Onde estavas na madrugada do 25 de Abril?
Dormíamos quando o telefone tocou. Estava ainda escuro. Tínhamo-nos deitado tarde e pensávamos fazer uma pequena viagem nesse dia pelo que a primeira ideia quando ouvi a voz da minha sogra era que seria qualquer recomendação, porque ela era muito «sogra galinha» e demasiado protectora. Contudo o ‘recado’ era bem diferente: «Liguem o rádio. Depressa! Passa-se qualquer coisa de grave, tenham juízo e não se atrevam a sair de casa!»
Claro que ligámos de imediato o rádio que realmente dava sinal de algo estranho. Apenas música, sem qualquer intervenção do locutor habitual, e essa música era sobretudo constituída por marchas militares.
Eu tinha 25 anos, o João 26, casados há poucos meses, unidos por muito afecto e naturalmente idêntica visão do mundo e da sociedade. Olhámos um para o outro. O coração bate forte quando ouvimos «Aqui Centro de Comando das Forças Armadas». Pensámos em Kaulza… E aí seria uma viragem à extrema-direita, coisa tenebrosa de imaginar. O «golpe das Caldas» tinha falhado há pouco tempo…
Arranjámo-nos e vestimo-nos num ápice. Ficar em casa?! Nunca. É certo que era essa a recomendação do tal «posto de comando» e da nossa 'mãezinha' mas isso era completamente impossível. Tínhamos que saber o que se passava, mas tendo vivido toda a vida com as maiores cautelas não nos atrevíamos a telefonar aos nossos amigos, sabíamos que os telefones podiam estar em escuta e não era seguro.
Saímos com o nascer do sol e nervosíssimos. Adeus viagem, queremos lá saber, isto é muito mais importante. Pouca gente na rua, tudo parecia calmo. Demos uma voltinha de carro e olhámos um para o outro: Vamos à Baixa!
Chegamos ao Rossio, vemos os tanques, o coração parece um tambor a querer rebentar-me o peito. Ouve-se conversas e começamos a acreditar que aquilo não vem da direita, então…? Será? Passa-se palavra de que o Carmo está cheio de gente, querermos ir para lá e já nem conseguimos passar. Subimos a Rua Garrett, vemos gente a rir, fala-se uns com os outros, de repente esquece-se a cautela, esquece-se a PIDE. O tempo passa, são já 9, 10, 11 da manhã, agarramos cravos vermelhos que as vendedeiras de flores do Rossio oferecem.
Vivemos um sonho, ou o acordar de um longo pesadelo!
Claro que ligámos de imediato o rádio que realmente dava sinal de algo estranho. Apenas música, sem qualquer intervenção do locutor habitual, e essa música era sobretudo constituída por marchas militares.
Eu tinha 25 anos, o João 26, casados há poucos meses, unidos por muito afecto e naturalmente idêntica visão do mundo e da sociedade. Olhámos um para o outro. O coração bate forte quando ouvimos «Aqui Centro de Comando das Forças Armadas». Pensámos em Kaulza… E aí seria uma viragem à extrema-direita, coisa tenebrosa de imaginar. O «golpe das Caldas» tinha falhado há pouco tempo…
Arranjámo-nos e vestimo-nos num ápice. Ficar em casa?! Nunca. É certo que era essa a recomendação do tal «posto de comando» e da nossa 'mãezinha' mas isso era completamente impossível. Tínhamos que saber o que se passava, mas tendo vivido toda a vida com as maiores cautelas não nos atrevíamos a telefonar aos nossos amigos, sabíamos que os telefones podiam estar em escuta e não era seguro.
Saímos com o nascer do sol e nervosíssimos. Adeus viagem, queremos lá saber, isto é muito mais importante. Pouca gente na rua, tudo parecia calmo. Demos uma voltinha de carro e olhámos um para o outro: Vamos à Baixa!
