domingo, novembro 11, 2007

Caderno de Capa Castanha XXI – Doenças


Como eu tenho andado agora adoentada, lembrei-me de perguntar como era quando a madrinha estava doente, lá no seu tempo?

«Olha, quanto a doenças infantis e modos de tratamento, a evolução do mundo tem sido enorme, Clara. Se recuarmos a essa década de 40 de que temos falado até agora, deves ter presente que ainda nem se usava a penicilina e muito menos os antibióticos que hoje se usam quase por tudo e por nada. E vacinas, havia ainda muito poucas.
Quando eu era pequenina, a vacina importante era a BCG, a vacina da tuberculose - doença que era ainda um flagelo. Eu recebi essa vacina, e mais tarde outra que me deixou uma grande cicatriz no braço, mas não sei de que terá sido… Creio que as das doenças mais comuns, que hoje todas as crianças tomam desde recém-nascidas , não devo ter tomado nenhuma porque tive quase todas as doenças infantis que se pode ter!
Algumas delas recordo mal, por ser muito pequena e a minha memória não conseguir ir tão atrás. Por exemplo, sei que tive tosse convulsa por me terem dito, mas decerto foi uma ‘versão’ suave porque ouvi que um dos tratamentos da época era levar a criança a andar de avião! Não foi o meu caso, como imaginas, que a minha família não tinha meios para isso.

Lembro-me muito bem do sarampo, porque apesar de me sentir doente o ritual era engraçado: o meu quarto ficou todo vermelho. Só via flanelas vermelhas por todo o lado, colocaram cortinas vermelhas na janela, e lâmpadas vermelhas nos candeeiros. Apesar de estar fraca e mal disposta até me parecia que estava numa festa! Mas aquilo ajudava a «sair» o sarampo.

Como te disse tive tantas dessas doenças infantis que antes de ir para a escola tenho a recordação de esta quase sempre na cama. O pediatra vinha-me ver a casa - não sei se seria muito comum mas, pelo que me lembro, esse meu pediatra era amigo dos meus pais – pedia uma colher que me metia na boca para empurrar a língua para baixo, coisa que me dava sempre vómito. Soube depois que era para examinar a garganta, mas detestava essa coisa! Auscultava-me com o estetoscópio, dava-me pancadinhas aqui e ali, carregava também na barriga, no estômago, enfim o que ainda hoje se faz mas ali deitada na cama do meu quarto tinha um aspecto esquisito, para mim. E lembro-me de que de vez em quando se partia um termómetro, porque adorava ver aquelas bolinhas do mercúrio espalhadas pelo chão.

Para além do sarampo e do seu ritual, também me lembro de ter tido «bexigas» ou varicela. Essa foi muito chata, porque tinha imensa comichão, mas tinham avisado de que não me podia coçar onde sentisse comichão porque senão ficava com um buraquinho naquele sítio. Eu já tinha visto pessoas «bexigosas» e achava muito feio de modo que fazia um esforço louco para não me coçar mas foi muito difícil; tinha uma caixinha com pó de talco e um algodão, e quando estava muito aflita carregava com esse algodão no sítio para aliviar. E escapei das marcas, tenho só uma pequenina junto a uma sobrancelha.

Mas se estas foram as mais aparatosas, a mais chata foi uma «primeira infecção pulmonar», uma parente da terrível tuberculose. Estive uns 3 meses de cama, em grande repouso o que era uma tortura para uma criança de uns 3 anos, perdi o apetite mas era obrigada a comer comida reforçada, não tinha ninguém da minha idade para me fazer companhia porque a doença fazia contágio e era muito perigosa. Foram uns meses que me pareceram anos…

Mas quando digo que tive todas as doenças infantis é mesmo verdade. Uma criança tinha de ser muito resistente nessa época! Não sei hoje fazer a lista, mas recordo a minha mãe quando ia comigo a qualquer sítio onde fosse necessário referir as doenças que eu tinha tido, suspirar e tirar da carteira um papel por ter receio de se ter esquecido de alguma. E era cá uma lista!

