Um Caderno de Capa Castanha XVIII - leituras 2
«Contei-te a semana passada que desde muito pequenina me habituei a ver livros à minha volta. Nessa época não era tão normal pôr um livro nas mãos de uma criança de 2 anos como o é hoje - vendem-se livros até nos hipermercados e feitos de materiais resistentes. Naquela altura não acontecia a não ser em certas famílias, como tive a sorte de ser a minha. E assim, não só comecei a ler cedo e com prazer como tal «vício» me foi largamente alimentado mas também ‘dirigido’. Comecei com essas colecções, Manecas, Joaninha, com que ia enchendo as prateleiras de uma pequena estante do meu quarto, a tal Colecção Azul da Condessa de Ségur, mas onde também se lia o «Coração», «Contos de Grimm», «Perrault», «Andersen»… Lembro-me do «Romance da Raposa» de Aquilino, de «S. João subiu ao trono» de Carlos Amaro, histórias infantis muito bem escritas que ‘passaram de moda’.
Mas fui crescendo e apreciando livros maiores mas sempre comoventes.
Não me esqueço de um que era em dois volumes e que chorava imenso a lê-lo: «Sem família» - um menino de uma família muito pobre que foi cedido a um saltimbanco a quem se afeiçoou muito. Triste, triste. E curiosamente, havia uma sequência desse romance, chamada «Em Família» que acabando bem, me interessou muito menos! E, claro, li «As Mulherezinhas» também, embora as achasse um tanto parvinhas. Curioso como o tema da criança órfã era uma constante na literatura infantil dessa época!
Mas, como te disse, os meus pais faziam muita questão em orientar aquilo que eu devia ler. E assim ia absorvendo colecções inteiras à medida que os livros iam sendo publicados. Lembro-me da colecção «Os grandes Livros da Humanidade» onde os clássicos eram adaptados numa linguagem simplificada «destinando-se às crianças e ao povo» (tal e qual!) Só que essa adaptação era feita por nomes como João de Barros, Aquilino Ribeiro, Jaime Cortezão...
Uma outra colecção que me influenciou muito (não me recordo agora o nome mas «vejo» ainda muito bem as capas) apresentava pequenas biografias agrupadas, por exemplo Os 10 maiores cientistas, Os 10 maiores músicos, Os 10 maiores aventureiros. E eu gostava imenso dessas biografias romanceadas, a Vida de Edison, ou de Catarina da Rússia, ou de Pasteur que sentia 'familiares'. Depois havia a História: a Vida Quotidiana no tempo de…, livros que varriam a História de uma ponta à outra mas de um modo muito cativante e lúdico. A Ficção Científica apareceu-me com Júlio Verne, uns romances que vinham de casa do meu avô em encadernações vermelho escuro. Aí, nem sempre me entusiasmava porque às vezes as descrições eram demasiado prolongadas, e eu saltava páginas inteiras para chegar ao que interessava! E… bem, não posso deixar de falar nos Jornais. Havia o Mosquito, e depois o Mundo de Aventuras e o Cavaleiro Andante! Esse é que coleccionei religiosamente todos os números tendo um espaço especial na estante para os guardar. Era um deslumbramento!»
10 comentários:
Primeiro - a menina com o livro da Branca de Neve não pode ser mais querida!!! É obviamente uma foto muito antiga e naquela idade ela só via os bonecos com certeza.
Segundo - Também me lembro da «dramalhão» do 'Sem Família'. E, não tinha reparado mas tens toda a razão, que quantidade de crianças órfãs que eram protagonistas das histórias. Todas as que citas (incluindo o Pequeno Lord e a Princesinha) são de meninos sem pai ou sem mãe. O Coração, as Mulherzinhas, e afinal até a Branca de Neve ou a gata Borralheira também. Que coisa...
Upss!!
Esqueci-me de falar nos Jornais.
Aqueles eram mesmo os primeiros números, não era...?
Tinham pouca cor comparados com os de hoje e o papel não era grande coisa, mas que alegria.
Ai Emiéle, fiquei vidrado nos «jornais», quase nem liguei ao resto.
Mas já cá volto, depois de ler bem o post todo!
