele tal 'retrato robot' do imaginado raptor da Madie desencadeia as mais variadas reacções negativas nas pessoas. E, se calhar, os culpados andam elegantíssimos por aí.

Anónimo disse...

Mas como se falava de aspecto, devo dizer ,que fora algumas excentricidades que têm a ver com outros investimentos que não só os bolsistas ,para os quais são necessários aspectos menos formais,não conheço nenhum corretor que não tenha um impecável aspecto...Quanto ao colarinho branco...tb.se usava muito nos anos 20 e 30 com camisas de riscas.AB

Anónimo disse...

Olha AB, o teu comentário entrou antes mas como estava a escrever o meu, não o vi; o Miguel respondeu-te sim. Vai lá procurar.
De resto dizes melhor o que eu tentei dizer.

cereja disse...

Olá AB. Para te ajudar, a resposta do Miguel está por aqui, nos últimos dois comentários
Hoje ainda cá voltei!
Até logo!!! :D

Anónimo disse...

Os «aspectos» tem muito que se lhe diga!
Porque também não dá para se 'virar do avesso' e pensar que quem tem mau aspecto é bom e quem o tem bom, é mau. Digamos que se tem de ver para além do aspecto.
quanto à tua amiga ou conhecida, essa do piercing já está tão banalizado que ela deve ser mesmo muito conservadora. Afinal as mulheres usavam piercings nas orelhas para pendurarem os brincos de família, e até lhos faziam recém-nascidas...

-pirata-vermelho- disse...

Et voilá!

É a primeira vez que vejo uma mulher a sublinhar que o vigarista é sempre simpático.

josé palmeiro disse...

Como eu gosto de ler, estas conversas.
São todos bons rapazes e raparigas, até o Jardim Gonçalves e todos os outros, por esse mundo fora, são uns santos!
Agora, os que roubam um pão, porque têm fome, esses são:LADRÕES, VIGARISTAS, SEM VERGONHA, ETC. ETC.
E os sem abrigo são, como dizia um pseudo jornalista, aqui em Ponta Delgada, no Açoriano Oriental, pessoas que vivem assim porque querem, e não gostam de ter regras e ir viver para os buracos que lhes oferecem.

Anónimo disse...

Emiéle, o dinheiro num banco jamais pertence ao banco... Se ele fez os investimentos é porque estava habilitado a fazê-los, afinal era um trader. Do que li, os executivos da SocGen entraram em pânico quando repararam que o trader, para além de ter mascarado as operações, não tinha efectuado hedging das mesmas, ie, cobertura das mesmas por forma a salvaguardar posições caso as coisas corressem mal. O que é estranho, inacreditável, é como é que ele pode fazê-lo sem ser detectado. E não há lugar a roubo porque, na realidade, não ganhou 1 centavo com tudo isto, antes pelo contrário.

ab, dá pano para mangas esta discussão. Contudo penso que o conceito de vígaro associado a um Alves dos Reis não será necessariamente o mesmo a aplicar a este caso. Quanto ao caso Caldeira, enfim... cada qual mete o seu dinheiro onde entende. Por último, é óbvio que eles raramente perdem pois "vivem" do dinheiro dos outros. Basta ver as comissões que cobram, seja com o cliente a ganhar ou a perder. O caso mais ilustrativo de como é melhor estar lá dentro do que ter o dinheiro lá dentro é o BCP...

De qualquer maneira, para além de tudo, o mais importante é que este tipo de situações permitem descredibilizar o sistema (financeiro), põe a olho nú de como as coisas não são bem como aparentam ser e de como tudo é tão falível. Há um excelente artigo de George Soros, o homem que atacou a libra esterlina há uns anos atrás e provocou a maior crise de sempre no Mecanismo das Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu, sobre o que se passa actualmente designando esta crise como a maior dos últimos 60 anos.

Agora, repito, o vígaro age em benefício próprio, ludibriando terceiros. Não foi este o caso. Muito menos roubou. Contudo, os seus actos ilícitos, com consequências graves para terceiros, agindo com dolo, deverão ser encarados de forma grave e passíveis de tratamento adequado como já está afinal a ser feito.

Pessoalmente, se fosse cliente da Société Générale fechava as minhas contas todas. Se fosse accionista, vendia todas as acções.

Anónimo disse...

(Transcrevo aqui a notícia traduzida para português pelo Público. Penso que ajuda a perceber melhor algumas coisas).

Opinião: Dias depois do colapso das bolsas mundiais
George Soros: esta é a pior crise dos últimos 60 anos

24.01.2008 - 08h52

A actual crise financeira desencadeada pelo colapso da bolha imobiliária, nos Estados Unidos, marca também o fim de uma era de expansão do crédito assente no dólar como a moeda de reserva internacional.

