Recordações à volta do «Caderno de Capa Castanha VI»
Serões
Às vezes, na casa grande, o avô não ia ao clube, depois do jantar. Lá em cima no quarto era difícil adormecer porque a lamparina, que se deixava acesa por causa dos medos, fazia sombras nas paredes e as sombras ganhavam formas pouco tranquilizadoras.
O pai saía sempre e a mãe ficava com a avó e as tias na saleta. Tenho ideia de que não conversavam muito. E o avô estava com os "homens" na adega. É que ia haver caça. Iam sair de madrugada. Esse universo de onde éramos excluídos (excepto o primo Luís que já tinha 16 anos) exercia sobre mim um imenso fascínio...e lá vinha, pé ante pé, até à porta que dava para o pátio de cima. E lá ficava descalça, encostada à porta pregada com pregos grossos e sentia o cheiro da pólvora, porque os cartuchos eram cheios ali, do sebo de tratar os arreios, ouvia os copos a bater na mesa, o embaralhar das cartas, as gargalhadas dos "homens".
Depois fugia para a cama porque havia sempre uma "ronda" de alguém para ver se toda a gente dormia.
AB
7 comentários:
O post de cima não tem caixa de comentários, e bem vistas as coisas, faz sentido: afinal era a 'introdução' a este.
Eu reparei que a AB fez, de rajada, uma série de comentários (?) muito interessantes, mas como eu já por lá tinha passado, e estava sem mais tempo não disse nada.
E confesso que tive esperanças de que fizesses isto mesmo - os publicar em destacado.
Este texto está formidável! Transporta-nos exactamente onde se quer, não apenas a esse passado próximo mas a uma terra de província e a uma família aparentemente de burguesia média/alta (isso adivinha-se)
Gostei imenso!
E a menina da vela na palmatória!!!!
Não podia vir mais a propósito!
Realmente as sombras de uma lamparina ou de uma vela assustam muito mais do que as de uma luz eléctrica, porque MEXEM!!!!
Esta tua «série» está espectacular!
E estas 'achegas' têm imensa graça. Sempre é outra perspectiva mas, pelo que se vê, da mesma época.
Bravô!
Este «sub-capítulo» fica excelente, assim.
E já agora outras pessoas que por aqui passassem da mesma época (eu não sirvo...) poderiam dar mais achegas.
Boa aposta!
Está mesmo muito bem.
Saúdo as duas, a mentora do Pópulo, e a comentadora, AB.
Memória viva de uma época e de uma realidade social, que era mesmo assim. Faço votos que as memórias, de nós todos entrem em função e disparem, no sentido de colorir, ainda mais, se possível, este castanho caderno, que a Emiéle, acabou de abrir.
E eu fico contente de que tenham gostado.
Como dizes, Zé Palmeiro, são memórias de uma época ainda muito próxima mas que se vai apagando se não a preservamos. Um jovem de 30 anos já só tem conhecimento por ouvir contar, e então um miúdo de 10 nem sequer isso porque já não são coisas de que os pais se lembrem.
O interessante é exactamente serem aspectos diferentes da mesma realidade que se vivia nessa época.
Enviar um comentário