terça-feira, maio 26, 2009

No país de Sarkozy

Foi na semana passada que li uma história que ficou aqui a rodar em seco na minha cabeça, e me deixou uma sensação estranha no estômago. Claro que como notícia, pode pensar-se que já passou. As notícias hoje em dia têm de ser diárias ou ficam logo o aspecto de ‘requentadas’. Tudo tem de ser de ‘última hora, tem de ser acabadinho de imprimir ou de chegar aos sites respectivos. Mas o que me deixou a pensar, não tem tanto a ver com a história em si, mas com o que simboliza.
A história conta-se em poucas linhas: pelas 4 e meia da tarde, à saída da escola, duas crianças de 6 e 9 anos, foram detidas e interrogadas pela polícia, acusadas do roubo do triciclo da bicicleta de outra criança. Para tornar a história ainda mais espantosa, para fazer esta difícil detenção foram destacados 6 polícias, que interrogaram os criminosos na esquadra durante duas horas! A acusação baseava-se na palavra da mãe do colega 'roubado', e no final o mais pequenino, apanhado à saída do infantário, segundo os polícias acabaria por “confessar” que tinha usado a bicicleta.
Não, não se passou em nenhum país exótico que não reconheça os direitos da criança, passou-se aqui na Europa, na democrática França. Enquanto o director da escola considera inadmissível aquele dispositivo policial, e o prenderem as crianças à frente da escola e dos seus colegas, a Polícia, pelo contrário, orgulhosamente afirma - tudo foi legal e de acordo com as normas e nem consegue entender porque se faz tanto espalhafato.
É certo que eu considero, e tenho aqui defendido muitas vezes, que se todos nós precisamos de ter valores e normas para vivermos em sociedade, para as crianças a compreensão e interiorização dessas regras são vitais e não devemos transigir com isso. A firmeza nesse campo ajuda a criança a crescer e a sentir-se mais segura. E se se porta mal, se faz uma maldade, se desobedece às regras que conhece, deverá ser chamada à atenção, e sofrer as consequências da dita ‘maldade’. Não sei se essa tal bicicleta era ou não deles (a mãe até veio negar a acusação, mas isso nem é o importante) o chocante é a desproporção do «crime» com o «castigo».
É tudo inacreditável. Primeiro, que a mãe da criança lesada se tenha dirigido logo à polícia, antes de ir à escola e procurar falar com os outros pais. Segundo, que a polícia, também sem falar primeiro com os adultos responsáveis por esses meninos, façam uma detenção pública e os levem para a esquadra. E, sobretudo, que sejam necessários 6 agentes para levarem consigo um pirralho de 6 anos e o primo de 9 ou 10… Seria porque eles espernearam muito? Lhes escapavam por entre as pernas? Choraram e lhes molhavam as fardas?
Muitas vezes nos inquietamos com a delinquência juvenil, facto grave. As causas são muitas e variadas, embora ela não seja muito frequente em jovens que frequentem normalmente uma escola e estejam integrados numa família, como parece ser esse caso. Mas a intervenção violenta da polícia, esta sim, é que é uma resposta que raramente se tem visto.
Dizer que fiquei chocada é pouco.
É certo que Sarkosy antes do cargo que ocupa foi Ministro do Interior e ficou tristemente célebre pela violência das suas respostas aos tumultos dessa época, e por se ter referido aos habitantes dos bairros periféricos como «escumalha». E agora quem manda é ele. Será que as forças policiais não controlando possíveis motins de adultos, se viram agora para as crianças onde podem obter melhores resultados? Mais um esforço e podem conseguir apanhar em flagrante o François com a mão na chupeta do Jeannot…

17 comentários:

cereja disse...

Só uma nota: quando escrevi o post, ontem tinha deixado um link mais completo para o Monde de onde tinha tirado a história. Entretanto desapareceu e hoje á pressa não consegui achá-lo. Fica outro link mas bem mais incompleto. Contudo aquilo que digo (os 6 polícias para apanharem um menino de 6 anos, e que ele vinha a sair da 'maternelle' era o que estava escrito)

Anónimo disse...

Entra-se em completa paranóia! «Se não foste tu foi o teu pai» deve ser o pensamento.
Dois carros de polícia para prenderem uma criança da 'maternelle' só de doidos!

Joaninha disse...