É uma tempestade muito maior do que qualquer outra ocorrida desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Para compreender o que está a acontecer, precisamos de um novo paradigma. Esse paradigma está disponível na teoria da reflectividade que propus pela primeira vez, há 20 anos, no meu livro "The Alchemy of Finance" (A Alquimia dasFinanças).

Esta teoria defende que os mercados financeiros não tendem para o equilíbrio. Opiniões tendenciosas e ideias erradas entre cooperadores dos mercados financeiros introduzem incerteza e maior imprevisibilidade não apenas relativamente aos preços do mercado, mas também aos princípios fundamentais que se espera que esses preços reflictam. Entregues a si próprios, os mercados têm tendência para extremos de euforia e de desespero.

Na realidade, devido à sua potencial instabilidade, os mercados financeiros não são deixados entregues a si próprios; estão a cargo de autoridades responsáveis cujo trabalho é manter os excessos dentro dos limites. Mas as autoridades também são humanas e sujeitas a opiniões tendenciosas e a ideias erradas, além de que a interacção entre os mercados financeiros e as autoridades que os controlam é também reflexiva.

Os ciclos económicos de alto se baixos (boom-bust) giram normalmente em torno do crédito e envolvem sempre um preconceito ou uma ideia errada– normalmente uma falha em reconhecer uma ligação circular reflexiva entre a pronta disponibilidade para emprestar e o valor da garantia.

O recente boom imobiliário dos Estados Unidos é um bom pretexto. Mas o super boom dos últimos 60 anos é um caso mais complicado. Cada vez que a expansão do crédito causava problemas, as autoridades financeiras intervinham, injectando liquidez e descobrindo outras formas de estimular a economia. Isso criou um sistema de incentivos assimétricos – também conhecido como perigo moral – que favorecia uma expansão cada vez maior do crédito.

O sistema tinha tanto sucesso que as pessoas acabaram por acreditar naquilo a que o ex-Presidente Ronald Reagan chamou “a magia do mercado” e a que eu chamo fundamentalismo do mercado.

Os fundamentalistas crêem que os mercados tendem para o equilíbrio e que se serve melhor o interesse comum se se permitir que os participantes ajam em interesse próprio. Isso é um equívoco óbvio, porque foi a intervenção das autoridades que evitou que os mercados financeiros entrassem em colapso, não foram os próprios mercados.

No entanto, o fundamentalismo de mercado instalou-se como ideologia dominante nos anos 1980, quando os mercados financeiros começaram a tornar-se globalizados e os Estados Unidos começaram a sofrer um défice de conta-corrente. Desde 1980 que as regulamentações têm vindo progressivamente a afrouxar até que praticamente desapareceram.

EUA e a globalização

A globalização permitiu que os Estados Unidos absorvessem as poupanças do resto do mundo e consumissem mais do que aquilo que produziam, com o seu défice de conta-corrente a atingir os 6,2 por cento do PIB em 2006. Os mercados financeiros encorajavam os consumidores a pedir empréstimos introduzindo instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados e condições mais generosas.

As autoridades financeiras ajudavam e estimulavam o processo intervindo sempre que o sistema financeiro global estava em risco. O "superboom" ficou fora de controlo quando os novos produtos financeiros se tornaram tão complexos que as autoridades financeiras já não conseguiam calcular os riscos e começaram a contar com os métodos de gestão de risco dos próprios bancos. Do mesmo modo, as agências de "rating" contavam com a informação fornecida pelos criadores de produtos sintéticos. Era um abdicar de responsabilidades verdadeiramente chocante. Tudo o que podia correr mal, correu mal.

Começou com as hipotecas "subprime" (créditos hipotecários de alto risco), alastrou a todas as obrigações de dívida com garantia, pôs em perigo a mediação de seguros e resseguros municipais e hipotecários e ameaçou destruir o mercado de trocas com um incumprimento de crédito de vários milhões de milhões de dólares.

Os compromissos dos bancos de investimento com aquisições alavancadas transformaram-se em passivos. Os fundos de cobertura sem risco acabaram por não ser sem risco e tiveram de ser postos de parte. O mercado do papel comercial coberto por activos estagnou e os meios especiais de investimento estabelecidos por bancos para retirarem as hipotecas dos seus balanços já não conseguiam passar sem financiamento externo.

O golpe de misericórdia aconteceu quando o empréstimo interbancário, vital no sistema financeiro, foi interrompido pelo facto de os bancos terem de gerir os seus recursos e não poderem confiarnos seus homólogos. Os bancos centrais tiveram de injectar uma quantia sem precedentes e tiveram de alargar o crédito sobre títulos sem precedentes ao maior leque de instituições de sempre. Isso transformou a crise na mais grave desde a Segunda Guerra Mundial.

À expansão do crédito deverá agora seguir-se um período de contracção, porque alguns dos novos instrumentos e práticas do crédito são perversos e insustentáveis. Além disso, a capacidade das autoridades financeiras de estimular a economia está limitada pela falta de vontade do resto do mundo para acumular reservas de dólares adicionais.

