domingo, dezembro 30, 2007

Um Caderno de Capa Castanha XVIII – Passagem de Ano

E o Fim-do-Ano? Era diferente?...
«Um pouco.
Não te conto as «passagens de ano» de grande fausto porque não as conheci. Quanto a isso acredito que dadas as devidas diferenças fossem perfeitamente semelhantes ao que se faz hoje. Talvez não se fosse passar o ano ao Brasil ou a um local exótico porque as viagens não se faziam com a mesma facilidade, e ir a Paris ou Roma já era uma aventura. Contudo os reveillons no Casino Estoril ou noutros locais de luxo, faziam-se muito. Não na minha família, e é disso que te posso falar por experiência própria.
Tal como hoje, era uma festa que já não se considerava familiar. Sem impedir que uma família que se desse bem estivesse junta, a verdade é que passar o ano era mais com amigos. A casa dos meus pais não era muito grande (hoje até pareceria…) portanto a reunião era quase sempre em casa de amigos. Umas vezes jantávamos lá, outras vezes ia-se depois do jantar, só para a ceia. Íamos bem vestidos, eu ia muitas vezes de vestido novo ou, pelo menos, vestido de festa de melhor qualidade e um laço muito grande e bem armado no cabelo, isso era importante.
Claro que havia muito que comer! Bolos variados, caseiros, excepto o Bolo-Rei, apesar de me lembrar de uns primos que insistiam em fazer o Bolo-Rei em casa. E ficava bom!!! Com a vantagem de eles acharem graça em deixarem vários brindes em vez de um só… As bebidas, o champanhe, ou vinhos doces era para os crescidos. Nós às vezes molhávamos a pontinha dos lábios num cálice de vinho do Porto e era formidável!!!
As crianças ficavam excitadíssimas porque se deitavam mais tarde. Era o único dia em que se tinha licença de ficar até à meia-noite. Depois ia-se olhando para os relógios, e ouvindo o rádio, mas é claro que nem era necessário porque ao chegar da meia-noite a barulheira das ruas era enorme.
Havia um costume, que desapareceu quase, pelo menos nas cidades, que era ir para as janelas, bater com tampas de tachos, ou com tudo o que se encontrasse que fizesse barulho. Apitos, gaitas, berros, tambores e sobretudo as tampas a bater, aquilo era um chinfrim que nos matava de riso. Nota que era a única altura em que tínhamos licença para fazer barulho à vontade!...
Havia ao mesmo tempo um costume que desapareceu e, nesse caso felizmente, que era atirar para a rua com coisas velhas – partir pratos ou travessas, copos, tudo o que fosse de partir, era atirado janela fóra e quanto mais barulho fizesse melhor. Imagino eu que fosse simbolicamente «limpar» a casa e a vida dos restos para iniciar o novo ano com tudo novo. Mas o resultado era péssimo, porque no dia de Ano Novo as nossas ruas pareciam um campo de batalha…
Contudo o alívio de poder gritar à vontade até se ficar rouco, e partir coisas sem ninguém nos ralhar, tornava aquela noite inesquecível!»

Clara

8 comentários:

Anónimo disse...

Claro que em Lisboa é diferente, e estas 'crónicas' são escritas aqui e por quem aqui tem vivido.
Mas lá para a província muitas destas tradições ainda funcionam. Até essa de bater com as tampas das panelas (claro que não dá se forem de pirex!!!)

Anónimo disse...

Eu vivo em Lisboa e decerto que a sujeira das ruas é por outros factores, não os pratos partidos mas sacos de lixo rebentados, e milhares de embalagens vazias, de tudo e mais alguma coisa...
Nalguns bairros ainda se faz barulho nas janelas, mas quem não vai dançar para as comunidades ou passar o fim-do-ano por esse país fóra como tem sido moda, vai simplesmente ver o fogo de artifício ao Parque das Nações ou ao Terreiro do Paço.
Coisas.

josé palmeiro disse...

Na minha família nuclear, sempre a ano, foi passado em família. Eram épocas em que o meu pai tinha trabalho acrescido na mercearia. Lembro-me dele chegar a casa, em cima da meia-noite, de forma que ceavamos juntos e depois, já quando mais velho, lá ia eu com os primos e amigos para os bailes de passagem do ano. Não me recordo dos barulhos, nem do deitar fora as coisas de se não necessitasse, também não havia assim tanta coisa, pois os tempos eram difíceis e havia que fazer, as coisas durar.

josé palmeiro disse...

Esqueci-me de referir que hoje é diferente, se bem que os filhos que estão connosco, têm o hábito de estar junto a nós na hora certa depois, bem depois, cada um vai para seu lado.

cereja disse...

Temos aqui recordações várias...
Olha Zé, eu lembro-me dessa coisa de se atirarem coisas fora. Claro que nunca seriam coisas boas ou que tivessem arranjo, creio mesmo que se iam juntando em vez de se deitar no lixo, guardava-se para «o fim do ano». esse costume um tanto primitivo acabou!!!! Mas existiu sim. :D
E, como dizes, hoje, mesmo que se jante com a família depois toda a malta se dispersa para ao pé dos amigos...

Mar disse...

É sempre tão bom ler estas memórias...e reencontrar os hábitos de que se faziam as vidas dos nossos antecessores. Gosto muito deste caderno, emiéle! :-)

josé palmeiro disse...

Ainda sobre o tema das, " coisas pela janela fora", lembro-me mas numa outra situação. Corria o ano de 1970, estava eu na tropa em Santarém, deram-se as grandes cheias do Tejo. Tudo inundado e lá fui eu mais a malta toda, dar uma ajuda à resolução da situação. Dentro de todo o drama que eram as cheias, aquelas populações sabiam conviver com elas e delas retirar todo o proveito possível. Assim era a altura ideal para renovar as mobílias de que se não gostava ou que estavam deterioradas e lá marchavam elas com a cheia, atiradas pelas janelas fora.

Anónimo disse...

Eu sei que faço um pouco figura de miúdo nestas coisas :D
Mas muito do que se conta neste Caderno vou logo perguntar aos meus pais! Tem mesmo piada porque eles que não são nada de 'nets' já se começam a interessar por estas memórias que também são as deles.
E, sim, lembram-se bem de bater em tampas de panelas e atirar cacps velhos para a rua!!!
Olhem que há cada uma....