terça-feira, abril 08, 2008

O Diário da Ana

Segunda-feira, dia 8 de Abril de 1974

Ai, que quase me esquecia de pagar a renda!!! Eu pensei que era o João que a ia pagar, ele calculou que fosse eu, e só hoje, ‘dia-de-São-Senhorio’ é que reparámos os dois que ainda não a tínhamos pago.

As rendas novas têm subido um bocado, ainda bem que nós ainda temos uma casa de renda económica, de um conto cento e dez. Lembro-me da teima que tivemos quando casámos, porque o João queria uma casa das de novecentos, com duas assoalhadas, e de facto chegava muito bem só para nós. Mas eu insisti em procurar uma já com 3 porque quando viesse um filho não precisávamos de mudar. E fiz bem, porque a diferença são só duzentos escudos e assim estamos mais à vontade, se calhar nunca mais mudamos. Aliás agora vemos muito poucas casas com escritos, os primos do João meteram-se numa cooperativa e vão ter uma casa própria, vai ser muito giro. Ainda falaram connosco, mas até nos rimos, era completamente impossível arranjar o dinheiro para a 'entrada' e mesmo a amortização era incomportável. Mas no caso deles, fizeram bem, vai ser uma casa a sério mesmo desenhada por arquitecto e isso nota-se (é que o arquitecto também é primo dela, assim ficou mais em conta) e depois os outros habitantes do prédio é tudo malta amiga, ficam como que «em família». Foi bom para eles.

Os ‘Franciscos’ – a São e o Francisco – mudaram há pouco ali para a Quinta das Mouras. A zona está muito gira, mas as casas são mais caras do que na nossa zona. Eu acho que nós estamos bastante bem aqui, e daqui só penso mudar se houver uma boa oportunidade, mesmo muito boa, coisa que não me parece provável…

Nem nos vamos ralar nada com isso!




9 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma voltinha no caleidoscópio.
Outro aspecto interessante. De facto o problema da habitação era diferente de hoje. Muito pouca gente tinha casa própria, começavam a surgir timidamente algumas pessoas nessas cooperativas de habitação, e havia é claro, casas de Bairros que começaram por ser «socais» como o caso do Bairro da Encarnação, cujas casinhas ao fim de 25 anos passavam a ser dos próprios. Mas o grosso da população alugava casa, que tinha umas rendas que custava a pagar porque não se ganhava muito, mas eram sempre do senhorio. Recentemente é que entre o preço de uma renda actual e a amortização que o Banco nos pede a coisa sai ela por ela...
E essas casas de renda limitada (dizia-se abreviando 'um-conto-cento-e-dez') já tinham desaparecido em 74 acho eu. Aqui a Ana e o marido devem tê-la alugado já há alguns anos...

Anónimo disse...

Como disse noutra 'página do Diário' ainda estava a acabar de estudar e vivia com os meus pais. Era vulgar alugar-se quartos, quer para ajudar a pagar a renda, quer para se ter uma habitação mais em conta. Alugava-se não só um quarto (com o que se chamava "serventia de cozinha") como também aquilo que se dizia 'parte de casa' que já eram aí uns dois quartos. Afinal eram famílias que partilhavam a mesma casa, mas o arrendamento era da primeira que tinha dado o nome ao senhorio e garantia a renda. mas era preciso que o senhorio concordasse, ou ia tudo para a rua!
As rendas nessa altura, já eram mais caras, mas começavam a haver zonas simpáticas para morar, no que na altura parecia periferia - Lumiar, Benfica, zonas da Linha ou de Sintra.

josé palmeiro disse...

Tem graça, o que foste recordar.
Estou eu na tropa e a minha futura mulher num quarto, como o King. Chega o Natal, casamos como já contei e eu fui para Santarém e ela para Cascais, uma casa emprestada por uma amiga da família, uma senhora Catalã. Eu vinha aos fins de semana e ela, que nunca tinha lavado roupa, tinha sempre um monte dela, toda suja de lama, da semana de instrução. Resumindo, fes a instrução comigo. Quando passei a aspirante e fui dar instrução, veio ter comigo e aí, alugámos uma casa em Santarém. Foi engraçado, a nossa primeira casa. Era nova a estrear, para lá do campo da feiramas era barata, porque o dono sabia que era por pouco tempo. Depois fomos viver para Estremoz sempre em casas alugadas, sendo eu um inimigo da aquisição de casas, aquilo a que eu chamava, "morrendas" e nãi vivendas, pois só o sufoco de arranjar dinheiro para pagar os emprestimos, leva-nos a desesperos tais que viver é demasiado belo para quem assim vive. No entanto tal viria a acontecer, bem mais tarde em Loulé, onde, feitas as contas entre pagar a um agiota que era o dono do apartamento, a pagar ao banco e num espaço de tempo dilatado, vir a ser nossa, era compensador. Mas digo-te, preferia alugar, se esse mercado fosse mais em conta.

Anónimo disse...

