sexta-feira, abril 25, 2008

Onde estavas na tarde do 25 de Abril?...

A minha avó morreu há pouco, com 80 e tal anos. Tinha uns 55 anos quando foi o 25 de Abril, eu ainda não tinha nascido. É engraçado porque ao ouvir o que ela me contava desse tempo e o que contavam os meus pais, até parecia que se estava a falar de países diferentes.
O meu avô, que já tinha morrido, era um legionário e a minha avó estava perfeitamente integrada na sociedade de então, o tal Estado Novo. Considerava que tudo estava bem e, para ela, a minha mãe tinha sido ‘desviada’ do caminho certo pelo meu pai, que ela olhava como um perigoso revolucionário.

Nesse dia, ela só soube que havia alguma coisa de errado pela criada que lhe veio dizer que na praça se falava em revolução. Ligou o rádio e as notícias deixaram-na assustadíssima. Telefonou a várias amigas que ainda a assustaram mais, falavam em fugir, ir para as suas casas de campo, que os revolucionários iam matar toda a gente. Rezou a Nossa Senhora, fez promessas, a meio da tarde estava aterrada sem saber o que fazer.

Foi quando chegaram os meus pais com a minha irmã pequenina, todos bem dispostos, para lhe dar um beijo. Pôs aos gritos:

“ - Que é que fazem aqui!!! Vão já para casa! E ainda por cima com a menina, desgraçados, inconscientes! Olhem que corre sangue nas ruas…”
“ - Oh mãe, ponha-se calma! Quem é que lhe disse essa?!”

“ – É que vêm aí os comunistas e matam toda a gente! É uma revolução!”

“ - Pois é, é uma revolução mas não morreu ninguém. Correu tudo muito bem”
Começou por não acreditar. Aquilo eram “coisas do genro” com certeza. Contudo a calma com que ele falava, deu-lhe alguma tranquilidade. Se calhar as coisas não estariam assim tão mal como ela receia.
Desconfiada voltou a ligar a televisão depois deles saírem. Que esquisito. Está tudo a passar-se ao contrário do que pensava. E… enfim, se calhar agora o seu sobrinho já não ia para a guerra, o que a andava a ralar muito.

Contudo a minha avó resmungou o resto da vida, e eu gostava dela mas era um pouco irritante estar sempre ‘do contra’, sempre à procura do que estava mal.
Só que, naquela tarde, teve de reconhecer que as coisas não foram como ela receava.

3 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez palmas para a abordagem que fizeste.
Se escrevesses só a visão dos que estavam felizes, era claramente parcial. É evidente que houve muitos descontentes e aflitos. A verdade é que o regimen tinha apoiantes!
E posto desta forma está muito interessante.
também conheci pessoas que entraram em pânico, ainda na perspectiva de que os comunistas comiam as criancinhas...

josé palmeiro disse...

O que sei, por testemunho directo dos meus, foi que a alegria era incomensurável. Os meus pais, no Alentejo, região que continua esquecida, passados todos estes anos, faziam-me chegar, todas essas convulsões, com os avanços e recuos, aproveitamentos e troca de casacas, inerentes a este momento. Por Moçambique, o fim da guerra colonial era evidente, adivinhava-se a revolta dos colonos...

Anónimo disse...

Como disse a minha homónima, é muito bem pensado também referires os descontentes. Claro que foi uma festa para muitos, mas não para todos!!!
Mas se fosse a inversa «eles» não teriam tanta tolerância!