O Caderno da AB . «Canções de amor III »- “o outro lado”
Bisavó – Relíquias, de nome próprio. Só me lembro dela já de ”visita nas férias” pelos seis, sete anos. Os relatos viriam depois, muito depois, a enquadrar um personagem puro Lorca. Alta, seca, sempre de preto na cadeira de braços e espaldar alto, os pés poisados no estrado da braseira na enorme cozinha cheia de cobres, com vista para o aqueduto, de onde se recusava a sair a não ser à noite, de bengala em riste, para espantar a ”gata maula” que se escondia debaixo das cómodas ou guarda fatos, tarefa que se revelava difícil uma vez que os móveis vinham até ao chão. ”Não está nada bem”- e apontava-se com o dedo a cabeça como quem desaparafusa. A “gata maula “era uma expressão catalã e a bisavó era estremenha fixada do lado de cá em terra de Héredias e Ortas mas devia ser da itinerância, porque “má sorte” existe em todo o lado. E o primo Domingos não perdia a ocasião de uma boa piada “Avó, sabe o que estou a ver? Uma pulga com olhos azuis no sino da Sé”. E ela – “Que boa vista tienes meu filho”. Aqui há tempos, a desoras, vi na televisão o “Vai-Vem” do João César. E na cena em que a banda sonora ataca um veemente “Donde vás de manton de Manila ?” veio-me inteirinha a bisavó Relíquias. Zarzuela. Tal qual.
AB
9 comentários:
Estes nomes espantosos - Relíquias - que só existiam aqui no Sul é há muitos anos. Também conheço pessoas com nomes quase medievais, e que lá na sua terra são normais...
A descrição da nossa AB, está fenomenal. E chama a atenção para uma faceta que nos relatos da Clara não se nota - a difícil coexistência na mesma família de duas classes sociais. Afinal isso não é de hoje.
E ainda por cima com esse toque 'exótico' da avó ser «estrangeira».
Muito interessante, e ...já nos vamos habituando aos textos da AB.
Expliquei-me mal e agora ao reler o que escrevi é que vi o disparate. Queria dizer «pessoas com nomes etc» e esses nomes na sua terra são normais, não eram as pessoas que o eram! Disparate, é claro, essa possível leitura.
Com esta família não há-de a AB ter esta verve toda!!!
O que hoje a AB trás à colacção, terá que ser estudado um dia. Refiro-me à intercepção dos povos do SUL. A minha família, quer dum lado quer do outro, tinham essa miscenização, que depois dava esses episódios tão interessantes, como o que ela descreve. Obrigado pela clareza com que o fazes.
Donde vás de manton e manilha?
Tchi... O que me foste lembrar!!!!
O que descreves é mesmo muito próximo de algo como a Bernarda Alba. E se ela era espanhola...
Era.E tem a ver com a Bernarda Alba(dependendo do encenador é claro).Ando doida à procura de discos de zarzuela mas pelos vistos tenho de ir pelo menos a Badajoz.Enfim.AB
Aliás Mary quem se lembrou foi o João César...Eu só "convoquei" a bisavó Reliquias.AB
Bonito. E comovente.
O que pensaria ela se imaginasse que ia aparecer na página de um blog...?
Também achei esta evocação da AB belíssima. E assim vamos entrando pé ante pé nas suas memórias mais antigas.
Enviar um comentário