quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Em Maputo


Como sabem, gosto muito de África e Moçambique diz-me muito.
Ontem fiquei estarrecida com o que ia ouvindo da revolta de Maputo. O pretexto parecia-me pequeno para um descontrolo daqueles e deixar uma cidade como Maputo em Estado de Sítio.
Confesso que levei algum tempo a investigar o que eram aqueles transportes «chapa 100», porque no meu tempo só existiam os machimbombos, transportes colectivos normais, velhinhos mas afinal uns autocarros como outros quaisquer. Já percebi que «chapa 100» é um transporte semi-colectivo que hoje em dia é o mais usado naquela terra e tinha sofrido um aumento de preço de 50% o que era completamente incomportável para a vida já muito difícil para a população.
Ontem segui a situação através de “uma reportagem” muito interessante do blog Diário de um Sociólogo que publicou um post em constante actualização chamado “Revolta Popular em Maputo”. Hoje, ele já nos informa que as tarifas voltaram ao estado anterior, ou seja houve um grande recuo.
Contudo os estragos, muito grandes, ficaram e o sinal de alerta não pode ser esquecido ignorado: como é que uma população vai tão longe num protesto?
Só podemos imaginar que foi, não direi a gota de água para fazer transbordar o copo mas mais o fósforo que se atirou para cima de material inflamável.
Um custo de vida em constante aumento, um povo muito sofredor, e de repente não aguentaram mais.
Será altura de pararem para pensar um pouco.*
Gerir aquele país é tarefa muito difícil, as dificuldades são muitíssimas, mas será inteligente encarar com firmeza quais as prioridades e organizarem-se em relação a elas.
Espero que esta onda de revolta sirva de aviso e lição.


* O Miguel diz, e muito bem «
Não é tempo para parar e pensar. É tempo de mudança». Ele pensa que quem lá está não é capaz dessa mudança.
Eu espero que o seja, pelo menos agora.
Mas sou capaz de ser demasiado optimista...


16 comentários:

Anónimo disse...

Emiele,

Quando o povo ganha salários de miséria e tens a exuberância de quem manda que, há uns anos atrás, estava ao mesmo nível do povo, algo vai mal, muito mal.

Não é tempo para parar e pensar. É tempo de mudança. E quem lá está é incapaz dessa mudança...

Anónimo disse...

Gosto muito de ler o Miguel, porque fala com a confiança de quem andou por lá e de olhos abertos.
Muitas vezes penso que num grau muito mais soft é o que estamos a passar agora cá: o povo a ganhar abaixo do que há muitos anos ganhava e governantes olhando de alto o tal mexilhão. Só que por cá os governantes não vieram do mesmo nível do povo. (e daí... já nem sei, a família do Cavaco ou a família do Sócrates não eram da elite)

Anónimo disse...

O optimismo é uma coisa boa, mas não quando se é irrealista.
Neste caso és capaz de estar a ser irrealista...

Anónimo disse...

Boa ideia este link.
É que assim saímos das informações oficiais. Desconfio sempre dessas.

Anónimo disse...

Há coisas em que é preciso gritar bem alto para se ser ouvido. E algumas parecem tão sem importância. Fiquei angustiada com as notícias de Moçambique.

Anónimo disse...

Tudo isto deu para que começássemos a procurar notícias e jornais de lá. Eu pelo menos, esforcei-me. Mas é curioso alguma ingenuidade nos comentários aos jornais - e creio eu que quem faz comentários pela net, domina este meio e sabe escrever!.
Neste artigo Relativa acalmia publicado no País, lemos um comentário de um leitor: «Vocês não foram ao local certo, porque ainda há minutos fui vandalizado no Infulene, junto a BO, imaginem, pois claro na cidade até ver anda-se normal, mas e os vidros do meu carro quem paga? eu?»
É das tais coisas, num caso desses nem as seguradoras pagam! Paga ele, é claro. Já se viu como foi em França.

josé palmeiro disse...

Tão impensável como nada dizeres sobre este preocupante facto era ele não acontecer.
O Miguel, acentua a causa, naquele primeiro parágrafo do seu comentário, e conclui de forma brilhante.
Pena tenho eu que, por cá, continuemos a pactuar com governos que tudo esquecem para se eternizarem no poder, calcando o povo que sofre com as desculpas habituais, a conjuntura mundial, a subida do petróleo dos cereais, enfim um sem numero de desculpas esfarrapadas, em que o povo acredita, até um dia. As últimas notícias indicam que os "chapas", em Maputo , voltaram às tarifas anteriores, mas na Beira e noutras cidades, as tarifas aumentaram, conforme a lei, esperemos ansiosamente que se resolva o problema e que aquele, extraordinário povo, com quem convivi dois anos e meio, e que permitiu que um filho meu, diga hoje, com muito orgulho, que nasceu em Moçambique, não sofra mais, neste caminho rumo à liberdade, à igualdade e à fraternidade.

saltapocinhas disse...

não conheço o assunto a fundo, mas o que incomoda nestes países é que os pobres são mesmo pobres e os governantes figuram sempre nas listas dos mais ricos!

Anónimo disse...