Até há pouco tempo os investidores esperavam que a Reserva Federal norte-americana fizesse o que fosse necessário para evitar uma recessão, porque foi o que fez em anteriores ocasiões.

Agora são obrigados a reconhecer que a Fed pode já não estar em posição de o poder fazer. Com o petróleo, os alimentos e outros bens essenciais semsofrer alteração e o renminbi[moeda chinesa, cuja unidade éo yuan] a valorizar-se um poucomais rapidamente, a Fed tem também de se preocupar com a inflação. Se as taxas de juro fossem diminuídas para além de um certo ponto, o dólar sofria nova pressão e as obrigações de longo prazo teriam de facto maior lucro.

É impossível determinar qual é esse ponto, mas quando ele for atingido, chega ao fim a capacidade da Fed de estimular a economia. Embora seja agora mais ou menos inevitável a ocorrência de uma recessão no mundo desenvolvido, a tendência na China, na Índia e em alguns dos países produtores de petróleo é manifestamente oposta. Consequentemente, é mais provável que a actual crise financeira cause um realinhamento radical da economia global do que uma recessão global, vindo a verificar-se um relativo declínio dos Estados Unidos e a ascensão da China e de outros países em vias de desenvolvimento.

O perigo é que as tensões políticas daí resultantes, incluindo o proteccionismo norte-americano, possam causar o colapso da economia global e lançar o mundo numa recessão – ou pior.

cereja disse...

Ena Miguel, mas que montes de informação!!!
OK, aceito muitas das coisas que dizes, mas falas em conceitos muito técnicos e sinto um pouco como quando se vai ao médico e ele diz que «é um caso muito interessante».
Do ponto de vista ético, continuo a marrar com o teu conceito de que «não há lugar a roubo porque, na realidade, não ganhou 1 centavo com tudo isto»... Se tivesse ganho? Já era? Afinal o rapaz teve o raio de um azar foi o que foi...
:D
De qualquer modo, obrigada pelos esclarecimentos.

Anónimo disse...

Livra, a informação do Miguel é para ler mais tarde. Logo ao serão volto cá!

Quanto ao «quem vê caras» etc, é mesmo assim. Achei piada à Mary com a ideia de que os brincos que já a minha avó tinha eram um piercing... Realmente não se pode negar. Mas do outro lado dos preconceitos, nessa altura até parecia mal uma menina não ter as orelhas furadas pelo que ela me disse!

Anónimo disse...

Tinha lido o artigo de opinião que o Miguel transcreve, no Público de papel que ainda continuo a comprar (no virtual só pagando se pode ler, é claro!)
OK, vem em resposta ao que disseste num post lá para baixo, certo? Ficamos a pensar. E a desejar que não haja o tal "colapso da economia global".
Quanto ao rapaz que teve o tal azar de perder os cinco mil milhões de euros, é tanto dinheiro que me ultrapassa... E dissi tudo só entendi que há manigâncias nestas coisas dos Bancos e Mercados e operações 'alanvancadas' e mais não sei o quê que dá para lixar muita gente!
Aliás é o Miguel quem o diz: «é óbvio que eles raramente perdem pois "vivem" do dinheiro dos outros».
Nem mais!!!

Anónimo disse...

Obrigada Miguel.Muito do que disseste reforça a minha perplexidade em relação à India ou China ,quando no outro dia falei nisso.Li o Soros, não o artigo que referes, mas para se perceber que esta crise é talvez a mais grave desde a 2º guerra não é preciso ser o Soros a dizê-lo.Atenção, a minha formação não tem nada a ver com as finanças ou a economia, mas há muito que ,para perceber a politica e a "ditadura" dos mercados e sua influencia nas escolhas politicas e consequencias das mesmas escolhas ,leio o que posso e me seja acessivel (não demasiado técnico)do ponto de vista da formação.Entender coisas como Timor ou mesmo sobre o desenvolvimento indiano ou a economia chinesa só é possivel se se lerem algumas coisas.Isto dá para ficar estarrecido com o "adormentamento" das pessoas quando há alguns incidentes que parecem passar ao lado e não se perceba que a crise económica e financeira arrasta infalivelmente crises politicas que se traduzem em governos autoritários.E que por exemplo a origem das policias nazis veio da"fiscalização" das actividades económicas.AB

Anónimo disse...

Como é de calcular fui ao blog do Miguel. E, como também é de calcular, ele tem lá um post sobre isto.
E nos comentários ao post, em conversa 'entendida' que para leigos é um tanto hermética, a Catarina-100-Nada diz:
«Ainda hoje em conversa, levantou-se outra lebre: estes são os que correm realmente mal. E os outros? os que só correm vagamente mal? E os que correm BEM?»
Ora cá está!!!
Era o que eu tinha querido dizer!...