Mas não sei se isso não terá servido para me enrijecer, porque depois de crescida fui notavelmente saudável.

Ah, ainda falta contar uma horrorosa operação às amígdalas, mas essa história fica para a próxima.
»
Clara

8 comentários:

Anónimo disse...

Acho que hoje sou eu que venho estrear a caixa de comentários...
Não devo ter a idade da entrevistada, se calhar mais a da Clara, mas sei bem o que foi a tuberculose e o que era não haver as vacinas que temos hoje em dia. Lembro-me dos meus irmãos sempre de molho na cama! É certo que como dizes, a malta resistia, mas...
E essa de subir de avião para a tosse convulsa também ouvi falar. Porque seria? Algum razão devia haver.

Anónimo disse...

Desta vez não arranjaste nenhuma foto «verdadeira». Também é certo que não se ia tirar fotografias a uma menina doente de cama...
Abençoadas vacinas, realmente!
E olha que havia muito mais médicos que «faziam domicílio» antigamente. Não era preciso ser o João Semana na província, por Lisboa também se fazia. E era um sossego.
Podemos dizer que hoje também, mas não é nada o mesmo. Aliás pediatra a ir a casa é bem raro...
A varicela era horrível, menina!!!! Que comichão incrível, e sem se poder tocar lá.

josé palmeiro disse...

Era mesmo um rol de doenças, e ai de quem as não tivesse, no devido tempo, omo era e é, o caso da papeira, que todos conhecem.Essa da viagem de avião para curar a tosse convulsa, não conhecia, mas em sua substituição, tomava-se "leite de burra", que era mais forte e fazia muito bem. Havia uma outra coisa que também era muito doloroso, quando se era mordido por um cão, levava-se uma injecção na barriga, contra a raiva. As vacinas, que os do meu tempo se recordam todos os dias, pois têm as marcas, foram um grande avanço.

Anónimo disse...

Aqui sabe-me bem ser «doutro tempo»... :))
Apesar que essa da viagem de avião, e do vermelho do sarampo parece-me bem divertido.

Anónimo disse...

Não entendi se ela partia o termómetro de propósito para ver as bolinhas de mercúrio, mas olha que era o que eu fazia!
lol!

Anónimo disse...

O leite de burra era conhecido.
E será que fazia bem? Porque é que a burra era melhor que a vaca?

Também me lembro do vermelho para o sarampo. Mas a escarlatina é que devia ser, não é? A verdade é que hoje os miúdos também andam doentes mas é com alergias, asmas, coisas dessas. As doenças de antigamente, felizmente quase desapareceram por causa das vacinas.

cereja disse...

Realmente tens razão, Raphael, neste caso é bem melhor ser do nosso tempo!...
:D

Anónimo disse...

Há um léxico das doenças da infancia que é tão extraordinário que apetece fazer lenga-lengas com ele.Ora vejam:zaragatoa,colutório,Vick Vaporub,papas de linhaça,Ceregumil,Bovril,"banhos de luz",mais as purgas anuais e outras invasões purificadoras, pachos de alcool ou de água para baixar a febre tudo isto de mistura com histórias,passos quasi silenciosos,lamparinas ,murmúrios de "coitadinha está acarrada"..."diz AH,AH ! de colher em riste e a maleta do doutor meia aberta,enfim,pensando bem ,nessa lista interminável das doenças da primeira infancia não era tão mau assim estar doente...e depois não havia manha que não pegasse o que era um teste fantástico para futuros empreendimentos. Até à operação às amigdalas a reprodução mais completa da tortura medieval.A sangue frio tal como no romance do outro.E no Hospital Militar com um médico do qual nunca mais esqueci o nome:Barata Salgueiro.Pois,pois como o da rua.AB