quarta-feira, julho 25, 2007

Recordações à volta do «Caderno de Capa Castanha VI»


Serões
Às vezes, na casa grande, o avô não ia ao clube, depois do jantar. Lá em cima no quarto era difícil adormecer porque a lamparina, que se deixava acesa por causa dos medos, fazia sombras nas paredes e as sombras ganhavam formas pouco tranquilizadoras.
O pai saía sempre e a mãe ficava com a avó e as tias na saleta. Tenho ideia de que não conversavam muito. E o avô estava com os "homens" na adega. É que ia haver caça. Iam sair de madrugada. Esse universo de onde éramos excluídos (excepto o primo Luís que já tinha 16 anos) exercia sobre mim um imenso fascínio...e lá vinha, pé ante pé, até à porta que dava para o pátio de cima. E lá ficava descalça, encostada à porta pregada com pregos grossos e sentia o cheiro da pólvora, porque os cartuchos eram cheios ali, do sebo de tratar os arreios, ouvia os copos a bater na mesa, o embaralhar das cartas, as gargalhadas dos "homens".
Depois fugia para a cama porque havia sempre uma "ronda" de alguém para ver se toda a gente dormia.

AB

7 comentários:

Anónimo disse...

O post de cima não tem caixa de comentários, e bem vistas as coisas, faz sentido: afinal era a 'introdução' a este.
Eu reparei que a AB fez, de rajada, uma série de comentários (?) muito interessantes, mas como eu já por lá tinha passado, e estava sem mais tempo não disse nada.
E confesso que tive esperanças de que fizesses isto mesmo - os publicar em destacado.

Este texto está formidável! Transporta-nos exactamente onde se quer, não apenas a esse passado próximo mas a uma terra de província e a uma família aparentemente de burguesia média/alta (isso adivinha-se)
Gostei imenso!

Anónimo disse...

E a menina da vela na palmatória!!!!
Não podia vir mais a propósito!
Realmente as sombras de uma lamparina ou de uma vela assustam muito mais do que as de uma luz eléctrica, porque MEXEM!!!!

Anónimo disse...

Esta tua «série» está espectacular!
E estas 'achegas' têm imensa graça. Sempre é outra perspectiva mas, pelo que se vê, da mesma época.

Anónimo disse...

Bravô!
Este «sub-capítulo» fica excelente, assim.
E já agora outras pessoas que por aqui passassem da mesma época (eu não sirvo...) poderiam dar mais achegas.

Anónimo disse...

Boa aposta!
Está mesmo muito bem.

josé palmeiro disse...

Saúdo as duas, a mentora do Pópulo, e a comentadora, AB.
Memória viva de uma época e de uma realidade social, que era mesmo assim. Faço votos que as memórias, de nós todos entrem em função e disparem, no sentido de colorir, ainda mais, se possível, este castanho caderno, que a Emiéle, acabou de abrir.

cereja disse...

E eu fico contente de que tenham gostado.
Como dizes, Zé Palmeiro, são memórias de uma época ainda muito próxima mas que se vai apagando se não a preservamos. Um jovem de 30 anos já só tem conhecimento por ouvir contar, e então um miúdo de 10 nem sequer isso porque já não são coisas de que os pais se lembrem.
O interessante é exactamente serem aspectos diferentes da mesma realidade que se vivia nessa época.