terça-feira, março 03, 2009

Um fim sereno

Este fim de semana fui despedir-me pela última vez de uma familiar que fechou os olhos ao anoitecer de sexta-feira.
Era uma senhora com mais de 90 anos, com um feitio muito firme, de antes quebrar que torcer. Essa firmeza para com os que a rodeavam que ela gostava de controlar, tornava o seu convívio um tanto difícil. Com muito cuidado com a sua saúde, com o que comia, os seus horários de sono, conhecia tudo sobre tratamentos com produtos naturais e os diversos chás e ervas que usava para se manter bem... e resultavam. O certo é que sendo de uma figura magrinha e de aspecto frágil tinha uma grande resistência.
Nesta sexta-feira, lanchou, sentou-se numa poltrona e quando a vieram chamar para o jantar, já tinha partido. O coração deixou de bater, como um passarinho, ela foi-se embora.
Mas o funeral - como é evidente, momento sempre duro e difícil de passar - neste caso foi tal como esta morte, suave e doce. Como a casa onde estava a viver era na província, o cemitério desta terra tinha uma dimensão humana, pequeno, abrangia-se com um olhar, e tinha uma vista deslumbrante. O dia para esta despedida não foi de um tempo maravilhoso como esteve nas últimas semanas – o que seria um contraste chocante – nem de temporal ou chuva forte o que também reforça o sentimento de tristeza. Estava nebuloso mas sem excesso. Parecia ‘escolhido’ por catálogo.
Depois foi uma imensa ternura o encontro dos «acompanhantes». Em linha directa só tinha uma filha e um neto, mas como ela tinha mais três irmãos ainda se encontraram na mesma casa uma dúzia de primos (sobrinhos, sobrinhos-netos e até sobrinho-bisneto) vindos de vários pontos do país e do estrangeiro. A filha não comunicou a morte da mãe a nenhuma amiga, a ninguém estranho à família, de propósito para ficar tudo ‘em casa’. E essa tarde, de lembranças de histórias de infância, de reencontros, de saudades, foi muito doce, muito tranquila, muito serena.

Uma despedida de uma longa vida.

14 comentários:

fj disse...

Bolas, Emiéle, tens passado uns tempos mesmo cinzentos (prefiro o cinzento ao negro, que é mais triste para mim)
Mas desta vez, uma vida longa e uma morte suave, é uma história bonita se assim se pode dizer...

Anónimo disse...

È.Pouco a pouco o universo familiar vai-se esboroando.Quando se tem 90 ou mais anos claro que a serenidade com que se encara a perda é outra.Olhamos o caminho percorrido e fica a saudade.E é bom qd. fica.Esta coisa das partidas tem sido semanal no que diz respeito a amigos obviamente muito mais novos.Ontem como te disse foi o Zé Carlos.Anteontem ainda alguém perguntava como contactar outro alguém a viver no Brasil para comunicar a partida de ainda outro alguém(esse grupo tem ido todo da mesma maneira,durante o sono e a musica baixinho,gente melomana,solitária, apesar de todas as "companhias").E a gente vê estas partidas e o nosso universo vai ficando cada vez mais pobre.Não tem sido dias faceis,não.AB

Anónimo disse...

Quando avançamos um pouco mais na idade isto começa a parecer um fila de pedras de dominó - cai uma e começam a cair todas.
Que os mais velhos vão partindo, temos de nos resignar (apesar de quando é o nosso pai ou a nossa mãe, não há consolo, a dor é sempre grande) mas quando atinge amigos da nossa idade ou até mais novos, parece que há uma certa injustiça...

Anónimo disse...

Emiéle, só digo «quem me dera!»
Pode ser crueldade para a filha, mas...que bom para ela!
Chegar ao fim da vida, lúcida e sem doenças graves. A sorte grande, digo eu.

Anónimo disse...

Esta foto de um pôr-do-sol em rosa violeta é linda!!!
.......
Realmente uns vão partindo, e como disseste ali noutro post vão nascendo bebés. O ciclo da vida, não é?
Já há algum tempo falaste de umas 3 senhoras que conhecias aqui na casa dos 90, e mostravas que eram muito diferentes. Era uma delas, não era?

josé palmeiro disse...

Já tudo está dito.
Depois eu ando nessa faixa de começar a ver desaparecer os da faixa imediatamente anterior.
Vamos andando, com serenidade e encarando essas chegadas e partidas, como uma coisa natural. Bem que seja como descreves, pois de outras formas, dói mais!

cereja disse...

King, além de leitor fiel, tens mesmo uma excelente memória!!!
É que realmente escrevi há tempos um post onde falava de 3 amigas minhas (mas não amigas entre si) já muito velhinhas e com um modo de encarar a vida muito especial.
Por acaso, quando escrevi este de hoje também me lembrei e andei a ver se descobria o dito post para fazer um link mas como nem me lembro como se chamava nem sequer a data, não dei com ele.
As 3 já cá não estão. Esta foi a última a partir e de um modo bem melhor do que as outras duas. Mas eram personalidades muito marcantes!

André disse...

Uma bonita e saudável forma de encarar o "Fim".

saltapocinhas disse...

devíamos todos ter direito a morrer assim...
eu lembro-me desta senhora, já falaste dela algumas vezes!

cereja disse...

Certo Palmeiro. Também senti que era um modo digno e tranquilo de partir.
Olá Saltapocinhas! Olha que eu penso que a velhinha de quem aqui falei mais não foi exactamente desta, mas da outra que tinha muita graça e contava histórias extraordinárias. Mas sei que falei desta e de outra, quando comparei as 3, com a mesma idade mas vidas e personalidades tão diferentes!

Alex disse...

Deu-me gosto ler
Pela forma como escreveste, obviamente.

cereja disse...

Olá Alex.
Não te dissemos nada porque nem a conhecias, mas ainda era prima do teu pai (por casamento). Depois falamos.

Anónimo disse...

Ola Emiele,
Gostei muito foram momentos muito ternos e a tarde foi cheia de recordações!

Tambem gostei muito de te conhecer!
Beijos
Rosa

cereja disse...

Obrigada pela visita, Rosinha.
(como te disse achei-te muito crescida, ehehehe!!! e também gostei de te conhecer porque o que tinha era uma recordação de uma criança, muito viva, de caracóis...)
........
Eu senti assim aquela tarde. O motivo da reunião foi triste, mas o encontro muito bom.