segunda-feira, maio 25, 2009

NÃO

Igualdade.
Talvez, tal como a Liberdade («Ô Liberté, que de crimes on commet en ton nom !») também se vão cometendo alguns crimes em seu nome.
O que é afinal isso de «igualdade»? Eu acredito que seja um dos conceitos que mais manipulação tem sofrido, porque a maior parte das vezes se está a discutir noções completamente diferentes.
Este fim-de-semana o jornal i publicou um editorial, provocador, afirmando que A política social não serve para nada para além de outro artigo no mesmo sentido, igualmente provocatório, com o título De nada valem os sacrifícios ou todo o dinheiro que se investe na educação. Quem nasce pouco inteligente será sempre pouco inteligente.
O que fundamentava o primeiro texto era um estudo (?) livro (?) de um cientista inglês. Um especialista de ADN. E, pelo que entendi, produzia uma afirmação que qualquer especialista de ADN diria – e o ‘amigo banana’ também – ou seja que não há duas pessoas iguais. Não é novidade. Sabemos isso por bom senso e intuição e até o sabemos com mais fundamento desde que se começaram a usar as impressões digitais. Não há duas pessoas iguais, não nascem duas pessoas iguais.
Normal.
Quando eu disse que é um conceito que tem sido manipulado, estava a lembrar-me das mulheres que lutaram pela “igualdade” e se cansaram de ouvir que elas não eram iguais aos homens. Pois não. Isso entra pelos olhos dentro. Mas quando uma mulher descriminada luta pela tal *igualdade* não está a pensar em ser igual nem física nem psicologicamente, quer ser igual em termos de consideração, respeito, independência, justiça. Não queria ser uma cidadã de segunda, como o foi durante séculos.
Agora uns senhores, que talvez geneticamente se venha a descobrir que tiveram um bisavô nos SS (já que a genética é assim tão importante, e 'eles' andam por aí) descobrem de novo a pólvora seca: o destino está traçado e desta vez é nos genes. Os filhos de pais inteligentes serão inteligentes, o dos pouco dotados serão burros faça-se o que se fizer. Que bela selecção de raça! Claro que mais tarde se resolverá a questão do caso dos irmãos, onde um é genial e outro um pobre coitado. A solução dessa questão virá depois, calculo.
Neste caso só fiquei um tanto incomodada pelo relevo que este jornal deu ao assunto. Que o escritor o escrevesse, foi normal, assim se ganha dinheiro. Que haja quem o compre e aceite as teorias, é livre de o fazer em democracia podemos expressar as nossas opiniões. Este sublinhar da questão só o admito porque assim se podem vender mais jornais.
Poderíamos questionar que talvez seja melhor ser um pouco-inteligente instruído, do que um pouco-inteligente ignorante, isso pode fazer diferença. Mas apetece-me mais inquirir o que é isso de inteligência. Sabemos hoje que não há UMA inteligência mas sim várias. Conhecemos há muitos anos as inteligências múltiplas e recentemente considera-se que a Inteligência Emocional é a responsável pelo êxito, de quem tem sucesso. Afinal do que se está a falar?
ADN? Claro que com o ADN se transmitem muitas coisas, boas e más, mas com esse pesado fatalismo, que faria aceitar que uma criança traz o seu destino traçado à nascença, nem sei como esse tal senhor admite a evolução da raça humana.
O antropopiteco só podia gerar pequenos antropopitecos, não? Isso por mais que os mais velhos se esforçassem.

Não.
O erro de raciocínio é tão evidente que, cá para mim, tudo isto só serviu como manobra de aumentar a tiragem do jornal.

14 comentários:

fj. disse...

( Ainda não consegui ver esse tal I ).
O artigo pode ser provocatório, como dizes, tambem pode e deve, julgo, ser a sério,na luta contra as políticas públicas de cariz social.
A discussão de fundo é muito dificil
realmente, mas a sua base é impossivel na perspectiva que o tal artigo tem, sem discutir que não há duas pessoas "iguais", nem é disso que se trata.
ssão

cereja disse...

