domingo, agosto 26, 2007

Um Caderno de Capa Castanha XII - Férias III

Férias na região saloia
«E desta vez venho contar a «terceira parte» das minhas férias. Porque as férias de Verão não acabavam logo depois do tempo de praia. Pode até ter havido algum ano onde não fôssemos à praia mas, como os meus pais consideravam que o ar do mar excitava um pouco, para se recomeçar o ano sereno, terminava-se sempre com algum tempo passado no campo.
Mas não se ia para longe. Considerando as distâncias de hoje, ficávamos até por bem perto – íamos muitas vezes para uma aldeia pequenina, perto de Torres Vedras. O meu pai tinha lá um amigo agricultor que nos cedia uma casinha, perto da herdade dele. Íamos para lá os quatro – a mãe, o pai, eu e, connosco a fazer companhia, uma prima mais crescida do que eu, já adolescente.
Era uma casa de aldeia. A água não era canalizada, tirava-se com uma bomba de um poço, não havia electricidade. Lembro-me de que à noite se acendia um velho candeeiro petromax’ que dava uma luz forte e branca mas provocava calor e fazia algum barulho.
Ali era outro ‘tipo de férias’, mas eu também gostava muito.
Como só havia aquele candeeiro bom, os serões não eram prolongados, deitávamo-nos cedo mas também acordávamos cedo. A vida era muito simples, a minha mãe nunca foi uma dona de casa exemplar, nem se preocupava nada com isso. A comida era o mais simples possível, mas os produtos maravilhosamente saborosos porque acabados de apanhar! Recordo-me de ir logo de manhãzinha, com essa prima mais velha e uma vasilha, até ao estábulo desse amigo do meu pai onde estavam a ordenhar as vacas e trazer o leite do dia acabado de ordenhar! Eu não me aproximava lá muito da vaca, era um bicho muito grande e pensava eu (menina de cidade) que a ordenha lhe doía, e estranhava que ela não parecia queixar-se…
Esse amigo fornecia a nossa casa com tudo o que era legumes e frutas numa abundância incrível. Como era produtor de fruta, essa então chegava-nos aos cabazes! Lembro-me de uns pêssegos como nunca mais vi, enormes e com um sabor maravilhoso, e íamos colher os figos directamente da figueira para a fruteira. Nesses tempos, quando se falava em fruta, era sempre fruta da época nem se concebia que se pudesse comer determinados alimentos quando a natureza não os produzia!...
As brincadeiras eram óptimas porque esse amigo tenha 4 filhos, três rapazes e uma rapariga que conheciam todos os caminhos e dávamos passeios enormes, eles, eu e a minha prima que em princípio “tomava conta” de nós.
Havia lá perto um monte com vários moinhos de vento, passeio que me fascinava, ir ver de perto as velas brancas a girar e também íamos brincar para o leito de um ribeirinho que durante o Verão secava completamente. Como tinha areia eu considerava-o a «minha praia» privativa.
Era uma vida de uma grande simplicidade mas que me enchia as medidas.
Grandes férias!»

Clara

9 comentários:

josé palmeiro disse...

Um retrato fiel de férias, como deviam ser.
Mudando os protagonistas e os lugares, era assim que se passava o tempo de lazer. De lazer e de aprendizagem, da vida real e dos valores da natureza. Nesse tempo, que não há muito, o aquecimento global, não causava preocupações. o homem era o verdadeiro amigo da natureza.

Anónimo disse...

Muito interessante e cheio de pormenores que ajudam a visionar a época e as circunstâncias. Fiquei bem nostálgica, comparando algumas situações, sensaçòes com as minhas férias igualmente agradáveis bem lá no sul, longe da capital...Ficava quase sempre na casa dos avós maternos na zona das campinas, onde havia mais comodidades e menos mato, mas desta vez fiquei bastante tempo na casa dos meus avós paternos: Agricultores, pastores de ovelhas e cabras, criadores de porcos e galinhas, burro de albarda e mula com carroça, agora quase extintos. Viviam na altura um tanto isolados, no meio da serra...Tudo era bem caseiro e simples mas suficiente para sobreviver. Uma casa rústica, com água de poço e candeeiros de vidro a petróleo, agora escassos.
Havia uvas, figos, alfarrobas, melões, laranjas mesmo à mão, pão caseiro feito pela avó num grande forno, leite e queijo de cabra ou ovelha, feito pelos avós, chouriço ou carne conservada dos seus porcos...legumes frescos da terra e refeições super gostosas feitas num caldeirão, em cima do lume de lenha, quase como nos livros de feiticeiras...Acordava com o cantar do galo, deitada numa cama de ferro, com colchão duro e mantas de lã que picavam, mas protegida por lençóis bem branquinhos que a avó lavava e punha a corar na ribeira atrás da casa...Estes avós já faleceram...nunca pude dizer-lhes o quão apreciei os esforços que fizeram para que eu tivesse umas férias saudáveis e seguras, rodeada de tanto carinho e generosidade...Obrigada Clara/Emiéle(?) por me fazeres voltar atrás e reviver estes saudosos momentos...

méri disse...

Ao fim do dia levava-se uma banheira pequena de zinco (ainda existe) para junto da lareira onde nos grandes potes pretos se aquecia água; ali mesmo os pequenos tomavam banho...
e na época das vindimas o cheiro que vinha dos lagares por entre as frinchas do soalho fazia-nos adormecer ainda mais cedo
também me lembro dos candeeiros a petroleo e umas lamparinas de acetileno que davam uma luz muito brilhante e tinha um cheiro característico... estas recordações são mais a norte - Minho -

Anónimo disse...

Sim Méri, ainda faltavam os banhos...os meus avós da serra tinham um lavatório de ferro com jarro e bacia (certamente presente de casamento porque era bem lindo) e depois a minha mãe lavava-me num alguidar...os avós nunca vi como o faziam...porque tinham um outro no seu quarto...eram bem discretos...

Anónimo disse...

E ontem vim cá várias vezes sem ver nenhum post (este entrou tarde...) e desisti!
OK, até é bom porque hoje tenho mis que ler.
Realmente eram umas férias bem prolongadas!!!
E uma época que se tinha coisas más tinha também muitos encantos. Essa sensação de liberdade que transmites sabe muuuito bem!

Anónimo disse...

Chateia-me dizer que «faço minhas as palavras do orador antecedente» mas é mesmo!
Quando passei pelo Pópulo não havia nada escrito e pensei que desta vez tinha havido qualquer azar e não escrevias nada. Foi uma boa surpresa entrar cá hoje (e se calhar ainda vem por aí umoutro post, o de segunda!)
Que magníficas recordações.
E que graça têm as fotos. O grupinho de putos bem dispostos está um encanto. Quem me dera dessa idade!!!!!

Anónimo disse...

A Méri (tem piada os nossos nomes ou nicks, parece de propósito) lembra muito bem o que também recordo. E neste caso creio que de uma ponta á outra aqui desta terra os costumes deviam ser muito parecidos...
:))

Anónimo disse...

Realmente não disse nada das fotos e mereciam.
As duas bem giras, claro que a maior é uma ternura a adolescente de chapéu, parece uma vamp, e a minúscula de colar de flores.
Coisa enternecedora...

Anónimo disse...

Venho tarde, que o post foi escrito ontem (mas há qualquer coisa, porque estão aqui comentários ANTES da hoar do post!!! pode ser?!) mas não quero deixar de dizer de minha justiça.
Este conjunto de histórias sobre as férias «dantes» está sensacional!
Clap, clap, clap!!!