domingo, abril 13, 2008

O Diário da Ana

Sábado, 13 de Abril de 1974
Fomos tomar café a casa do Victor e da Clara. Também apareceram os primos deles, mais tarde também a Luísa e o Zé e acabámos por ficar na conversa até às tantas. O tema principal foi, como tinha de ser, o clima em que se está a viver. ‘Sentimos’ todos que paira no ar qualquer coisa, mas é difícil definir o quê. Depois do golpe das Caldas, é claro que a tropa deve andar mais calma, (ou mais receosa?) mas… A verdade também é que não se pode continuar esta guerra incrível, indefinidamente. A malta que volta de África vem num estado desgraçado, e tantos amigos que temos por essa Europa que não podem voltar a Portugal… Durante muitos anos falava-se na paz podre, mas actualmente nem essa paz se tem.
Depois, mudámos de agulha, e deu-nos para a maluqueira: estivemos ali na paródia a «sonhar» outros sonhos. O que a gente se riu! Imagine-se para o que nos deu?!
A Clara tinha trazido para casa um folheto da Abreu com propostas de cruzeiros, parece-me que no «Funchal». Ofereciam dois percursos, ou por Marrocos e Canárias, ou Madeira e Açores. Nove dias, seis contos e trezentos. Se pensarmos que está tudo incluído, comida e dormida, seria um sonho quase, quase realizável, afinal quando fomos a Paris não gastámos menos.
Mas é claro que para dar algum cheirinho de realidade a esse sonho, eu tinha de começar a fazer um mealheiro já, se ainda houvesse esses preços para o ano, porque apesar de tudo aquilo é bem mais do que eu ganho por mês! E, infelizmente lá por termos férias não temos também dois ordenados em Agosto.
Mas, sonhar é fácil, como diz o filme…
Um cruzeiro, heim…? Tinha piada. Porquoi pas?



11 comentários:

Anónimo disse...

Engraçado!Eu embirro com cruzeiros.Sendo de alguma forma "social"chateia-me a obrigação de vestir para isto, despir para aquilo,jantar na mesa do comandante,etc,e sempre tive a ideia e, nessa altura ainda mais, que cruzeiro é coisa de "aposentado".E depois, nessa altura, viagem programada era coisa que nem me passava pela cabeça(programada de "programa"de agencia).O tempo era mais de "embalar a trouxa e zarpar".Mas o "barco"era de facto um desejo.Só muito mais tarde o realizei e ....foi num cargueiro, quando já não havia viagens regulares do Funchal ou de outro qq.,para a Madeira.AB

Anónimo disse...

Olha que não AB.
Esta recordação diz-me um bocado respeito e foi depois do 25 quando aumentou a capacidade de compra. Tal como aqui dão a entender, fomos dois casais no Funchal (era mesmo!) até às Canárias e foi giríssimo. Não havia nenhuma necessidade do social, como se imagina primeiro. Aliás tínhamos combinado sabotar essa coisa, mas nem foi necessário. Ficámos numa mesa para 4, vestíamos como muito bem nos apetecia, ficava-se de papo para o ar a apanhar sol ou na piscina, ou horas a olhar o rasto do barco nas águas do mar.
Foi óptimo, e os passeios nas Canárias também.

Anónimo disse...

Está muito realista este «Diário». A verdade é que se alternava as conversas sérias e pesadas com as galhofas e as piadas. Tinha mesmo que ser, para a nossa saúde mental!!!
Quanto à dita viagem por barco, eu tinha exactamente a mesma reação da AB. Aquilo era coisa de cotas como se diria hoje.
Mas depois falei com malta que tal como disse o King, me explicou que não era necessário ser assim. Havia de tudo. E uma coisa boa era que havia poucas criancinhas a chatearam a molécula.
A malta que se queria desenfiar, podia fazê-lo, sem grande dificuldade. Mesmo em terra, podia fugir às visitas organizadas (que horror!) e ir explorar o que quisesse.
Bem, mas a verdade é que nunca o fiz...

cereja disse...

Há aqui alguma crítica implícita (explicita no caso da AB) e reconheço que cometi o que se poderá chamar um «anacronismo psicológico».
Realmente, naquela época e com aquela idade, a ideia do cruzeiro era extemporânea. Quis aproveitar a ideia de se sonhar com viagens, realçar a falta se subsídio de férias, e já agora o notícia de um jornal desse dia anunciando essas viagens. Tudo certo, mas realmente psicologicamente errado.
Mas, aconteceu-me exactamente o mesmo que ao King (será que fomos na mesma viagem?...) Com alguma relutância concordei com esse passeio, eu que sou o menos 'social' possível, e afinal foi giríssimo! Cada um fazia o que muito bem queria, claro que comendo à mesma hora por exemplo, mas isso era um mal menor. Nada de mesas de comandante nem nada disso! E o mar, uma maravilha!!!