Anda por aí nos quiosques. é mais pequeno do que os outros jornais, agrafado, e tem sempre na 1a página uma foto enorme. Mas se quiseres encontrá-lo na net, vais AQUI

cereja disse...

Quando lhe chamei «provocatório» não descartava a hipótese de ser a sério.
Se não o fosse seria mais aceitável, era uma brincadeira, digamos assim. Tal como aparece, é de um racismo incrível!
.... mas claro que eu não li o livro onde esta coisa toda vai beber. Contudo, por mais 'científico' que seja, se permite este tipo de conclusões, é de desconfiarmos.

Joaninha disse...

Estas histórias apoiadas em "factos" científicos podem vir a ser bem perigosas. Porque acabam por vir ao encontro dos desejos profundos de muitas pessoas. À superfície hoje ninguém (a não ser umas franjas muito pequenas) se declara orgulhosamente racista, ou superior aos outros. Mas, lá no fundo, imagina que o seu rebentinho, é bem mais bonito e esperto do que o vizinho da posta ao lado e os coleguinhas da escola. Aceita, porque toda a sociedade o empurra nesse caminho, que terá de ser, o seu filho espertíssimo (pelo menos aos seus olhos) vai ser misturado com outros bem menos dotados e as suas belas capacidades não brilham nem são estimuladas como merecem. Essa vozinha interior, é abafada, mas existe.
Agora vem esta bombástica noticia!!! De uma penada atira-se ao ar o Well Fair State, o Estado Social «providência» porque quem merece são os mais fortes e mais inteligentes.
Baah!

mary disse...

FJ, mas se clicares nos links que ela deixou (este post então está pejadinho de links!!) encontrs os famosos artigos, o do editorial - que tem mais responsabilidade, sempre é um editorial, e o outro de informação, mas também em certa maneira de opinião...
Vai fazer correr alguma tinta, não tenho dúvidas!

fj disse...

(não sei como, deixei este comentário no post de cima!! não fazia o menor sentido, é claro, e tive de o ir apagar)Sabes que quando li «aquela coisa» que me revoltou logo, por prever as consequências políticas que estavam engatilhadas (aquilo não era inocente...) pensei logo se aqui na blogosfera não se ia falar nisso.
E adivinhei.
Como sempre a minha amiga Emiéle não me desiludiu, e já encontrei, pelo menos, o antropólogo Miguel Vale de Almeida e chamar a atenção. Está AQUI para quem quiser ir espreitar. O post dele é pequenito, tu desenvolves mais, mas enfim, já são dois...
Como dizes a certa altura «eles andam por aqui» e de vez em quando levantam a cabecinha. É bom estar-se atento!!!
Isto não é nada inocente.

Pedo Tarquínio disse...

Nunca comprei este novo jornal i; por acaso até pensei em comprar o primeiro nº mas um título na primeira página acerca de crimes e emigrantes fez-me mudar de ideias. Este editorial que aqui falas e dissecas com alguma ironia a mim tem o efeito de não querer mesmo experimentar este jornal.

kika disse...

O jornal i foi provocatório, mas com isso tambem conseguiu desencadear estas dicussões que caso contrário ninguem daria por nada ! Todos sabemos que a inteligencia é genética , que temos vários tipos de inteligência, que a educação não torna as pessoas mais inteligentes, fornece-lhes sim outras armas para enfrentar a vida.Aqui , parece chocante a questão do apoio social e da igualdade de oportunidades.Com recursos escassos, pode-se efectivamente pôr-se tudo em causa baseados nestas teorias.Sei lá...Tem muito que se lhe diga e
por acaso este tema ocupou
parte do meu fim de semana,precisamente porque me saltou á vista.O comentário da Joaninha toca num ponto da sociedade do medo. Isto é o medo de nos expressarmos, ou revelarmos o que somos e fazemos muito recurso do politicamente correcto!!!

Anónimo disse...

Mais que o artigo está o "Editorial" pela importância e responsabilidade que lhe é conferida, (como disse e muito bem a Joaninha), possuído de intenção de "manipular"( digo eu) leitores menos esclarecidos ou pelo menos interessados a reflectirem sobre os mesmos ou talvez, o que me parece mais vocação desse jornal fazer “ ruído” com intuito de vender mais.

