sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Estado e Igreja

Quando li apenas o título senti-me escandalizada.

Fui ler o resto da informação, e passei por diversas fases: a) considerar que o título tinha sido só para chamar a atenção, e no essencial a notícia era diferente do que parecia b) sentir que existia alguma manipulação de opinião no respeitante ao que é a Sharia c) estranhar a ‘tolerância’ de uma Igreja em relação a outra - não creio que os acatantes da Sharia pensem o mesmo em relação às outras crenças d) parecer-me que se exagera o conceito de integração, se «muitos muçulmanos diriam que sentem que são excluídos de áreas da sociedade britânica» talvez seja porque os seus usos não compatíveis com essa sociedade e) e finalmente ressaltou-me o sofisma do raciocínio do senhor arcebispo.
Ora vamos ver:
ele termina dizendo ou chamando a atenção para o facto de que «há já exemplos na Grã-Bretanha onde as leis religiosas de uma comunidade concreta foram reconhecidas pela legislação geral». Refere-se decerto a comunidades não cristãs, uma vez que ao longo dos séculos, na Europa, o Estado tem procurado, e conseguido, libertar-se cada vez mais da tutela da Igreja, que quanto mais se recua na História tanto mais pesada e severa é.
Ora se os Estados em geral caminham para separar a Igreja do Estado, insistindo que a Lei tem de ser geral e para todos e independente de crenças religiosas, a que título se vai retroceder e aceitar que haja comunidades que possam fugir à lei geral e reger-se por leis particulares e religiosas? Que se respeitem e aceitem usos diferentes, correctíssimo, e com isso ninguém tem nada. Cada um pode casar-se ou baptizar os seus filhos como muito bem entender, por exemplo. Contudo, se quiser estar legalmente casado na terra onde reside, terá de se registar como tal, assim como as crianças deverão ser registadas. Este é um exemplo óbvio. Assim como, se comete um crime pelas leis do país onde reside, tem de se submeter a elas, mesmo que esse crime seja aceite pela sua religião – terá a bênção dos seus sacerdotes mas irá para a cadeia na mesma.
Nem entendo como possa ser de outro modo.

Se a
Sharia são leis religiosas então, fóra dos seus países, só podem ter validade em actos e cerimónias religiosas e nunca serem transpostas para a sociedade civil. Tão simples como isso. Se durante séculos se andou a separar a Igreja do Estado, em nome de quê se vai começar a abrir excepções?
Será que o senhor arcebispo tão tolerante não sonha com um retorno ao passado?



22 comentários:

Anónimo disse...

Bem mas julgo que,ainda que passageiramente,a reaproximação é nítida .Usa, espanhate aqui-pp- , etc...

Anónimo disse...

Preparava-me exactamente para chamar a atenção para o mesmo do FJ.
A Igreja em Espanha está a mexer-se e de que modo!!!!!

Anónimo disse...

O FJ foi muito sucinto, mas deixou muitas pistas... De facto nos EUA a coisa também não é tão pacífica. Por algum motivo um dos candidatos á presidência era um mormon. E todos declaram a sua confissão religiosa como elemento importante no seu perfil.

De qualquer modo, essa declaração do arcebispo de Cantuária trás água no bico. Como dizes, tanta tolerância pode ser apenas isso, mas...

Anónimo disse...

Isto tem muito que se lhe diga.
A verdade é que faz sentido que a Grã-Bretanha se mostre mais tolerante do que Arábia saudita, não é? Não pode ser o «olho-por-olho» ou não havia lógica.
Contudo, nestas coisas da religião tenho a convicção que se as coisas não ficam bem separadas, dá-se o dedo mininho e quando acordamos estamos sem braço!

Anónimo disse...

Claro que a interferência Igreja-Estado é conhecida e continua.
Vejam AQUI como mais acima o FJ e a Mary lembram.
E não só.

Anónimo disse...

Há costumes e ... costumes.
Voltando ao islamismo e alguns «costumes», seria bom não esquecerem a excisão.
Vejam
http://aquazensia.wordpress.com/2007/12/09/peticao-mundial-contra-a-excisao-feminina/
por aqui.
Apesar de se passar mais em África, é uma medida 'cultural' que veio com os imigrantes para a Europa.
Vamos aceitar?

Anónimo disse...

Lamento imenso mas, nesta área, estou em profundo desacardo e de acordo com a emiele. Nós, europeus, não temos que tolerar nada que seja contrário ao nosso modus vivendi, ie, que fira, ponha em causa o status quo.

Por outro lado, os defensores dos Estados laicos têm que ser mais activos já que a militância religiosa no seio da política é extremamente activa, forte e perigosa.