Anónimo disse...

Para mim quando estava a ler o texto o que me fez identificar mais foi por um lado o «ir-sr tomar café» á casa dos amigos e não «um copo» como fazemos hoje. Não quer dizer que não se tomassem «copos» (ora, ora, e de que maneira às vezes) mas o convite era para o café. e por outro lado, uma coisa também de época - e se calhar de classe - era as reuniões alargadas. Eu tinha amigos que tinham a casa 'aberta': chegavam a juntar-se por lá grupos enormes, a malta iam aparecendo mesmo sem convite.
E, também confirmo que apesar de se falar muito da situação, ninguém aguentava sem outras conversas mais para o ligeiro. E muita fofoca, Emiéle, aqui não dizes mas era mesmo!!! Os casamentos na altura já duravam menos do que 10 anos antes, e havia muita conversa.

Anónimo disse...

Esqueci-me de uma, bem vista. A segunda língua dominante.
Hoje diríamos «Why not?»
Naquela altura «Porquoi pas?»

Muito bem apanhado.

josé palmeiro disse...

Este, hoje, foi para rir!
Rir, porquê?
Porque era assim, os pontos de encontro, mais seguros, eram as casas de uns e de outros. As conversas eram assim mesmo e essa de juntar dinheiro fosse para o que fosse, também era assim, pois subsídio era coisa que estava fora do léxico.
A AB e os cruzeiros, passo a contar, a minha primeira viagem de barco, foi para Moçambique. Comprei as passagens, eu, mulher e filho, embarcámos no "Império" e, "ala que se faz tarde". O navio, era de carreira regular e era também um misto de carga e passageiros, fui em primeira, pois o carro que vendi, deu para isso. Essa do social, era como a AB descreveu, então em 1ª, era demais, só que o Imediato era de Elvas e o facto de sermos alentejanos, deu para vivermos esses 29 dias em plena sintonia com os anjos. Cruzeiros, nunca fiz, pois as outra viagens, foram sempre em carreiras regulares. Dá para gozar e abandalhar o suficiente e necessário. Fizeste relembrar, outros tempos...

Anónimo disse...

Juntar dinheiro'no principio do mês ou seja quando se recebia vá de dividir por envelopes as despesas fixas e depois era fazer contas ao que sobrava.o supermercado era comprado em função de 3 semanas+1,sendo que a uma eram combinações de restos ,conservas,tudo coisas aprendidas nas aulas de "aproveitamentos" da Irene Visi.E só para fazer divertir o Palmeiro, que esteve em àfrica, experiencia que eu não tive,um dos envelopes tinha o título de "imposto de palhota"e era evidentemente o dinheiro da renda de casa.Amigos?Era todas as noites e o café era mesmo metáfora, porque Zés Trigos de Sousa,Jooês Francos,Manueis Ruas,Pignatellys ,etc,não iam lá sem ,pelo menos cerveja, e muita.E as meninas, por lá iam aferindo, com umas ginjas pelo meio...AB

Anónimo disse...

Esqueci-me dos irmãos Karamasov que qd.apareciam em conjunto era cá uma rasia!!!(e a solo tb.)AB

cereja disse...

Eu não digo que tens uma memória fabulosa? tal e qual! "Imposto de palhota" era o que escrevia nos ditos envelopes (e o modo como nos referíamos à dita renda)
E havia casas, como lembrou aqui a Mary onde estava sempre a porta aberta, a malta ia chegando e acampava onde houvesse lugar, muitas vezes no chão - era a altura das alcatifas, que depois todos mandámos tirar...
E o dizer-se «café» era realmente eufemismo, mas era assim que se fazia o convite. Depois vinha a cerveja, é claro, ou outro álcool qualquer que muitas vezes um dos visitantes trazia. E eram reuniões enormes, animadíssimas, que muitas vezes duravam até às tantas.

cereja disse...

Olha, foi a Joaninha, não foi a Mary que deixou a recordação... Eu às vezes troco-as que têm algumas coisas em comum! (e agora não vou apagar o comentário para o voltar a escrever...)
Zé, essas viagens de mês inteiro, também experimentei, mas pessoalmente não guardo boa recordação. Era muito pequenina, e... não fui em primeira. Foi péssimo, e talvez por isso nunca alinharia num cargueiro, como a AB. Mas imagino que de mulher e filho e com boas condições para ti tenha sido agradável.