Chegamos ao Rossio, vemos os tanques, o coração parece um tambor a querer rebentar-me o peito. Ouve-se conversas e começamos a acreditar que aquilo não vem da direita, então…? Será? Passa-se palavra de que o Carmo está cheio de gente, querermos ir para lá e já nem conseguimos passar. Subimos a Rua Garrett, vemos gente a rir, fala-se uns com os outros, de repente esquece-se a cautela, esquece-se a PIDE. O tempo passa, são já 9, 10, 11 da manhã, agarramos cravos vermelhos que as vendedeiras de flores do Rossio oferecem.
Vivemos um sonho, ou o acordar de um longo pesadelo!
11 comentários:
Um belo post, Emiele... um muito e sempre feliz 25 de Abril. Bj
Obrigada Tuxa, mas vai passando por cá que esta história ainda não acabou...
Eu disse «na madrugada», o que quer dizer que ainda temos o resto do dis!
:)
Um bom 25 para ti também!
Foi assim, é mesmo. Um telefonema a avisar, a dúvida (será o Kaúlza?),uns telefonemas a amigos, alguns médicos que correram para a urgência de S. José (isto vai dar bronca), e depois a grande confusão das linhas, conversas sobrepostas, já não se conseguia ligar nem receber chamadas. Rádio? Nem disso nos lembrámos. Rua! Vamos para a rua!
E na rua começou o sonho!
Um grande abraço, Emiéle.
Viva o 25 de Abril!
Idos de Março
Foi, não foi? Tu viveste-o como eu. Mas olha que esta minha série do «Onde estavas ....no 25 de Abril?» vai continuar.
Olha, sabes? Deram-me ontem um livro muito bom!!! :D
Eu ADORO este tipo de testemunho, como já deves saber, sempre me interessei por este tipo de post, mesmo na "série" do Caderno de Capa Preta, o testemunho pessoal é uma coisa que me fascina, este vai ser mais um grande dia aqui no Pópulo. Haja Vontade de Viver Abril!
Pois eu, estava em Moçambique, onde tinha chegado em Fevereiro de 1973, a fim de não ser chamado para o Curso de Capitâes, realidade que teria, como certa, dado que não fui mobilizado no decurso da minha vida militar de 46 meses e meio. Era bancário, o dia estava lindo e a vida, no ram-ram habitual. Começam entratanto a chegar notícias, os portáteis saltaram para as secretárias, como por milagre, e por volta das 12 horas locais, a BOA NOVA! Loucura total, saímos para a rua, o resto do dia, totalmente nas nuvéns, 2ª edição do "Notícias da Beira", braçados de jornais para oferecer e dar a partilhar a alegria que nos invadia. Depois a corrida à Rádio, eu na altura trabalhava na Rádio Clube de Moçambique, no emissor Regional, da minha área de residência, e aí sim, tivemos a confirmação do 25 de ABRIL, O Sonho dos Sonhos!
Viva, Zé Palmeiro, bem vindo a esta troca de lembranças. A minha é muito como aqui a Emiéle descreve e o Idos de Março também relembra. A dúvida inicial (quem são estes gajos?) e depois a começar a acreditar-se que era a sério!
Mas para quem estava mesmo na tropa devia ser ainda mais emocionante.
eu devia estar a fazer traquinices :)
Pelo que estive a observar a idade da Vague não entra bem aqui... Mostras uns 20 e tal anos (neste), a seguir uns 10 anos, 30 e tal e uns 60; no outro mostras uma meia idade afecta ao regime; e no que acabaste agora de escrever já vi que focas a adolescência. A criança pequenina é que não há... :)
Este texto está muito vivido e chega a emocionar porque nos faz lembrar os nossos próprios sentimentos. Eu assinava por baixo!
Obrigada pelo testemunho, Zé.
Este conjunto de histórias, mais ou menos 'trabalhadas' mas são verdadeiras como se adivinha.
Acho que são testemunhos que podem ser úteis.
E mais uma coisa, para o Farpas: olha que com essa motivaste-me a continuar com a série do Caderno de Capa Castanha. Pensei que não teria o interesse que inicialmente pensei. Mas tenho para ali mais material.
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