Na minha perspectiva, a médio/longo-prazo, assistiremos ao (res)surgimento da intolerância (a sério) contra um determinado tipo de "violações" do nosso espaço, em sentido lato. Dito de outro modo, os pontas-de-lança religiosos colocados no ocidente têm uma postura que ultrapassa claramente o aceitável em Estados livres e democráticos.

Anónimo disse...

E mais, a revolução francesa foi feita em França. A expansão do humanismo, direitos humanos, respeito pela liberdade individual, etc etc etc partiu de uma região do globo para o seu todo. As independências permitiram um verdadeiro retrocesso em determinados domínios o que, por razões óbvias, não foi possível contrariar. Passou-se à fase seguinte. E aí, lamento, há que tomar uma posição firme.

A esse propósito, embora não sirva de exemplo por diversas razões, p Estado angolano proibiu a Igreja Maná em Angola, não tem licenciado a construção de mesquitas e demoliu várias que foram construídas sem autorização.

Anónimo disse...

Tenho imensa pressa e este é um assunto que me interessa muito e que em Portugal está já a mexer tb.Depois volto.AB

Anónimo disse...

Bravo Miguel!!!!!
(a tua participação aqui tem sido excelente; vou propor à Emiéle que te nomeie comentador honorário ou um coisa dessas)
Completa e totalmente de acordo com o que dizes. Dizes muito bem e com muita veemência!
A verdade é que os defensores do laicismo são muito mais suaves e tolerantes do que quem defende as diversas Igrejas que entram numa verdadeira «guerra religiosa» onde vale tudo!

josé palmeiro disse...

Concordo, inteiramente, com a perspectiva do Miguel. No entanto, quer parecer-me que é a mesma da Emiéle, pois não encontrei que ela pense de outra forma.
Ao pactuarmos com esta invasão das religiões, estamos a cavar a sepultura, do que andámos a tentar construir, sociedades livres, solidárias e o mais igualitárias possível.
Gostava de deixar ao arcebispo de Cantuária uma questão. Como é que ele resolve o problema do aumento dos cereais, que se vai,de imediato transformar em aumentos de todos os alimentos essenciais?
Será que ele pensa que vai haver outro milagre da multiplicação?

cereja disse...

Tive de voltar aqui, porque fiquei admirada ao abrir ver tanta gente interessada... :))
Joaninha - tenho várias comendas para entregar. Olha que tu és uma das primeiras a recebê-la quanto mais não fosse pela assiduidade, mas também é claro, pelo que dizes. O «nosso» Zé Palmeiro tem também direito a outra, pelos mesmos motivos. E sem dúvida que gosto imenso quando o Miguel passa aqui pelo Pópulo, merece também ser comendador! lol!!!

De resto, dá-me ideia de que estamos com alguma diferenças, mas todos na mesma onda. Zé, no comentário do Miguel há por ali uma questão de vírgulas, ou de uma palavra subentendida.
Ele disse:
Lamento imenso mas, nesta área, estou em profundo desacordo e de acordo com a emiele.
Se está «de acordo com a emiele» é porque aquilo em que está em «profundo desacordo» é com o senhor arcebispo, alvo da minha crítica!
Foi assim que eu li!

(mas continuem, que a conversa está boa!)

ilha_man disse...

Sinceramente eu acho que só aceitamos certas coisas devido ao petróleo. Quando descobrirmos uma forma de sermos independentes nessa área a conversa começa a ser outra!!!
Um dos grandes problemas das comunidades muçulmanas, e não só, é o facto de viverem em guetos onde vivem exactamente como viviam nos seus países de origem. Muitos deles, principalmente as gerações mais velhas, nem se dão ao trabalho de aprenderem a língua local, embora vivam emigrados muitos anos.
Em minha opinião, a integração passa, em primeiro lugar, pelo conhecimento da língua local!
José Palmeiro, a subida dos cereais tem uma explicação muito simples.São os combustíveis verdes,feitos à base de cereais,que prejudicam mais do que beneficiam!!

Anónimo disse...

Essa conversa da integração é uma pescadinha de rabo na boca. Os imigrantes vêm e como é normal juntam-se. Até aí, é normal. Depois depende de muitos factores, e a «responsabilidade» muitas vezes está repartida: a sociedade deve abrir-se e acolhê-los bem, por outro lado eles devem fazer um esforço em conhecer e aceitar a terra que escolheram para viver. Quando uma destas duas vertentes falha, nascem os guetos, e entramos numa espiral de onde não se sai.
O ilha_man tem razão, a história de dominar minimamente a língua do país onde se vive, é fundamental.

cereja disse...

O ilha_man levantou uma questão que ando a investigar (quero eu dizer, mais modestamente, 'ver se compreendo' :D)
Ainda hoje deixei isso num comentário do blog da Ciranda. Essa coisa dos combustíveis biológicos é uma faca de dois gumes...
Encontrei num site um artigo interessante. Vão espreitar.
Diz lá os governos que usam biocombustível para enfrentar o aquecimento global sabem que este irá causar mais dano do que bem.
Será?....

josé palmeiro disse...

