sábado, maio 24, 2008

A pobreza

Ontem o Público trazia uma entrevista com Bruto da Costa, coordenador do estudo “Um Olhar Sobre a Pobreza”.
Para quem não se recorde, este senhor foi em tempos ministro de
um ministério que já tem tido muitos nomes e, à época, se chamava ‘da Coordenação Social e dos Assuntos Sociais’, o que também era nome rebuscado. Isso foi durante os 100 dias em que fomos governados por Maria de Lourdes Pintasilgo.
Parece-me interessante o que ele diz e não posso transcrever aqui toda a entrevista, sugiro que a leiam. Responde a algumas questões que pairam muito por aí, do tipo «está bem, há quem viva mal, mas comparado com o resto do mundo, até vivemos muito bem!». Porque ao pensar em ‘pobre’ pensa-se em miséria profunda, em sem-abrigos, em quem morra fome.
Mas a definição usada neste estudo é
«alguém que não consegue satisfazer de forma regular todas as necessidades básicas, assim consideradas numa sociedade como a nossa». Notem o ponto: «uma sociedade como a nossa». Pobreza é «não ter recursos para participar nos hábitos e costumes da sociedade» e se é que se vive, é aqui que as coisas devem ser avaliadas.
Este estudo diz-nos que a pobreza em Portugal anda à volta dos 20% da população. Se em vez de 20 passou para 18 ou 19 como explicam, são ainda valores muitíssimo altos. E o ‘interessante’ é que aqui se mostra que para além dos casos evidentíssimos dos desempregados, a taxa de famílias pobres entre pessoas que trabalham é ainda muito elevada. E isso é chocante.
Donde a conclusão lógica que os salários demasiado baixos são uma das condições de pobreza, e entra-se depois no círculo vicioso: não se podem aumentar os salários sem aumentar a produtividade; mas uma das causas de baixa produtividade é a baixa qualificação dos trabalhadores, etc…
Por outro lado é curioso como se passa uma mensagem culpabilizante com tanta facilidade. Parece que dois terços dos portugueses atribuem a pobreza a factores do tipo ‘fatalismo, má sorte, preguiça dos pobres’! Diz-se nesta entrevista que quando de fez um debate sobre o RSI, parecia que as pessoas estavam mais interessadas em combater a fraude dos pobres do que em resolver o problema da pobreza.
Vemos isso, todos os dias, a par de atitudes de xenofobia.
Afinal Thomas Frank já explicou
«porque é que os pobres votam à direita».


11 comentários:

Anónimo disse...

Ministério que tem tido muitos nomes e a quem se chama muitos nomes!!!!
:D

Anónimo disse...

Beeeem!
Se «isto» é um post de quem está de férias!
Tenho de voltar cá e ler com mais vagar. Ontem nem comprei o Público :(

Anónimo disse...

É interessante sim.
O conceito de 'pobreza' parece ser relativo. É certo que um pobre do Primeiro Mundo é quase um rico no Terceiro Mundo. Quando se faz aquela lista de «quem ganha o quê onde» (agora não sei como se chama esse ranking) ficamos com má consciência por se confirmar que quem viva aqui, numa casa manhosa de duas divisões mas com electricidade, água, gás e telefone, tome banho todos os dias com sabonete e água quente, tenha várias mudas de roupa no guarda-fato, e três ou quatro refeições diárias, pode estar acima de 70% da humanidade.
É verdade, o que só mostra como os outros vivem mal, e contudo até podem estar socialmente mais integrados do que o 'rico' que aqui se descreveu.

Anónimo disse...

Podes tirar o telefone, Joaninha, mas talvez tenha telemóvel o que não quer dizer que seja rico. Hoje as pessoas mais pobres não têm telefone que implica assinatura mas têm telemóvel que pagam aquilo que podem.

Eu estou careca de ouvir esse tipo de afirmações sobre os tais «falsos pobres». Não se nega que existem, mas o que na entrevista se diz é a pura das verdades, se se resolvesse o problema da pobreza, na mesma penada desapareceriam esses 'aproveitadores' e esses 'falsos pobres'!
Aliás esses subsídios, tipo RSI, foram concebidos para serem temporários enquanto se ajuda quem o recebe a encontrar trabalho. Se isso não está a ser cumprido, é outra coisa.

Anónimo disse...

Mas que a coisa está mal regulada, isso está. E como todos sabemos meia dúzia de excepções podem por em causa uma regra. Reparem que o que diz «quem não recebe esse RSI» é sempre baseado nas tais excepções dos que recebem sem necessitar.
Por outro lado existem 'necessidades' que o não são, mas a pressão social faz que se sintam como tal. Nem é preciso comparar-se com os povos do 3º mundo, muita gente que vive «mal» hoje, se por um golpe de magia recuasse 80 anos, via que no mundo de então aquilo que hoje tem era bastante bom. Vivia-se com muito pouco, mas não se sentiam pobres porque todos viviam assim. E não havia este estímulo ao consumo.

Anónimo disse...

Caríssimos, acabem de reler o que escrevi, e pode ser muito mal interpretado!!! Não estou a dizer que o progresso não seja um excelente valor. Também não queria dizer que quem vive mal se deva resignar. Concordo inteiramente que pobre seja «alguém que não consegue satisfazer de forma regular todas as necessidades básicas, assim consideradas numa sociedade como a nossa». Certíssimo. A minha chamada de atenção é que «uma sociedade como a nossa» muitas vezes por motivos económicos trata como necessidades básicas coisas que o não seriam. Até pode haver melhor qualidade de vida numa aldeia, sem comida pré-fabricada nem roupa de pseudo-marca.

Anónimo disse...

Sem-nick - tudo bem, mas o que ali se diz é que entre gente que trabalha, que ganha, que tem salário, aquilo que ganha não chega. Tão simples como isso!

josé palmeiro disse...

Joaninha remataste certeiramente!
Acho que já o disse, mas volto a repetí-lo: "Cada vez, sobra mais mês, no fim do dinheiro!". Uma afirmação certeira de Millôr Fernandes, já com algumas décadas.
Ainda em relação a este assunto, gostei de ouvir as declarações do seráfico Bagão Félix, uma vez que estes dados se referiam ao tempo em que ele foi Ministro. Dizia ele, que, na altura, não tinha nenhuns dados que indiciassem o que agora veio à luz, coitadinho!!!

Anónimo disse...

E já agora, também no Público de ontem, vem a propósito lembrar que Portugal é o país da UE com mais desigualdades na distribuição de rendimentos
E então?...
Nem todos são pobres, né..?!

Anónimo disse...

Jp diz o que queria dizer sobre joaninha.
Não sei bem porquê mas o bruto da costa sempre foi uma pesoa em quem confiei.Mas...

Anónimo disse...

Por acaso fico sempre embaraçada quando se fala em pobreza. Para mim faz nascer um estúpido complexo de culpa, com a sensação de que não é justo que eu tenha a minha vidinha, razoável, e que me limito a existir sem 'merecer' aquilo que tenho. Deve vir de um remoto complexo judaico-cristão que não sei justificar...
Quanto ao resto, olhem para ser justa tenho de dizer que tenho respeito pelo Bruto da Costa; entre os tipos que passaram por aquele Ministério (que eu conheço, ó se conheço!!!) sem falar no Bagão, e no Negrão - os aumentativos emparelham-nos apesar da sacanice do Bagão ser mais grave - foi um dos poucos que respeito. e mesmo se agora não faz mais suspeito que também não pode.