Começando pelo fim, Mosquito; Cavaleiro Andante; Mundo de Aventuras, mais tarde O Falcão com as aventuras do Major Alvega, seria um sem número de citações. Como eu tinha a livraria da Tia, nem os comprava, lia-os lá, logo que chegavam, era o delírio. Dos livros, tenho memória deles todos, dos que li e aí acrescento os Salgari, os Cinco, os Sete, já não achei tanta piada e reitero aqui os Clássicos Contados às Crianças e lembrados ao Povo, colecção donde se destacavam para lá dos Lusíadas, a Eneida e a Odisseia. As boigrafias que citas, sem esquecer a da Madame Curie e a do Edison, depois o Búfalo Bill e o David Crocket. A par do Romançe da Raposa, a Poesia para a Infância, também do Aquilino o João de Deus e a sua poesia, e todos os contos tradicionais portugueses, do Adolfo Coelho, de quem reespgo o final do conto, "O Rabodo Gato", que é assim:
" Do meu rabo fiz navalha;
Da navalha fiz sardinha;
Da sardinha fiz farinha:
Da farinha fiz menina;
Da menina fiz camisa;
Da camisa fiz viola;
Frum, fum, fum,
Vou para a minha escola."
Bem, como escrevi, ainda tinha de cá voltar para relembrar outras coisas além desses famosos jornais da época.
Este post chamou a atenção para muita coisa. Reparei (sem o menor juízo de valor, atenção!) como eram diferentes os conhecimentos que se pretendia que as crianças há 5o anos dominassem.
É mesmo verdade que se dava bastante valor por um lado aos tais clássicos - também li, para além da Odisseia e Eneida, a Peregrinação, a Divina Comádia, as Viagens de Gulliver, a História Trágico-marítima, etc... - que escritos de um modo acessível apareciam como bastante mais interessantes, e também imensas biografias históricas. Ou seja, a nossa «cultura geral» mesmo que pela rama, era bastante literária e histórica. Daí o relativo choque de gerações, quando falamos com alguém tinta anos mais novo que nos fala de músicas ou filmes que ignoramos e os seus olhos somos de facto ignorantes, e nós referimos conhecimentos que lhes são completamente estranhos.
Creio bem, que vem aqui das raízes, daquilo que se aprendeu ainda em botão. A «nossa» cultura geral era mais extensa, a actual é mais profunda e localizada.
è curioso o que o King diz.De facto havia coisas que se proporcionavam pela leitura.outras pelo "fazer".Uma maquininha de manivela com uma tira de "comics"que a uma determinada velocidade "dava"a projecção de um filme...pequenos teatros de montar,caixas com coisas para experiencias de quimica (Colecção Majora),coisas para estimular a experiencia visual como os fabulosos caleidoscópios,e depois para as raparigas por ex.quem fazia ballet tinha acesso a rudimentos de música, como quem tinha aulas de um instrumento tinha acesso a factos da história da música.Estas coisas democratizaram-se depois.Ou mesmo nos liceus oficiais havia integradas nas actividades da Mocidade Portuguesa.Claro,que eram "dirigidas"ideológicamente...AB
Quanto às leituras houve tantos universos...todas as colecções já nomeadas e Twain e Stevenson e Dickens e as Bronte e no meu caso hagiografias não faltaram.AB
Curioso lembrares isso, AB, porque o Zé Palmeiro quando se começou a falar de «primeiros livros» veio lembrar um (eu também conheço esse modelo) em que o livro propriamente dito era «o corpo» de um boneco de onde saía a cabeça, as pernas por baixo, e os braços ao lado. Já era um livro-brinquedo.
De resto este tema é mesmo infindável...
Bem apanhado a perspectiva do King sobre o que é agora ou era nesse tempo a «cultura geral». É de facto outro universo em muitas coisas.
Tens razão, diz mesmo na capa que é um livro-brinquedo. Nas minhas velharias, vou lá colocá-lo, uma vez que já o encontrei.
Zé eu lembro-me de um que era «Joãozinho corre Mundo» ou um título parecido, e o menino protagonista visitava muitas terras e quando se virava a página aparecia «vestido» com os fatos desses diversos países. Muito engraçado.
Seria esse?
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