domingo, dezembro 02, 2007

Um Caderno de Capa Castanha XIV

Hoje, tempos antes do Natal, vemos que as salas de cinema estão cheias de filmes dedicados ao público infantil ou adolescente. Creio que esta situação é ‘moderna’, apesar de eu sempre me lembrar deste mês com espectáculos infantis. Conte-me como era há 50 ou 60 anos...
«Bem diferente, podes calcular. O cinema como já te tinha contado, era na sua maior parte a preto e branco, e pensado para adultos. Aliás as crianças não estavam vistas como «consumidoras» de nada, nessa época. Aceitávamos naturalmente aquilo que os pais quisessem para nós... Mas nessa década de 40 chegaram os primeiros filmes de desenhos animados, coloridos. Recordo já muito mal (devia ser ainda muito pequena) de ter visto o «Dumbo», um elefante que voava com as orelhas o que me pareceu uma coisa extraordinária mas muito engraçada e logo depois, o «Bambi».
Ai, o Bambi, Clara, que coisa mais triste! Ainda hoje me admira como se põe uma criança perante o horror da orfandade com tanta calma (aliás, recentemente repetiu-se a dose com o Rei Leão). O Bambi, esse primeiro filme para crianças de que me lembro bem, começou por me encantar – as cores, a floresta, os animais amigos do Bambi, flores, música - tudo aquilo era engraçado, alegre, cativante. Exactamente por isso, por tudo se estar a passar de um modo tão feliz e engraçado nada me preparava para o choque da morte da mãe. Ouvir o Bambi chamar «mamã, mamã», saber que ela estava morta fez-me chorar convulsivamente, e as lágrimas eram tantas que nem conseguia ver as imagens no ecrã! Não soube como acabou, porque saí dali lavada em lágrimas e sem querer ver mais nada.

Mas naturalmente que havia outros filmes onde se podia levar uma criança. Os da Shirley Temple já não eram do meu tempo, mas ainda passavam. E a «Annie, a pequena orfã». E o «Papá das Pernas Longas». Creio que sim, que havia algum cinema a que as crianças podiam ir, mas não sei se exactamente planeado para elas. Seriam antes «sessões para a família».
Mas, quanto à tua questão, é evidente que não havia estas maratonas pela altura do Natal de se estrear mais de meia dúzia de filmes ou de animação ou com personagens reais, para delícia das crianças»
...e aborrecimento dos adultos, que nestas alturas assistem à invasão das salas pelo «bando das pipocas» como diz uma amiga minha...
«Repara que, por um lado, a indústria do cinema não tinha a força que tem hoje, e por outro, as crianças mesmo que muito amadas e até mimadas algumas, não tinham as honras nem a satisfação dos seus desejos imediatos, que têm hoje. Acontecia por vezes acompanharmos os adultos mas ficarmos ao seu colo, e até lá adormecíamos. Mas conto-te isso de outra vez»
Clara

6 comentários:

josé palmeiro disse...

Para gente, como nós, este escrito é um clássico.
Lembro-me de há mais de trinta anos, estavamos em Lisboa com o meu cunhado Zeca e os nossos filhos primogénitos e corria, naquele cinema do Campo Grande, o Bamby. Tirado à sorte, calhou ao Zeca acompanhar os miúdos, nessa aventura, e lá foi ele. Ainda hoje, recordamos essa manhã, com prazer.

Anónimo disse...

Mas é que todos os Contos de Fadas eram muito maldosos! Toda aquela gente era órfã, já reparaste: A Branca de Neve, a Gata Borralheira...Vá lá que a Bela Adormecida escapava!

Mas realmente no caso do Bambi é muito comovente porque ele começa por ter mãe (nos outros casos ela já se foi) e a pobrezinha é morta pelos caçadores. Ele a chamar a mãe, é demais para uma criança pequenina, sim senhora.
A Shirley Temple com os seus caracóis, afinal o 'trabalho infantil' já existia nessa época!
(neste escrito, diz-se que vai continuar, imagino que depois falem de outros filmes ou outros espectáculos, de modo que não vou aqui adiantar mais nada até ver o que vens contar)

Anónimo disse...

Um tema interessante, e que creio estar dentro das tuas «competências» seria comparar os desenhos animados de então com os de hoje - japoneses e não só.

Anónimo disse...

Mais um texto para a minha colecção!
Com a qualidade do costume.

cereja disse...

Olha King, sabes que já tinha pensado nisso. Tinha graça uma comparação dessas. O complicado é encaixá-la no formato de um post que nunca pode ser muito grande
(poder pode, mas fica desequilibrado)
Quanto ao velho Bambi, sei bem que muitos meninos ficam chocados com a história. É que a Gata Borralheira ou Branca de Neve, começam mal mas acabam bem, e aquele é ao contrário. É um «drama» mas infantil.

Anónimo disse...

Bem, eu ontem ainda li este post, mas este blog tem muito que ler (escreves muito todos os dias) e eu escrevo pouco.
Ficou para hoje, apesar de nem saber o que dizer. Comecei a ler os desta secção, o era-uma-vez, e as saudades são muitas!
Realmente é impossível comparar a importância da criança na nossa sociedade actual e há 40 ou 50 anos. Como dizes ali em cima, nós "Aceitávamos naturalmente aquilo que os pais quisessem para nós..." e não se exigia nada - porque a exigência era a certeza de não receber nada! Era uma severa aprendizagem da frustração, esses tempos.