O Diário da Ana
Sexta-feira, 19 de Abril de 1974
Fui com a Luísa, e a irmã Lena que casa depois de amanhã, à casa nova ajudá-las nos últimos retoques.
A casa está muito gira. Eles decidiram colocar alcatifa igual na casa toda, enquanto na nossa em cada quarto ficou a condizer com a cor das paredes, e acho que a escolha deles é melhor: o chão fica mais uniforme e a casa parece maior. As paredes estão forradas a papel. Eu não gosto lá muito desta moda, mas como a Lena e o Chico escolheram papéis com desenhos muito neutros, não ficou mal. O do quarto tem umas flores miudinhas, e na sala de estar o papel parece tecido e não tem desenho, fica engraçado.
Têm pouco móveis, mas o suficiente. A maioria são da Olaio, móveis soltos que já não se usam mobílias completas como os nossos pais usavam. O quarto, como tem um roupeiro metido na parede com gavetas e tudo que já faz de guarda-fatos e cómoda, só precisa da cama. Eles arranjaram uma cama que tem na cabeceira umas gavetinhas e assim não precisam de mesas-de-cabeceira. Linhas muito simples, nórdicas.
A sala de estar tem num canto uma mesa redonda para as refeições e um armário tipo século XVII que eles mandaram vir do norte, saiu muito mais barato. O único luxo é uma estante da Altamira, tem uma linha muito bonita, mas foi caro. Enfim, sempre vão casar e no resto da casa gastaram muito pouco porque os pais dos dois ofereceram os electrodomésticos, que era o mais caro. A cozinha também está muito colorida e bonita.
Eu, do que gostei mais, (para além da estante, é claro!) foi de um sofá comprido, que até faz um canto. A sala fica muito acolhedora. Só ainda tinha visto aquele tipo de sofá em revistas de decoração.
Bela casinha. À saída ainda me ri com a Luísa, porque a Lena é mais nova do que nós e já não recebeu uma ‘Guernica’ como prenda… Para nós era fatal!
19 comentários:
Outra página do Diário, absolutamente feminina, que me agradou e que me dez rir, não de escárnio nem de mal-dizer, mas das lembranças que me trouxe.
Todo o meu percurso de vida foi de andarilho e, ainda ontem ao recebermos, na nossa casa umas amigas de infância da minha mulher e ao mostrarmos a casa, foi dito: "Bom, mas agora é definitivo, não é?", ao que, em uníssono respondemos:"Nunca se sabe!".
Tem sido assim, ao longo dos anos e assim será, certamente. Mas, as primeiras coisas, principalmente aquelas que constituíram o concretizar de sonhos, adquiridas com os nossos primeiros proventos, essas, têm um sabor especial, por isso , eu me ri ao constatar que não foi só comigo, que as coisas aconteceram e acontecem.
Quando o Zé diz «absolutamente feminina» tem razão pelo modo como está escrito, mas essa coisa da decoração da casa já metia o gosto do 'noivo'.
A descrição vai muito ao encontro do que se gostava. Foi a época de cada quarto da sua cor (como agora volta a ser, mas apenas uma parede) e quando tudo começou a alcatifar a casa, também a alcatifa condizia com a cor da sala. Neste caso orem tudo igual foi uma modernice, na época. Só uns anos depois voltaram a ver-se as tábuas dos soalhos. Mas havia casas onde a alcatifa se apoiava mesmo no cimento, nem tinha tábuas por baixo!
Uau!!!
Uma peça de mobília da Altamira era chic à brava! Quem é que lá chegava?... Já a Olaio sim, e havia uma loja cujo nome me foge, ali na Casal Ribeiro quase a chegar ao Saldanha, que tinha uns moveis acessíveis e giros.
Acho que aí havia os tais sofás de canto de que falas, eu também tive um!
Eheheheheh!!!
E a inevitável Guernica! Também alternava com a Pomba do Picasso!
Sei bem de que loja é que o King fala, mas também tenho o nome debaixo da língua e não sai. «Qualquer-coisa-'forme'» parece-me.
