Fernanda Botelho
Neste fim-de-semana morreu a Fernanda Botelho.
Nem disse nada na altura, ouvi vagamente a notícia mas como não estava bem de saúde, nem prestei muita atenção. Ontem, contudo, a RTP 2 mostrou-nos um documentário muito bem feito com testemunhos muito vivos e uma entrevista interessantíssima da própria Fernanda, que me fez relembra a sua obra.
Desafiadora, feminista, com uma escrita que escandalizou um pouco por vir da caneta de uma mulher, e sempre irónica. Dizia "Nem na morte vou perder a ironia" e assim foi.
Voltei a relembrar "A gata e a fábula", "Xerazade E Os Outros", "Lourenço é nome de jogral", "Esta noite sonhei com Brueghel"… ( estou agora a pensar que me apetece voltar a relê-los)
Uma escritora que desafiava muito, e cujos estratos de romances ontem lidos nesse documentário possivelmente surpreenderam quem não a conhecesse ou estivesse esquecido.
A minha surpresa foi a sua poesia. Não me lembrava que ela tinha começado a sua obra por "As coordenadas líricas"
Atenção à sua poesia:
Desviou-se o paralelo um quase nada
e tudo escureceu:
era luz disfarçada em madrugada
a luz que me envolveu.
A geométrica forma de meus passos
procura um mar redondo.
Levo comigo, dentro dos meus braços,
oculto, todo o mundo.
Sozinha já não vou. Apenas fujo
às negras emboscadas.
Em cada esfera desenho o meu refúgio
- as minhas coordenadas.
7 comentários:
Há com ela mais duas mulheres, um tanto esquecidas. e que não são nada menores ,nem como mulheres nem como escritoras.A Salette Tavares e a Maria Judite de Carvalho .Não percebo bem porquê, a não ser pelo facto de serem mulheres, e, no caso da Maria Judite com a agravante de ser casada com um escritor quási oficial em determinada época.Mesmo a Irene Lisboa ,com maior reconhecimento, não sei sequer se a consideram leitura obrigatória...ÂB
O que se passou comigo, chama-se insularidade. É nestas coisas que me exaspero, por não ter atempadamente conhecimento das coisas. A Fernanda Botelho e os seus livros eram uma das minhas companhias, nos meus dias de trabalho nas Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian, porque faziam parte do seu espólio e porque recorrentemente, os contactava. Como tu, apetece-me relê-los.
É também meu dever acentuar as afirmações da AB e da necessidade de se lerem as autoras que refere e que volto a sublinhar: Salete Tavares; Maria Judite de Carvalho, mulher de Urbano Tavares Rodrigues e Irene Lisboa, dentre outras.
Também vi ontem o documentário, muito bem feito, sim senhor!
O Urbano falou bastante (o tal 'escritor quase oficial', creio eu) e falou-se realmente da Mª Judith de Carvalho, mas não da Irene Lisboa. Falou-se da Natália Correia com fotos de tertúlias lá em casa, mas infelizmente os depoimentos de vivos já puderam ser poucos, é uma geração que está a desaparecer.
Eles escolheram uns textos mais provocadores do que ela escreveu, e realmente conseguia bater forte e muito irónica!
Não vi a reportagem, infelizmente.
O teu link é muito útil. Não apenas a entrevista, o que já é muito bom, mas depois o "apanhado" de frases que se seguem.
É de ler, mas gostei desta:
"seja como for, toda a instrução ministrada a indivíduos do sexo feminino é sempre, quando ultrapassada a cultura primária ou os conhecimentos elementares, um acréscimo, não digo inútil, mas dispensável"
Também vi parte do documentário. Chamaram-me a atenção e liguei para esse canal.
Foi bem feito, sim.
E quanto aos versos, foram muito bem ditos, (não soube quem foi a 'diseuse') porque se deve realçar cada palavra. Lidos com tudo encadeado não resulta da mesma maneira. Ouvidos foi uma revelação também para mim.
Não conhecia, quase. De nome, mas acho que nunca li nada dela...
Agora fico interessado. Não é muito datada?
Não, Raphael. Se não conheces vais ter uma boa surpresa.
De resto, apesar de teres razão, há escritores 'datados', quando são mesmo bons isso ultrapassa-se.
Não podemos dizer que o Eça está 'datado' mesmo 100 anos depois.
Enviar um comentário