Mulher II
Calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
António Gedeão - Poesias Completas (1956-1967)
6 comentários:
Com um tema tão rico, decidiste, e bem passar por todos os sub-títulos.
Este poema do António Gedeão é extraordináriamente bem escolhido para uma homenagem à MULHER!
Estava a lê-lo e a lembrar-me de outro, "Teresa Torga", num outro sentido mas, complementar.
É «um emblema» esta poesia, que já foi musicada.
e ficou se possível «ainda mais famosa» quando a Odete Santos a recitou no programa do Herman José.
Tem uma grande força!
Realmente está bem pensado, esta outra mulher, depois das que passaram no pst debaixo.
(sem desprimor para as 'do-post-debaixo' que afinal quer as Luisas quer as beldades são MULHERES.)
O Gedeão é formidável, e esta poesia uma bandeira.
Realmente depois da Odete Santos a gente passou a ouvir a voz dela. :)
Subscrevo o King e a Mary. ao ler o poema "escutava" a Odete Santos.
Bom dia da mulher para todos as mulheres e também para os homens!
Eu devo dizer que já não posso ouvir a Luisa a subir e a descer.È uma bandeira (o Gedeão não tem culpa)mas de cada vez que é necessário puxar por ela vira lenço de assoar e para essa já dei.Peço desculpa pela franqueza.Mas clamar o poema como faz a Odete e ao mesmo tempo entronizar as "companheiras da sombra" não cabe nos meus parametros.Entre outras coisas.AB
(hoje os comentários estão lentos p'ra caraças!!! é preciso muito 'espírito populiano' para não desistir)
Beeemm....
estou um tanto como a AB. O poema era muito bom, mas às tantas acabou por se banalizar. e depois, tal como vocês já só o oiço com a voz da Odete Santos!!!!! (tem piada que depois daquilo fiquei com outra ideia da senhora)
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