Foi uma praga esses móveis pseudo-século XVII, havia em todas as casas. Por acaso tinham arrumação, e na altura achávamos bonitos. E, se calhar, hoje já voltam a ser...
As cozinhas de fórmica em cores variadas, e tinham algum espaço. Não se pensava ainda em kitchinettes.
Zé, então eu construi o meu ninho palhinha a palhinha, e ainda cá estou (nem digo à quantos anos) na mesma casa. Há quem me pergunte -Ainda vives no mesmo sítio? com alguma estranheza, mas cada vez sinto maiores as raízes que aqui me prendem. É a minha casa e é o meu bairro.
Se o senhorio tivesse um amok e me quisesse por na rua era como se perdesse um braço ou uma perna.
Mas o teu caso foi completamente diferente, e entendo bem que agora tenhas ido descansar para os Açores.
Ah, e outra coisa, também entendo bem quando falas das coisas que compramos com o nosso primeiro ordenado. Tenho um sofá velhíssimo, que está agora na minha casa da aldeia, mas foi o que comprei com o primeiro ordenado. Acho que NUNCA o vou conseguir deitar fóra!
Uma reconstituição muito boa!
Gramei.
Não sendo exactamente desse tempo, tenho uma ideia das casas e sua decoração tal como aqui é dito. E havia muitas «fórmicas», não só na cozinha julgo eu.
De qualquer modo, o que falas é de uma classe média e intelectual. Porque noutra área vê-se isso muito bem (o tipo de habitação) na série «Conta-me como foi»
(Tess tinhas-te enganado e deixado este comentário que só podia ser neste post, no primeiro, o da águ; tirei-o de lá e trouxe-o para aqui - Emiéle)
Achei graça logo ao enfase da estante.Eu que sempre embirrei com estantes na sala porque me parecia assim uma espécie de cartão de visita "intelectual"do morador...O outro objecto que desatou a ser objecto de culto foram as colunas de som...E a Guernica, a fatal Guernica, que substituia a "Ceia do Senhor" das classes B e C, e que servia na maioria das vezes para tapar o contador da electricidade foi depois sendo substituida pelos Cargaleiros até á nausea.Mas e a loicinha da "Sombra" e os vidros do "Pórtico"mais umas imitações de estanhos que estiveram muito em moda?Safa!AB
Estava com curiosidade em ver o que diria a AB, e já cá tinha vindo espreitar várias vezes. Pensei que era hoje que ela não passava por cá (também de vez em quanto pode falhar, que a nossa - e dela - vida não é só isto!)
Afinal sempre passou por cá!
Essa da estante na sala, Ab, dependia do número de divisões... Se havia o suficiente para um gabinete de trabalho, era realmente alguma chamada de atenção para o 'cotê' intelectual, concordo. Mas se só havia 2 quartos ou se já havia crianças, não podia ser de outro modo. E, pelo que recordo, realmente nessa altura vieram em força as aparelhagens, algumas já bem sofisticadas. E havia quem tivesse umas colecções de LPs fabulosas.
Havia mais uns pormenores de que queria falar, os tais vidros do Pórtico, uns faqueiros ou loiças da Unika, e uma ou outra coisa do Leonel. Estava a pensar em falar nisso quando referisse mais o tal casamento e as prendas, mas se calhar não.
Ainda não sei.