Queres tu dizer Zé Palmeiro que o agiota mudou de nome.è Banco.E aí não te podes atrasar na renda e mudar de casa tb. é mais dificil para quem tenha um feitio saltitão ou uma profissão idem...Mas já agora que se fala de casas e 25 de Abril vou fazer uma outra agulha e contar uma "estória" de época.
Imaginem uma casa solarenga com jardim casas de pessoal,entrada nobre ,ocupando toda uma rua e bocados das ruas de cima e de baixo.Com a crise dos finais dos anos 40 no Alentejo e a ajuda do vicio familiar de jogo e algum luxo mais uma ineficiencia da gestão de bens agr´rios entregues a capatazes,rendeiros ou manageiros,dividas acumuladas e casa a leilão.Crise era crise, e particulares não houve para a compra.Acabou comprada pelo Estado que ali instalou um organismo agrário qualquer ,que ali ficou anos sediado.Com o 25 a Reforma Agrária tomou o edificio e instalou uma sede.E vai daí um movimento qualquer de latifundiários cujas herdades tinham sido ocupadas achou que era o sítio exacto para põr uma bomba.E pôs.Estão a ver a ironia da coisa?Levou anos depois ser recuperada e hoje tem lá outra vez com outro nome o organismo inicial e estatal.Tenho fotografias dos dois desastres.O causado pela bomba, com destruição de azulejos do sec.xviii lindissimos,e de soalhos e tectos entalhados e trabalhados e do desastre da recuperação que é menor mas não menos desgostante.AB

cereja disse...

Gostei dessa de que o agiota mudou de nome. É que é a minha opinião: na Idade Média ou por aí, seria uma vergonha os nossos banqueiros serem recebidos em sítios 'bem'. As voltas, heim...?!

Pobre AB, esse desgosto dessa vossa casa (nem sei se não deixaste já aqui fotos no teu Caderno de Capa castanha) deve ser dos desgostos que não passam. Que estupidez!

Zé, o teu testemunho é bem interessante, porque é exactamente isso que aqui o Diário pretende despoletar! As nossas memórias de coisas que ainda estão vivas na memória mas hoje já é passado. E tu percorreste todo o circuito desde o quarto alugado, à casa provisória, à casa alugada mais a sério e até à casa comprada. E hoje tens uma cada 'herdada', não é?
Mas naqueles anos a casita do conto cento e dez era bem boa!!!

Anónimo disse...

Bem,o Caderno de Capa Castanha é da madrinha da Clara.O meu era o Caderno da AB.E as fotos mandei mas foi para ti por mail.AB

josé palmeiro disse...

Gostei dessa da "herdada"!
Paga queres tu dizer, ou melhor a pagar. A primeira casa que paguei foi a do Algarve. A vida profissional tinha-me para lá levado, depois a casa que tinha alugada necessitava de uns aconchegos que eu propus fazer, descontando na renda, mas o senhorío, aos costumes disse nada, e então decidi-me, mudar de agiota, como diz, e bem a AB.
Mais tarde quando vou para o Alentejo em missão autárquica, e não tinha casa pois os meus pais viviam em casa alugada, vi-me, dado o elevado custo das rendas, coagido a adquirir uma outra com recurso aos agiotas bancários. Foi essa que vendi e que mudei o crédito para esta. com as mais valias da venda, paguei as partes dos meus cunhados e a minha estou pagando, aos ditos. Por isso essa coisa das "herdas", têm muito que se lhes diga.
Uma palavra para a AB., muitos casos como o que aconteceu e que ela conta, se passaram. foi um dó de alma, ver gente, se gente se pode chamar, a destruir por destruir. Hoje pergunto, que lhes vai na alma, eles que foram instrumento de outrem? Enfim, desventuras de um processo que nem chegou a ser, verdadeiramente revolucionário.

Anónimo disse...

Tal e qual. Nessa altura ninguém comprava casa, era uma ideia estranhíssima. Mesmo carro ainda poucos de nós tínhamos, apesar de já haver alguns, em segunda mão.
As rendas parecem hoje baratíssimas, mas olhem que não é a ocharia que parece, quando se ganhava aí uns dois contos, 1.110$00 era mais de metade de um ordenado! O grande truque é que elas estiveram congeladas esse tempo todo - e agora todos torcem a orelha: os senhorios por motivos evidentes, e mesmo os inquilinos porque agora os senhorios põem as barbas de molho e mesmo para arrendar pedem uns preços impossíveis! esta questão da lei das rendas é um sapato difícil de descalçar.

(Que giro, eu fui das que foi para a Quinta das Mouras! E aidna hoje é um sítio bem giro!)

Anónimo disse...

Nós já não apanhamos dessas de 1.110$ e muito menos das de 900$, mas os meus irmãos ainda hoje vivem nessas. Claro que a renda foi actualizada (mas ainda é muito barata) e no outro caso o senhorio vendeu-lhes a casa!
Hoje estou a amortizar uma que será nossa sabe-ser lá quando e de condomínio pago mais do que isso como se calcula!!!
Que tempos, e que inflação a nossa!