Tenho de voltar cá com muito mais tempo. Agora não consigo escrever tudo aquilo que esta história me faz pensar.
Como dizes, é uma série de erros, uns atrás dos outros. Da «queixoso» (sempre gostaria de saber se fosse o filho dela o acusado, se gostava que os acusadores fossem à polícia antes de falarem com ela!!) mas sobretudo a enormidade da própria polícia. não devem ter lá muito que fazer....

kika disse...

Nem queria acreditar em tanto excesso de zelo dessa polícia, mas deixa que a mãe da criança lesada,não deve regular lá muito bem. Os valores têm de ser incutidos nas crianças, mas o bom senso nos adultos tambem faz muita falta. E não vale a pena politizar isto!

sem-nick disse...

Inconcebível!!!!
Mesmo o link que conseguiste deixar já nos conta muito. Acredito que a primeira vez que leste a coisa fosse ainda com mais pormenor!
Realmente se a Polícia é inacreditável, a mãe que fez a acusação também deve ser doida! Mesmo que tudo fosse verdade, um assunto desses resolve-se na escola. E uma bicicleta de criança, nunca pode ser considerado um ROUBO digno de cadeia....

josé palmeiro disse...

Complicado, muito complicado mesmo o que acabas de contar.
Excessivo e desadequado o procedimento de todos os parceiros, sem dúvida.Revelador do clima de medo e insegurança em que se vive.
Deixem-me contar uma "estória".
Um casal, por razões profissionais, muda de região e, para lá transfere toda a sua vivência. Filhos para a escola, diversos graus de ensino e pais a desenvolverem as suas vidas. Um dos filhos resolve fazer um amigo, coisa que os pais aderiram porque tinha sido o que mais tinha sentido a mudança. Só que, para sua infelicidade, "aquele", não era o amigo ideal. Fruto de uma família desestruturada e carregado de vivências, como a violência doméstica e convivência com um irmão mais velho, viciado em drogas, tudo situações que os pais foram detectando esem hostilizar a amizade, foram tentando chamar a atenção. Até que um dia, o filho desse casal, na escola, e numa brincadeira, toca na cabeça do amigo e magoa-o na torneira do bebedouro de água., tendo o miúdo, ficado a sangrar, levemente. Nada mais se passou e o caso parecia resolvido, na escola. Sucede que o casal tinha, em casa, uma gaveta onde guardava algum dinheiro para as coisas mais necessárias e um dia, sem os pais em casa, para lá, foram os dois brincar. Acontece que o dito amigo,tinha começado a exigir dinheiro para tratar a boca, que segundo ele teria ficado afetada, quando da situação do bebedouro, e o miúdo, que sabia que os pais tinham aquele dinheiro e o local, santindo-se, cada vez mais pressionado, lhe abriu as portas para que o roubo se consumasse.
Dali resultou a compra, pelo amigo, de uma bicicleta, que "outro" tinha roubado a um terceiro.
Ao acharem pela falta do dinheiro, os pais, procuraram saber os contornos, o que foram sabendo aos poucos e com muita dificuldades. Foram falar com a mãe do amigo, que, na altura, já vivia com outro homem, um alcoólico, que os recebeu e ao ser-lhes dito do sucedido, negaram qualquer possibilidade de ter acontecido. dali, só mesmo a GNR, seria a entidade capaz de resolver o acontecido e assim aconteceu. Como eram miúdos de 7/8 anos, a Guarda não aceitou oficialmente a resolução do problema, pelo que não restou outra alternativa aos pais lesados, que se responsabilizarem e permitir que os dois miúdos, fossem metidos numa cela, até que o novelo fosse desenrolado. Contam-me que logo que o ferrolho se fechou e passados excassos segundos, a "estória" ficou deslindada e, no outro dia, a bicicleta entregue ao seu legítimo dono, e o dinheiro devolvido a quem de direito.
Sei que foi duro, sei também que houve cuidados especiais para com o miúdo que tinha sido alvo de chantagem. Sei que o "amigo", seguiu o trilho da delinquência e que, já adulto, morreu com "sida".
Sei que foi uma "estória" triste, mas verdadeira...

Nota: Desculpem o lençol!

estrela-do-mar disse...

