Um Caderno de Capa Castanha XV
«Continuando as minhas recordações sobre os divertimentos públicos e as crianças da época:
É bom teres sempre presente de que falo ainda da década de 40. Um pouco mais tarde, creio que em 52, veio a regra (e rígida como todas as regras do salazarismo) da classificação dos espectáculos, e a partir daí havia espectáculos para 6, 12 ou 18 anos e quem estivesse abaixo dessas idades não podia entrar. Mas quando eu era pequenina, os adultos quando iam a um espectáculo podiam levar uma criança desde que ela se sentasse ao seu colo. Calculo que pressupunham que ela, na escuridão da sala, adormecesse. E em muitos casos isso devia suceder. Claro está, que noutros não!
A propósito, talvez não saibas que nessa altura se podia fumar nas salas de cinema. A proibição veio mais tarde, mas recordo ver a luz de algumas pontas acesas na escuridão da sala.
Quanto aos filmes, tenho alguns ‘flashs’ de recordações parcelares de pessoas a falarem línguas que eu não entendia, monólogos grandes e que, exactamente por não perceber nada, me faziam sono. Mas noutros casos, a história era tão expressiva, que eu a ia seguindo, mesmo sendo assustadora. Lembro-me de um filme sobre o Barba Azul, que vi quase todo enquanto os meus pais imaginavam que dormia. Mas era impossível porque estava aterrorizada! Tratava-se de um pintor que matava as mulheres para as pintar depois de mortas. A última, vai ao sótão, fechado à chave é claro, e depara com os quadros das suas antecessoras… Depois disso recusa-se a beber um copo de leite que devia estar envenenado, telefona à polícia ou a um antigo namorado já não sei, e após uma perseguição por toda a casa, barricada numa sala, a coisa culmina com o marido a arrombar a porta enquanto a polícia entra pela janela! Não acabou mal, mas imagina-se os sonhos que tive depois disso…
Mas íamos também ao teatro, creio que com o mesmo sistema do colo da mãe ou pai. Recordo uma peça, essa engraçada, talvez chamada «Casei com um anjo» ou algo parecido. Seria no Teatro Apolo? Um sujeito farto de mulheres, declara que só casaria com um anjo, e Deus manda-lhe mesmo um anjo! Desce lá de cima a Laura Alves, de asas e túnica, pronta a casar com ele. Essa peça era engraçada mesmo que complicada para mim, o anjo era muito inocente e dava origem a cenas cómicas. Uma frase me ficou até hoje, na voz característica da Laura Alves: estavam a pintá-la, para 'ser moderna', e puseram-lhe pestanas postiças talvez, e lembro-me da exclamação "Qué isto??? Parecem perninhas de barata!!!»" Escangalhei-me a rir!!!»
Clara
9 comentários:
Desde a semana passada que tenho passado por aqui. Um bom blog, minha amiga. Tenho-o recomendado.
Este post, em continuação do de há 8 dias, mantem o tom. Apesar de «mais de 50» já não me lembro de ir ao cinema com os pais, a não ser nos cinemas ao ar livre nas férias. E, também "no meu tempo" já não se fumava nos cinemas, mas recordo ouvir falar nisso.
Calculo o teu medo a ver o terrível Barba Azul! E que graça, lembrar a Laura Alves ainda novita - por volta dos anos 40...
Mais um post para a minha pastinha, porque os estou a recolher.
Este e o da semana passada, é mais vivido, menos 'sociológico' apesar de alguns dados que desconhecia - o facto de as crianças poderem entra ao colo dos pais, e essa de se fumar nos cinemas.
Sempre a aprender!
Tal como a "Mulher-de-mais-de-50", não me lembro desses cinemas, porque no Portugal profundo, donde sou natural, essas coisa não aconteciam assim e o hábito do cinema, veio só mais tarde. Quanto ao Teatro, lembro-me da companhia de Teatro Desmontável "Rafael de Oliveira", chegar e fazer as suas produções, durante uma semanas, em pleno Rossio.
Quanto ao escrito, mais uma lição de recordações que nos moldaram e projectaram o nosso futuro.
Esqueci-me de dizer, e por isso ainda aqui volto, que a minha mulher, tem essas recordações, porque, como o pai era das Finanças e tinha lugar sempre disponível, e tinha gosto pelo cinema, levava os filhos a todos os espectáculos.
Bom, às vezes bastam uns aninhos que em crescida não são nada, mas em criança têm muita importância. A madrinha da «Clara» é capaz de ser os anos suficientes mais velha do que eu para ter estas recordações.
Eu, só me recordo de ir ao cinema já havia as divisões por idades. Mas é muito interessante imaginar um tempo desses onde em vez da criança ficar como devia, na cama, ir laurear a pluma ao cinema ao colo dos pais. E então se se fumava e tudo, é bem melhor o esquema actual!
para que se veja que nem tudo era melhor dantes, não senhor!!!!
pesar de também não ser do meu tempo, ouvi contar. Digamos que é um «testemunho por ouvir dizer». Mas ouvi falar disso, isso posso testemunhar.
E, tal como a madrinha da Clara, ouvi histórias de filmes que não eram nada, nadinha, para crianças!!!
Mais uma vez venho dizer, que estas tuas histórias (devido à minha idade) me parecem também cinema para mim!
Se alguma vez me passou pela cabeça que se pudesse entra com um bebé na sala de um cinema e menos ainda que se fumasse lá dentro!
Espantoso!
Em comentários anteriores já falei de cinema(aquela tara familiar do Tivoli)dos passatempos,do teatro e suponho que do meu ódio ao circo.Mas como os divertimentos para crianças comigo tiveram também outros contornos faremos como de costume.Escrevo e mando.AB
Amigos, acredito que estas 'recordações' sejam um pouco mais antigas do que as que vocês se conseguem lembrar. Mas a proposta deste Caderno era começar pelos anos 40, não era? Portanto é aí que estou a beber a informação, e tenho a certeza de que as coisas eram mesmo assim.
Obrigada AB, cá espero a contribuição.
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