quarta-feira, abril 25, 2007

Onde estavas na tarde do 25 de Abril?


A minha avó morreu há pouco, com 80 e tal anos. Tinha uns 55 anos quando foi o 25 de Abril, eu ainda não tinha nascido.
É engraçado porque ao ouvir o que ela me contava dessa época e o que contavam os meus pais, até parecia que se estava a falar de países diferentes. O meu avô, que já tinha morrido, era um legionário e a minha avó estava perfeitamente integrada na sociedade de então. Considerava que tudo estava bem, e para ela a minha mãe tinha sido ‘desviada’ do caminho certo pelo meu pai, que ela olhava como um esquerdista perigoso.
Nesse dia, só soube que havia alguma coisa de errado pela criada que lhe disse que na praça diziam que havia uma revolução. Ligou o rádio e as notícias deixaram-na assustadíssima. Telefonou a várias amigas que ainda a assustaram mais, falavam em fugir, ir para as suas casas de campo, que os revolucionários iam matar toda a gente. Rezou a Nossa Senhora, fez promessas, a meio da tarde estava aterrada sem saber o que fazer.
Foi quando chegaram os meus pais com a minha irmã pequenina, todos bem dispostos, para lhe dar um beijo. Pôs aos gritos:
“ - Que é que fazem aqui!!! Vão já para casa! E ainda por cima com a menina, desgraçados, inconscientes! Olhem que corre sangue nas ruas…
“ - Oh mãe, ponha-se calma! Quem é que lhe disse essa?!”
“ – É que vêm aí os comunistas e matam toda a gente!! É uma revolução
“ - Pois é, é uma revolução mas não morreu ninguém. Correu tudo muito bem
Começou por não acreditar. Aquilo, eram 'coisas do genro'. Contudo a calma com que ele falava, deu-lhe alguma segurança. Se calhar as coisas não estariam assim tão mal como ela receia. Desconfiada voltou a ligar a televisão depois deles saírem. Que esquisito. Está tudo a passar-se ao contrário do que pensava. E… enfim, se calhar agora o seu sobrinho já não ia para a guerra, o que a andava a ralar.
Contudo a minha avó resmungou o resto da vida, e eu gostava dela mas era um pouco irritante estar sempre ‘do contra’, sempre à procura do que estava mal. Só que naquela tarde teve de reconhecer que as coisas não foram como ela receava.



6 comentários:

Farpas disse...

Eu não vivi, mas parece-me que havia "4 tipos" de pessoas, havia as que era apoiantes do Regime e as que eram contra o regime, mas depois ainda havia as que era contra o regime mas se mantinham no seu canto cumpridores, e os que estavam com o regime por a sua vida estar organizada de maneira que seguiam a sua vida sem grandes problemas, sem ter grandes preocupações com a política.

Focas aqui um ponto importante e que nos enche de orgulho, quando fui para Inglaterra tive um "encontro de 3º grau" com um francês que começou muito mal a conversa, quando lhe dissemos que havia pelo menos 7 Portugueses no campus Universitário ele disse que não sabia que haveria assim tanta gente em Portugal que estudasse... mas depois lá se redimiu, ao dizer que não conhecia bem a realidade portuguesa e a única coisa que sabia era que os Capitães de Abril tinham conseguido montar uma operação tal que fizeram uma "revolução pacífica" o que lhe fizeram sempre muita confusão desde que sabia disso, perguntava-nos ele como era possível que uma revolução, um golpe de estado se fizesse sem guerra, sem sangue. Na altura lembro-me que me saiu a frase "Foi possível porque quem se estava a revoltar ali era o povo, os militares eram apenas a sua face mais visível!"

josé palmeiro disse...

Sim Farpas, foi a resposta possível. Os teus "4 tipos " de pessoas, também são, na generalidade, uma realidade. Mas o melhor, para mim , resultou de uma série de factores que se conjugaram e que tornaram possível o 25 de Abril. Repara que a instituição militar, estava a rebentar pelas costuras. A incorporação, em massa, de jovens de todas as camadas sociais e de variada informação e educação, trouxe aos militares de carreira, que ainda restavam, a informação que os chefes lhes coartavam, levando-os à criação de um espírito crítico que promoveu a formação e adesão ao Movimento dos Capitães. Ninguém mais queria a guerra e os mortos e estropiados que dela resultavam, daí a adesão total e expontânea que, nesse dia, aconteceu. Depois foi o aproveitamento, as reivindicações de paternidade, mas o 25 de Abril, é mesmo do POVO, que não se revia, como hoje não se pode rever, nos governantes que nos condicionam e oprimem, não com uma guerra, mas com constrangimentos económicos e com a supersão de direitos que se conquistaram há 33 anos. Mas, Emiéle, isto é assunto para continuarmos a conversar, não te parece?

Erecteu disse...

O "farpas" resume bem os tipos de pessoas.
O regime sabia bem o que fazia, nomeadamente no que tocava ao controlo da informação, pelo que a instrução era "QB" e "non tropo".

Estejamos a pau com este democratico momento da nossa democracia.

Anónimo disse...

estava em Africa

Anónimo disse...

Devia «começar pelo princípio», ou seja pelo primeiro desta série de posts, mas calhou que este foi o último que li e penso que é importante mostrar as diversas maneiras como foi vivido este dia, porque naturalmente que nem toda a gente ficou feliz como por vezes pode parecer. Muitos ou poucos, decerto que o regime tinha apoiantes. E o falares aqui num «Legionário» é importante porque era a facção mais dura daqueles tipos. Mas, curiosamente, pelo menos eu conheço diversos «filhos de legionários» que escolheram o caminho oposto.
Acho que apanhaste muito bem 'o clima' nesta história.
O Farpas tem toda a razão. Havia as pessoas com os campos bem definidos, e depois um grupo cinzento de pessoas que oscilavam conforme os seus interesses e os seus medos.

cereja disse...

Tens toda a razão, Farpas, toda a razão. Era exactamente essa divisão. Os extremos, eram mais restritos, a zona do meio, o grupo cinzento como lhes chamou o King, a maior. E nesse grupo por vezes havia mudanças de terreno - os que eram contra, mas obedientes, podiam por vezes tornar-se tão, tão obedientes que acabavam por aceitar já as coisas em plena indiferença, e os que aceitavam as coisas sem questionar nada por se sentirem que 'aquilo-não-lhes-dizia-respeito, podiam ser confrontados com uma situação pessoal que os virava ao contrário.
Uma das coisas que fez muita gente tomar posição foi a guerra, verem os filhos partir, ou ficarem sem eles.
Por isso, nesta história eu coloquei a viuva do legionário a preocupar-se apesar de tudo com o sobrinho que iria para a guerra.