Apesar de entender a posição da Kika, quando ela diz que não se deve politizar deve estar a pensar mais ou menos em partidarizar. Porque aquilo é política, politica social, política educativa, política cívica e administrativa.
O que os polícias afinal dizem, é «quando há uma queixa ela segue em frente sem se olhar a mais nada» Não analisam caso a caso, não procuram saber o que move as pessoas....
Mas isso devem ser instruções dadas pelas chefias, decerto. Chefias essas que fui ler, e defendem cegamente a acção destes agentes!!!
Tudo doido!

estrela-do-mar disse...

O comentário e história do Zé Palmeiro entrou enquanto escrevia o meu.
Parece encaixar inteiramente no que aqui contas mas numa versão correcta. Nesta segunda história, os pais procuraram falar uns com os outros. Por outro lado uma das crianças não tinha 6 anos, que é uma idade ainda muitíssimo jovem. Depois os 'delinquentes' não passaram por duas horas de interrogatório. Dizes que estiveram na cela uns segundo... E finalmente também não foi necessário duas carrinhas e seis agentes para os prenderem à frente dos colegas.
Faz toda a diferença....

fj disse...

Já nem posso dizer mais nada.

Anónimo disse...

Está tudo dito; já agora, fica o link, onde se pode ouvir o responsável da polícia da região.
http://www.letelegramme.com/ig/generales/france-monde/france/gironde-deux-enfants-interpelles-pour-vol-de-velo-a-la-sortie-de-l-ecole-video-21-05-2009-389521.php

cereja disse...

Obrigada Maria. A verdade é que não consegui encontrar os links este manhã, mas tinha mais ou menos ouvido isto e lido a primeira informação mais detalhada.
De resto, tal como a estrela-do-mar, se estou com a Kika em considerar que o que faltou aqui em primeiro lugar foi uma boa educação em casa, penso que há aqui uma componente «política» também por isso falei do Sarkozy. Quando o responsável da polícia diz que o que lhe pedem é quantidade e não qualidade, explicando que há uns anos isto não teria sido feito assim, está afinal a dizer isso mesmo.
Cada vez mais caminhamos para a quantidade apesar de se falar tanto (pelo menos cá) em qualidade...

fj disse...

Chego já no fim do dia, mas..
Não queria deixar de comentar!
É um post bem importante que nos chama a atenção para muitas coisas. Muitas.
Por um lado o mais chocante, a atitude da polícia francesa, inacreditável, por mais que tenham de apresentar «quantidade» de trabalho. Será que neste caso vai entrar para as estatísticas a detenção de dois perigosos meliantes?!
Depois os adultos, pais. A mãe acusadora, com uma atitude que não lembra a ninguém! Mas também a mãe dos putos, afinal se apareceram com uma bicicleta que não era deles não diz nada?.... Ou afinal tinha realmente sido oferecida? que raio de história...

fj disse...

E já agora «Direitos da Criança».... a que é isso?

:(

Mary disse...

Olha que eu pensei que era exagero teu a contar isto, e ainda fui ver os links, o teu e o Maria.
Peço desculpa por não ter acreditado!
Depois fiz a minha pesquisa noutros jornais franceses e foi mesmo isso - o putinho estava na maternelle, no Jardim de Infância!
Dizes bem, qualquer dia andam a ver quem tira os chupa-chupas. Assim aumentam muito as estatísticas!!!

Mary disse...

Só um pormenor inacreditável. Neste outro artigo contam que houve muito cuidado na prisão das crianças porque nem foram algemadas !!!!!!!
Imagine-se!!!!!
Se calhar não algemaram porque umas mãozinhas de 6 anos, escorregavam pelas argolas das algemas!

sem-nick disse...

Tens razão Mary!
Lá está avant d'être conduits "sans menottes ni rudoiement"Incrível!!!!

Anónimo disse...

Ainda cá volto, porque encontrei uma votação «curiosa» lá nesse jornal:
«6 policiers interpellent 2 enfants pour un vol de vélo...»
(du 22/05/2009 10:06:22 au 29/05/2009 10:06:22)
•un tel dispositif est révoltant! 45%
•hélas, c'est la procédure...11%
•il faut bien ça pour prévenir la délinquance 39%
•C'est le cadet de mes soucis! 6%
Claro que a maioria acha 'revoltante', mas só mais 6% dos que pensam que assim se evita a delinquência!