Ilha Man, essa do aumento dos cereais, conheço eu bem, não esqueças as minhas origens. É essa uma razão, porque na minha região, os cereais, hoje, já pouco ou nada representam. Cada vez se faz menos trigo, porque outras culturas são, (serão?), mais rentáveis, nessa história dos bio-combustíveis, logo, para alé de produzirmos uma cota cada vez menor de cereal, cada vez estamos mais dependentes de terceiros, para além do petróleo, agora também de cereais, fora as outras coisas todas...

Anónimo disse...

Este é daqueles posts que a Emiéle escreve como quem atira a semente ao vento... Ela faz bastante isso. Deixa uma ideia importante por aqui e depois essa ideia vai derivando por aí fora até sabe-se lá onde.
Vejam que interessante, começámos com a relação Igreja Estado e já vamos nos bio-combustíveis!
lol!!!

Anónimo disse...

E afinal, vim até cá e não disse da minha justiça.
é que concordo totalmente com o Miguel. E não tem a ver com a minha posição de agnóstico, estou convencido, é uma questão racional e de progresso. Aquilo que a velha Europa conquistou ao longo dos séculos (e soube-me bem um jovem como o Miguel lembrar a Revolução Francesa : Liberdade, Igualdade, Fraternidade :D ) parece impossível que se venha a perder em nome dessa mesma Liberdade!

Anónimo disse...

O comentário de R.S. (que deve ser mais perto da minha idade se chama jovem ao Miguel) ao evocar a Revolução Francesa e o seu idealismo, fez de imediato lembrar a famosíssima frase:
"Oh Liberdade! Quantos crimes se cometem em teu nome!" dizia Madame Roland ...
É isso que começa a meter medo, que por respeito se venha a aceitar atitudes de quem não respeita de modo nenhum os outros diferentes de si. Esta tem, ou deve, ser uma rua com dois sentidos.

Anónimo disse...

O que se está aqui a discutir e que começa por ser a questão da tolerancia acaba por se transformar na questão da sobrevivencia.Tenho pensado muito nisto ultimamente até porque há pequenos grandes sinais que tem o efeito do sinal Stop.Por exemplo a recem discussão quási despercebida sobre a aplicação ou não de nomes de santos a instituições de ensino que tem sido um dos cavalos de batalha da maçonaria laica...Por exemplo a questão em França ds pessoas que se insurgem por verem nos quintais comuns das suas residencias imolar bezerros ritualmente...Por exemplo a questão que eu o ano passado não sabia como julgar da permissão do uso do chador nas escolas públicas francesas...Por outro lado tinha encolhido os ombros à inclusão da questão da matriz cristã na Constituição Europeia...A questão da excisão feminina que em Portugal também se pratica(conheço pelo menos dois casos)de emigrantes oriundos da Guiné...Enfim até ao caso pwssoal de uma coisa chamada "Assembleia de Deus "a quem uma senhora,dona de um espaço por baixo do meu andar, resolveu alugar e que me enche a casa de canticos ao jantar e almoço de Domingo e 5º feira...Tem direito de cantar e eu não tenho direito de comer descansada?Mais curioso ainda na carta de resposta à reclamação a senhora fez várias alusões à intolerancia pq.era outra religião(chamou-lhe estigmatizante)e "puxou" do racismo uma vez que os crentes e respectivo pastor são brasileiros.Que fazer face a isto?Creio que Cantuária ou Espanha ou os Estados Unidos podem estar preocupados e não é propriamente um desvio qd.ao comentar se fala das dependencias económicas... mas neste momento acho que à Europa só resta de facto a cultura que mal ou bem foi criando.Abdicar disso é abdicar como já outro dia se falou aqui da nossa forma de vida.AB

Anónimo disse...

Isto para dizer que o Miguel tem razão mas o King toca noutra ferida.E acho ,já agora, mais extraordinário ainda as tentativas várias de (Inglaterra mais uma vez)branqueamento do Holocausto...Há como disse muitos sinais contraditórios...AB

Anónimo disse...

É isso que me preocupa.
Há muitos sinais.
A nossa cultura é de tolerância, é certo que muitas vezes não o somos, mas caminha-se para isso. temos a batidíssima frase de que a 'nossa liberdade termina onde começa a dos outros' e essas coisas todas.
Mas depois olha-se à volta e sentimos o círculo a fechar-se.
Essa história, inacreditável de se 'atenuar' o holocausto para não ferir as sensibilidades dos árabes, que a AB lembrou, é de bradar aos céus! quando os britânicos estavam entre os soldados que viram os campos de concentração! E que não fosse, é História! ...que não desculpa os erros dos sionistas na Palestina, mas não se pode é reescrever a História!