E citando Miguel Vale de Almeida(no que diz no linK que o Zorro teve o cuidado de nos deixar)
"(...)a modernidade do jornal é só embrulho."

A minha reflecção sobre: "diversidade de inteligência" e nao só ,está mais de acordo com o pensamento deste senhor que também é Inglês e que vos deixo aqui o link - http://www.youtube.com/watch?v=yFi1mKnvs2w – parte 1

sem-nick disse...

Bastou-me um frase para classificar o gajo:
"Porque é que temos a pretensão de pensar que conseguimos tornar uma criança mais inteligente do que aquilo que Deus a fez?" disse esse animal.
Talvez os pais e professores possam acender uma velinha na Igreja ou ir a pé a Fátima, a ver se Deus muda de ideias...

cereja disse...

Eu não conhecia, nem conheço o senhor. No artigo diz que ele é pedagogo e inspector escolar. A frase que citam dele «o comportamento dos genes dos descendentes é afectado pela experiência de vida dos pais» é das tais que desmontada se resume a vento. Quando acho que o artigo é provocador (para não dizer desonesto) é porque tendo ido ouvir vários nomes conceituados na nossa terra - pedopsiquiatras, pediatras, neurologistas, psicoterapeutas infantis e psicólogos clínicos - quando os inquiridos dizem que aquilo são disparates ou conceitos sem validade, o jornalista diz que eles respondem com insultos, mas não acrescenta o que é que disseram. Mas se «há sempre um factor hereditário associado à inteligência [...e contudo ] saber que peso terão os genes na inteligência de uma criança é algo que nenhum cientista consegue avaliar» está a falar-se de quê?!
O mais chocante de tudo é a tal ‘divisão’ que a criatura promove
Vejam lá:
a) «rapazes e raparigas tendem a ser mais inteligentes se forem filhos de professores, advogados ou académicos»
b) «Alunos e alunas têm até ao segundo ciclo para mostrar o que valem»
c) «Os fracassados serão encaminhados, a partir do secundário, para cursos práticos»
d) «Os bem sucedidos podem ambicionar um percurso académico»

Finalmente: «Afastar os menos inteligentes é a única forma de não perturbar o ritmo de aprendizagem dos dotados»Claro que um curso prático (??) é um fracasso. :(

cereja disse...

Obrigada Maria. O link que deixaste é muito engraçado e interessante.

De qualquer modo, continuo a insistir nessa questão tão escandalosamente simples que é perguntar como é que numa fratria pode haver irmãos (com os mesmos pais e a mesma tal herança epiginética) com resultados na vida de tal modo diferentes?...

josé palmeiro disse...

Já cá tinha passado, mas nem me tinha debruçado sequer.
Ontem aconteceram-me umas anomalias que me deixaram cansado, no verdadeiro sentido da palavra, parecia que estava a revisitar o Álvaro de Campos. Não, nada de cuidados, só percalços, bastante engraçado, por sinal. Um dia, hei-de contar.
Mas voltemos aqui ao assunto. Estou em relação ao pasquim em apreço como o Pedro, já nem sequer consigo olhar para ele. O que descreves e os acrescentos dos nossos companheiros populianos, vão levar-me a ler, pelo menos o editorial, o link do Miguel Vaz de Almeida e link da Maria.
Mas a coisa está, demasiado evidente para eu, ter dúvidas que estás carregadinha de razão em estares preocupada. O perigo é real.

cereja disse...

Boa noite Zé. (espero que a saúde não esteja em baixa, seja mesmo só cansaço por causa dos primos distantes)
Eu não sei se fiz ou não bem o diagnóstico. desta vez irritei-me para além da 'filosofia' (?)que parece estar implícita nesta forma de pensar, porque realmente falar-se em «inteligência» não é nada! (aqui estou eu também a ser levada por alguma deformação profissional...)
Como eu disse no post, o tempo da Inteligência, una e inteira já lá vai. Hoje sabemos que há diversas, e o Ensino serve exactamente para a treinar e valorizar cada uma delas.