Obrigadissima Mary pela tua curiosidade.Tens toda a razão em relação ao espaço,mas eu acho que tenho razão em relação à "atitude".Para mim sempre foi incomodativo essa de estarmos a falar com gente que nos visitava e haver sempre um com o nariz na estante a vasculhar....as dedicatórias.No entanto, ainda antes da casa própria, quem não teve tábuas de tola em cima de uma armação de tijolos,por exemplo, a servir de estante?Ontem vim tarde e com pressa mas não quiz deixar passar em branco.Quanto à Altamira isso era mesmo luxo asiático.Quem começou a mobilar escritórios na Altamira, foram as profissões liberais já estabelecidas e a conjugar isso com a pintura(quem é que na altura ia além da serigrafia,a menos que fossem os amigos a oferecer as obras de arte feitas por eles próprio?)e isso foi o "golpe de vista" do Faria Paulino e surgiu então a pintura integrada nas decorações menos porque sim,mas porque dizia bem com o sofá,tendencia que se iria acentuando nos anos 80.Já que a Emiele falou da UniKa, eu suponho que era mais a Elarca, ali ao pé da discoteca Carmo que tinha coisas lindissimas em vidro e me deu um desgosto por causa de uma famosa taça vermelha(uns anos antes)que foi vermelha porque se lia muito Cocteau...(uns anos antes).E já agora a chamada Longra também das estantes em dois tons e uma amiga que comprou uma em 2ª mão e a tratava pelo diminutivo-a "longrinha"...E o dinheirito que se "torrava" em Lps,sim senhora Marye havia até uma espécie de competição porque para a clássica a Deutch é que era e a Buchholz com certeza é que tinha e,e,e...AB
Volto, pela mais simlpes referência que a AB deixou e para fazer um reparo. Ainda ontem depois de ler todas as referência que deixaram desses tempos, estive, vai não vai para o dizer mas as coisas alteraram-se por aqui e não tive tempo para isso, hoje a AB cita-as: As magníficas estantes de tijolos que ornaram a minha casa em Santarém e que fizeram parte da mudança para o Alentejo, só que com uma diferença, as tábuas eram de PINHO, e não de TOLA, e vieram do mesmo sítio donde vieram os tijolos, de doze buracos, como convinha, e as tábuas eram dos andaimes das obras que se andavam a iniciar, naquelas bandas.
No caso, mais nos idos de 74, e como estava a pensar em faqueiros (às peças soltas, é claro) era realmente na Unika que estava a pensar em falar, se viesse a falar nas prendas. Tinha também na cabeça a dita Elarca, e por isso pensei no Leonel, logo abaixo. Mas depois pus-me a rir, o que vale é que a maioria delas não existe ou ainda estava a fazer publicidade...
Se falei na Altamira, foi para dar o tal tom do luxo. Também aqui, no 'Diário', não disse o tamanho da dita estante... nem se era só aquela que existia!
Mas vocês têm razão, podia muito bem ter feito referência ao outro tipo de «mobília» improvisada, como essa das estantes de tábuas compradas nas serrações e tijolos das obras. Os meus pintei-os para ficarem mais bonitos, mas isto aqui não foi bem autobiográfico, tem sido uma composição (?)
Quanto à atitude, isso tens toda a razão, AB. Era um tanto irritante, irmos a casa de alguém e haver sempre um que se levantava e ir meter o nariz na estante e vasculhar o que lá havia. E fazia um juízo de valor sobre o dono da casa.
De tal maneira que me lembro de um amigo meu que tinha um pequeno apartamento ali à Av.de Roma com uma pequena estante com uma criteriosa escolha de livros...Comentário de um personagem Vavaiano ao olhar para a dita"Mas este gajo só lê em português?"Nem mais...AB
Essa do amigo «vaváiano» é óptima! e a estante com livros «escolhidos» ainda melhor!...
Voltando atrás, às serigrafias e coisas dessas, havia quem fosse sócio da «Gravura» e pagando uma quota mensal tinha direito a algumas gravuras por ano. Eu ainda entrei nesse esquema.
Emiele..
Minhas visitas são mesmo espaçadas..não há como..
Adorei o texto e os comentários como nenhum outro : dou aulas de design de interiores.só podia mesmo gostar.. E as fotos?? É pedir muito?rsrsr
Beijão.
Querida Cris - Fico toda satisfeita que passes por aqui, mesmo que seja espaçado. Afinal o Brasil é longe, não é? :)))
Minha querida, isso das fotos é bem mais difícil, uma vez que são memórias um pouco inventadas. Mas ainda vou rebuscar a ver se encontro alguma coisa e mando-te por mail se achar algo onde se veja o interior (porque as fotos eram só para as pessoas, o interior da casa era por acidente...)
Enviar um comentário