quarta-feira, março 05, 2008

Cinquenta cêntimos


A maioria dos bancos «desincentivam-nos» de passar cheques com argumentos de peso, dizendo devemos usar Cartões, Transferências Bancárias e Débitos Directos porque assim o dinheiro não pode ser roubado ou extraviado. Ah, o ‘argumento de peso’ é o custo daquele papelinho que, como sabemos, não é nada barato.
Mas isto, somos nós, clientes anónimos. O Estado é outra coisa. O Estado pode dar-se ao luxo de enviar um cheque de 50 cêntimos. Se ao custo do cheque propriamente dito se juntar o custo do envio da carta, imagina-se que inteligente é esse acto.
E imagina-se também a cara do receptor, que abre uma carta, tira de lá um cheque e vê escrito «cinquenta cêntimos».
É evidente que a culpa é do sistema informático, como é óbvio. O sistema não pensa e portanto processa tudo automaticamente. Mas, se calhar, quem pensa e programa o dito sistema, poderia introduzir um sinalzito que lhe indicasse que abaixo de certo valor não devia emitir o cheque, não seria? Mas isto digo eu, que julgo que tenho bom-senso mas não sei nada nem de finanças, nem de informática nem de Bancos.
Disso não sei, mas sei um pouco do comportamento humano. Posso calcular o que é que sente um idoso que ao abrir a carta que costuma receber da Segurança Social com o valor do Rendimento Social de Inserção, encontra um cheque de 50 cêntimos Se for cardíaco, pode sentir uma coisinha má. É certo que lhe podem depois falar em «acertos», explicar tudo, que os cheques são emitidos automaticamente, blá, blá, blá. Ele só deve ver à sua frente aquele meio euro.
É que, afinal está tudo certo, a culpa é dele: «em Dezembro foi pedido [ao beneficiário] que entregasse provas em como não possuía rendimentos, mas o beneficiário não as entregou». Isto deve fazer todo o sentido, mas hoje estou particularmente obtusa – como é que eu provo que não tenho rendimentos? Vejo-me muito bem a provar aquilo que tenho (se tiver), uma cópia do meu estrato bancário, ou do IRS, ou registos de propriedade de bens móveis ou imóveis.
Posso mostrar aquilo que tenho, mas como mostro o que não tenho?

Mas, enfim, isso deve ser normal, nos anos anteriores ele lá deve ter feito essa demonstração negativa e desta vez esqueceu-se.
Mas muito humanamente, a Segurança Social velou e ele sempre recebeu alguma coisa, o seu ajuste – 0,5 €.



7 comentários:

Anónimo disse...

Não são nada baratos, não. A última carteirinha de cheques que recebi custaram-me 4 € (800 escudos!!!)
Se somarem a despesa de correio, etc, fica completamente caricato.
(Claro que o Estado tem avenças e essas coisas todas, mas foi um desperdício de papel pelo menos)

Contudo não é isso que interessa, é o aspecto humano da coisa como aqui acentuas. Como é possível, sobretudo um serviço que é da Segurança Social - e que deviam ter formação mais dirigida aos sentimentos das pessoas - funcionarem desse modo! Enviarem um cheque de 50 cêntimos é fazer pouco de cada um.

josé palmeiro disse...

Nada mais se pode dizer, sigo o raciocínio da Mary, porque eu, sou cardíaco!

Anónimo disse...

OK, aquilo é processado automaticamente, todos entendemos isso. Contudo, como ali disse a Emiéle não haveria um modo de introduzir um 'comando' na coisa que abaixo de um certo limiar esse "acerto" não fosse processado?...
Para além do ridículo, que isso ninguém lhe tira, do desperdício, onde também estamos de acordo, o facto de parecer que se está a gozer com a miséria alheia é chocante.
Cinquenta cêntimos?...
E se ele estivesse a devê-los levavam-no a tribunal?

Anónimo disse...

É uma história tristíssima Emiéle.
Eu imagino que a tal «prova» de como não possuía rendimentos deve ser o IRS ou uma coisa dessas.
Mas quem vive do RSI tem IRS?...
Também faz alguma confusão essa de se «provar que não tem»!
E tudo isto é tão vexatório, que nos envergonha a todos.

snowgaze disse...

informaticamente, deve ser simplicíssimo inserir uma linha de código a dizer "se o valor for abaixo de x, não enviar o cheque". É preciso é alguém fazer isso, alguém mandar fazer isso, alguém decidir que não se mandem esses cheques, e se calhar alguém defender na assembleia da república que se faça isso... provavelmente o complicado não é mudar o programa informático (ou melhor, acrescentar uma linha ao programa), mas sim o resto.

Anónimo disse...

É o que disse agora a «snowgaze» a parte informática é decerto fácil, só falta quem tome a decisão, e pelos vistos o Secretário de Estado lava as mãos.
E também gosto da pergunta da Joaninha: se é assim tudo tão automático, se fosse ele que estivesse a dever e não pagasse, levavam-no a Tribunal? Dívida é dívida, não é?

cereja disse...

Também pensei isso "snowgaze" , a dificuldade não está na técnica está na decisão.
talvez com este ruído o Senhor Secretário de estado, acorde.

Imagino que a "prova" seja de facto o IRS, ou então um atestado passado pela Junta de Freguesia, se ele não tiver IRS nenhum. Mas é chocante, porque a própria Segurança Social tem os seus mecanismos de controle desta coisa.