Andando arás dos links que aqui deixaste, encontrei vários comentários muito bons no blog do Miguel e até transcrevo parte de um:A absoluta falta de soluções que o governo moçambicano oferece aos moçambicanos, força estes a verem-se entregues aos chapas que, por sua vez, fazem e desfazem do pobre cidadão moçambicano [trabalhador, estudante, etc.] que vê metade, ou mais, do seu escasso salário servir só para pagar os transportes.
Rotas encurtadas pelos “chapeiros” para maior lucro fácil, obrigando os passageiros a apanhar 2/3 chapas [pagando em cada uma das viagens], sem qualquer tipo de fiscalização da polícia ou com a conivência dela, aliado a um aumento nada suave do preço da viagem, foram o barril de pólvora.
Mas atenção que não podemos confundir a manifestação da população com as pilhagens a lojas e mercearias e os apedrejamentos de viaturas.
Nestas situações, como sempre acontece, surgem oportunistas que de reivindicadores têm pouco. Foi o caso aqui.

Faz todo o sentido, o que aqui se diz. e é uma crítica tanto quanto se pode ver serena.

Anónimo disse...

Desculpem lá mas eu não consigo é entender como é que o Estado moçambicano não conseguiu criar ou mesmo manter uma rede decente de transportes públicos, mesmo públicos! Que eu saiba em todos os países que conheço (claro que não conheço África) se há companhias de transportes privados - como cá as camionetas, por exemplo - há os correspondentes transportes públicos, o comboio por exemplo, cá. Ou transportes do município em cidades mais pequenas.

Anónimo disse...

Saltapocinhas, se calhar tens razão, mas em relação a Moçambique não tinha ideia de que os governantes fossem tão ricos assim...

Anónimo disse...

Obrigado mary, josé palmeiro :)

Infelizmente não posso falar... um dia mais tarde, em livro, quem sabe...

Eles não são "tão" ricos mas são brutalmente ricos comparativamente à população. Para terem uma ideia, ainda antes de ser eleito Presidente da República, Guebuza era já um dos (senão o) homens mais ricos de Moçambique. Como?

Enfim. Apenas posso dizer que depois de tudo o que vi, vivi, presenciei e tomei conhecimento em Moçambique, fizeram-me perder toda a esperança numa África mais justa e equilibrada, onde valesse a pena viver enquanto o poder se mantivesse na velha guarda.

Como escrevi um dia, tínhamos um mainato no escritório que vivia muito longe da cidade. Como o salário era baixo (baixíssimo mesmo), o Paulinho andava a pé todos os dias quase 5 horas. Isto depois dos chapas terem subido os preços. E começou a emagrecer o Paulinho. O nosso Director de Recursos Humanos, um grande tipo, moçambicano, falou comigo sobre o assunto e decidimos falar com o Administrador-Delegado sobre esta questão de modo a introduzir-se um subsídio especial de transporte para o Paulinho. Esse Administrador tinha sido Secretário de Estado de Samora Machel, homem de mão de Guebuza naquela altura, e um comunista convicto. Daqueles que conseguiu a licenciatura no Porto graças às passagens administrativas. Mandou-nos dar uma volta e que não devíamos estar bem da cabeça. A empresa não tinha nada a ver com o assunto. E o Paulinho continuaria a andar 5 horas por dia se nós não lhe déssemos dinheiro do nosso bolso. E este era um homem da nomenklatura, que tinha lutado por determinados ideais e... pelo povo!

Adiante. Tal como aí, em Moçambique e sobretudo onde agora estou, a sensação que sai cada vez mais reforçada é que o povo é o meio, não o fim.

cereja disse...

Bem, depois desta última informação (não é um «comentário») do Miguel, dou a mão à palmatória, Joaninha - além de optimista estava a ser irrealista.
Mas com uma pena imensa...
Como é possível?!

josé palmeiro disse...

Deixem-me só dizer uma coisa. O Miguel, tem "carradas" de razão mas, não devemos generalizar. Acredito, até porque conheci alguns, que no meio daquilo tudo, ainda haverá meia duzia de pessoas honestas. Se não, o que é que eu e outros como eu, lá estiveram a fazer? Deixem-me dizer que incluo o Miguel nestes, "outros como eu, tal como a Emiéle, bem entendido e outros que por lá, ainda se encontram.
Quero ter esperança!!!

cereja disse...

Zé, o próprio Miguel te dá razão naquilo que escreve. Repara meu amigo que ele diz «O nosso Director de Recursos Humanos, um grande tipo, moçambicano», e esse tipo, juntamente com o Miguel decidiu falar com o chefe... Portanto decerto que «ainda haverá meia dúzia de pessoas honestas» como dizes. O que ele nos diz também é que enquanto aquela nomenklatura tiver as rédeas a coisa é difícil de mudar. A frase dele, que copio, é «enquanto o poder se mantivesse na velha guarda». O que se pode desejar é que isso não demore muito tempo!

Anónimo disse...

emiele,

Chissano era a renovação mas foi traído e "obrigado" a "abandonar" o poder.

Guebuza personifica a velha guarda, retrógrada e que é ainda um exemplo do que de pior África gerou em termos de líderes, embora este seja um anão - estatuto este decorrente de ter sido eleito Presidente da República - senão nem ficaria na história...